quarta-feira, 8 de julho de 2009

Carma Ocidental. 53. O atraso da A.L.


Acabamos por nos tornar um laboratório de ilusões falidas. Nossa maior virtude é a criatividade; no entanto, não temos feito muito mais do que viver doutrinas requentadas e guerras alheias, herdeiros de um Cristóvão Colombo desventurado, que nos encontrou casualmente quando estava à procura das Índias. Gabriel Garcia Marques* 

"Olha isso. Maravilhoso!", disse o irônico Obama. 
Luís da Silva ainda presenteou com as camisetas da CBF os presidentes do México, China, Índia e África do Sul, reunidos na Cúpula G8. Tamanha sandice não é digna de um jardineiro muito além de um jardim? 

Hoje o país vive dificuldades de outra sorte. Com um presidente constitucionalmente legítimo e politicamente trõpego, o hiato entre ricos e pobres (sem mencionar miseráveis e desempregados) e a exacerbação do corporativismo como forma privilegiada de associar participação e distribuição. Espera-se que o Brasil e a América Latina consigam associar progresso e liberdade, recuperando, sem traumas, parte do atraso civilizatório em que se encontram. Mas é de toda conveniência examinar prognósticos que, pelo contrário, antecipam para a região uma permanente subalternidade, numa civilização de segunda classe. Prof. Wanderley G. dos Santos, Não ao fracasso, in Veja 25 anos - Reflexoes para o futuro
Os prognósticos, infelizmente, são calcados em dados concretos, em fatos reais oriundos de teorias e estratégias igualmente de segunda classe.
O crescimento de grupos criminosos dedicados ao assalto, à venda de drogas, ao furto de automóveis e ao assassinato, entre outros delitos, transformou as ruas das principais cidades da América Latina em espaços cercados pelo medo.
O Globo, 22/8/2009

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Muitos dos terroristas de ontem são hoje presidentes ou ministros na América do Sul.
Vereadora chilena Lucía Pinochet Hiriart, filha mais velha do ditador chileno Augusto Pinochet 1915-2006. - Folha de S.Paulo, 2/11/2008
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Lawrence Harrison, do Massachuchetts Institute of Tecnology e Stephen Haber da Universidade de Stanford (The Pan-American Dream, cit. Toledo, José Roberto, O Pesadelo Americano, Folha de São Paulo, 10 de agosto de 1997) recomendara buscar os motivos do atraso sócio-econômico de nosso continente nos próprios países e não fora deles. Ambos também concluem que a tradição ibero-católica é particularmente inclinada ao autoritarismo, à injustiça e contrária ao livre mercado:
Há diferenças óbvias entre os países latino-americanos, mas as semelhanças são marcantes, por exemplo, com respeito as tradições de autoritarismo e envolvimento militar na política, de injustiça social e de sistemas econômicos 'mercantilistas' ou 'corporativistas' que tanto contribuíram para essa injustiça. No estadismo ibérico o cidadão acredita que o Estado - e não ele mesmo - deve resolver os problemas de sua vida. O simples complemento desta representação consiste em pensar que também o Estado (nacional ou outro) - e não o próprio cidadão - é responsável pelos malogros.
O prof. Seymor Lipset (O Homem Político, p. 84) oferece equivalente parecer:
“A estrutura social e econômica que a América Latina herdou da Península Ibérica impediu-a de seguir o exemplo das antigas colônias inglêsas e suas repúblicas nunca desenvolveram os símbolos e a aura de legitimidade.”
Mendoza, Montaner e Vargas Llosa (O manual do perfeito idiota latinoamericano: 127) também destacam como o sistema institucional proposto causou o empobrecimento:
A riqueza entre nós não provinha, como no caso dos primitivos colonos da Nova Inglaterra, do esforço, do trabalho, da poupança e de uma ética rigorosa, mas de pilhagem santificada pelo reconhecimento ou pela prebenda oficial. Desde então, entre nós, o Estado tutelar era o gerador de privilégios.
Nas palavras de Haber (How Latin America Fall Behind, cit. Toledo, José Roberto, Autoritarismo, pobreza e atraso, Folha de São Paulo, 11/8/1997: 5) deduz-se que o “positivismo” caboclo é ícone do atraso:
A premissa da coletânea de ensaios organizada por Haber é a de que os EUA abriram uma dianteira em relação aos vizinhos latinos durante o século passado principalmente por causa de leis e meios de transporte mais favoráveis a formação do mercado interno.
Uma expressão comovente desta verdade foi pronunciada sob a forma de uma mensagem ao povo americano pelo proeminente intelectual de esquerda mexicano Carlos Fuentes (The Argument of Latin America: Words for the North Americans, em Whither Latin America? New York: Monthly Review Press, 1963, págs. 10-12):
Vocês tiveram quatro séculos de desenvolvimento ininterrupto sob a estrutura capitalista. Nós tivemos quatro séculos de subdesenvolvimento sob a estrutura feudal. . . . Vocês tiveram sua própria origem na revolução capitalista. . . . Vocês começaram do zero, uma sociedade virgem, totalmente equiparada aos tempos modernos, sem lastro feudal algum. Ao contrário, nós fomos fundados como um apêndice da ordem feudal decadente da Idade Média; nós herdamos sua estrutura obsoleta, absorvemos seus vícios e os convertemos em instituições situadas as margens da revolução do mundo moderno. . . . Nós viemos da . . . escravidão pelo . . . latifúndio [extensões enormes de terra sob propriedade de um único dono], a negação dos direitos políticos, econômicos ou culturais das massas, uma espácie de alfândega impedindo a entrada de idéias modernas. . . . Vocês têm que entender que o drama da América Latina origina-se da persistência das estruturas feudais sobre quatro séculos de miséria e estagnação, enquanto vocês estavam no centro da revolução industrial e estavam exercendo a democracia liberal.
Pois enquanto a Nova Inglaterra partia à policultura, extraia-se, furtava-se ouro mexicano, prata peruana e boliviana. No colosso do norte, trabalho livre em pequenas colônias.
Na América do Sul, capitanias hereditárias no Brasil, mais servidões, escravidões indígenas ou africanas em todos:
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristão, porque eles, segundo parece, não têm nem entendem nenhuma crença. E, portanto, se os degradados que aqui hão de ficar aprenderem bem sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa fé...
Carta de Pero Vaz de Caminha, cit. Faraco & Mora, Para gostar de escrever. - São Paulo: Ática, 2002
A História é pródiga em aquilatar a consistência de tamanha santidade.
O cleptomaníaco Perón (Perón y el justicialismo) deu a tudo razão:
A diferencia de los otros, el movimiento justicialista era ideológicamente cristiano, y tanto lo era, que por diez años consecutivos el clero argentino, desde su más alta jerarquía, hasta el más humilde cura de campaña, apoyó al Peronismo, ta nto en sus campañas electorales como durante su gestión partidista en el gobierno
Dessarte quedamo-nos nocauteados eternamente, serviçais dos reinos de Espanha, Portugal e da Matriz, em função das circunstâncias institucionais e religiosas impingidas, no fito de aprisionar nosso ignorante e inocente povo. Fomos e somos alvos de uma "economia" e política maquiavélica, sanguessuga, exploradora, não da propalada genética de índole preguiçosa:
O clima e o temperamento, mesmo quando são uma causa física primordial do caráter de um povo, são submetidos a uma causa posterior e secundária ainda mais enérgica, a ação do governo e das leis que tem a faculdade de violentar as ações, criar hábitos novos e contrários aos antigos, e, por esse meio, mudar o caráter das nações, coisa de que a história da vários exemplos. (Volney, Tableau du Climat et du sol des Etats-Unis, Eclaircissements, art. IV, em Euvres, F. Didot, 1843, p. 709; cit. em Gusdorf, G. As Revoluções da França e da América: 104)

As Veias Abertas da América Latina, detectadas pelo sociólogo uruguaio Eduardo Galeano, conquanto brado superado, também deixam à mostra algumas conseqüências do desinteresse pelas coisas que nos são à cerca, algo que, no termo usado por marxistas e freudianos, traduz-se por “alienação”.
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E lá vamos nós,
sempre marchando.

As grandes nações não são jamais arruinadas pela prodigalidade e mau emprego dos capitais privados, embora, às vezes, o sejam pelos públicos. Na maior parte dos países, a totalidade ou a quase totalidade das receitas públicas é empregada na manutenção de indivíduos não produtivos [...] Toda essa gente, dado que nada produz, tem de ser mantida pelo produto do trabalho de outros homens.
Smith, Adam, Inquérito Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações vol.I, 1999: 599.
Pois foi esta ligação, a transferência de responsabilidade na escolha de nosso próprio destino que a história não perdoou. E por causa deste comodismo, continuamos atrelados, abdicando sonhos pessoais pelo abstrato nacional, em torno da “segurança”, ou no pleito da "justiça social ".
Tudo depende, portanto, de se fazer com que os súditos acreditem que o governo é bom e justo, e de os cidadãos sentirem-se felizes em obedecer às suas ordens - daí todo conjunto de medidas draconianas, aniquiladoras de toda liberdade de pensamento, sugeridas por Platão tanto na República quanto nas Leis, a fim de produzir e conservar nos súditos essa crença.
KELSEN, H.: 501
A alienação dos governos e a anemia popular enseja que nossas veias sejam sugadas, ora não mais pela somente pela externidade, mas pela prevalência da corrupção, que nada tem a ver com outros hemisférios, senão que vírus criado e instalado no próprio ser:
A Fundação José Sarney - entidade privada instituída pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para manter um museu com o acervo do período em que foi presidente da República - desviou para empresas fantasmas e outras da família do próprio senador dinheiro da Petrobrás repassado em forma de patrocínio para um projeto cultural que nunca saiu do papel.
Estadão, 9/7/2009
Se você observar a Chicago dos anos 1930, vai entender o que quero dizer: lá também havia corrupção e não havia Justiça. Eu fui a favelas em que não aparecia polícia desde 2003. Há mil favelas no Rio. Eu acho que a situação do tráfico não é vista como uma calamidade nacional. E, no meu ponto de vista, é o que o Rio é: uma calamidade nacional. Há gangues fora de controle em muitos territórios. O que as diferencia das guerrilhas do passado é que antes havia ideal político. Eles não lutam ou arriscam suas vidas para mudar a sociedade. Eles arriscam suas vidas para vestir um Emporio Armani. Isso é uma perversão da normalidade. O Estado se mostra disforme e corrupto quando aceita fazer contato com eles. A polícia se torna assassina ou vira milícia, o que também é um tipo de máfia. E os juízes, o que fazem? Depois de um tempo, você se adapta e se acostuma com essa deformação. Não é apenas no Rio. Eu já vi isso em outros lugares. E não é apenas um problema brasileiro, é um problema que ocorre na América Latina. O Estado não está funcionando, e os criminosos sabem disso. Os criminosos estão se tornando mais fortes, perderam todo o respeito pelas leis e pela sociedade.
ANDERSON, JON LEE, para New Yorker, in O Globo, 8/7/2009
Veja:
O modelo ditatorial da América Latina
Chávez-de-braço na América do Sul
Brasil e vizinhos se preparam para guerra
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*Ilusões para o Século 21, Folha de São Paulo, 14/3/1999.


Um comentário:

  1. Que lindo!
    Repleto de emoção!!
    Intenso!
    Intenso, intenso, intenso

    Maravilhosa essa montagem música/imagens

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