sábado, 6 de dezembro de 2008

A passagem do Tempo

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O tempo esvai-se logo e deves bem gozá-lo.
A ordem e a disciplina ensinam a utilizá-lo.
Aconselho-te, então, meu muito caro amigo,
A primeiro estudar lógica comigo
Teu espírito estará por fim bem amestrado
Em botas espanholas muitíssimo ajustado;
E assim já poderá deslizar, num momento,
Nas estradas suaves de todo pensamento
Não andarás indeciso a torto e a direito,
Erradio, a vagar, sem o menor proveito.*
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Para não ficar a ver navios, ou dentes de outras gentes, quando almoço sozinho além do milho debulho letras. Não são poucos os que se admiram. Há quem julgue falta de educação. Concordo; só não sei com quem. Outro quer saber o que leio. Lisonjeia-me o interesse. Ao mostrar o título, todavia, vem fatídica resposta: “Legal, pena que não tenho tempo!” Engraçado é que passamos pelo mesmo tempo. Para aquele, entretanto, é escasso. Não dá para fazer nada além do essencial. Raro, o tempo lhe custa mais caro. Acho um barato.
Ninguém tem tempo. Você tem, ainda bem. Eu também. Quanto mais gasto meu tempo, maior ele fica. Utilizo o meu, ora o seu, todavia gratifico. Porto tempos adicionais, cedidos gentilmente pelos grandes cientistas da civilização. São interessantes; mais ainda, prazerosos.
"Ela se renova, assim como as gerações, graças a uma atividade que constitui o melhor jogo do 'homo ludens': A ciência é, no mais estrito e melhor dos sentidos, uma gloriosa diversão." (BARZUN, Jacques, cit. BERSTEIN, Jeremy, Observación de la Ciencia; trad. Lorenzo Aldrete. México: Fondo de Cultura Económica, 1988: 11)  A ciência amplia a consciência; portanto, o tempo. Há célebres tapeadores, muitos velhacos, mas quando os descubro, também encurto o trajeto, com incomparável  satisfação. Meu tempo assim se multiplica por mil.. Ando até meio farto de tanto tempo. Tenho para dar e vender.
Quem diz que não tem tempo, não vê futuro. Take it easy, acabo com a agonia. Na mesa ainda vem sobremesa; mas se de regime, melhor abstenção. Não poucas vezes é mais prudente parar do que continuar rumo à inflação. Retrocedendo, obterá mais tempo:
Não é curto o tempo que temos, mas dele muito que perdemos. A vida é suficientemente longa e com genorosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente, constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido. SÊNECA, Sobre a Brevidade da Vida
À criança, sempre aflita, tudo demora a passar. A natureza é sábia. As múltiplas transformações tem que ser em lento compasso, à assimilação. Bebês não perdem tempo brincando. Adultos, tem a ganhar: basta não frequentar a academia - ela permanece fora da realidade; difícil é o retorno. Brincar rende mais que sonhar.
O velho marcado por câncer é felizardo. Muitos morrem na meia-idade. Outro tanto, ainda jovens. Rick nos deixou precocemente. O acidente o imolou. Nossa tristeza é tão sem fim quanto a própria eternidade. A ele e aos caros ausentes dedico o cruzeiro.

* * *
Getúlio tapeava o povo. Sua consciência lhe abreviou a estada, mas o entulho vigora. Lembro-me do imortal Mário Quintana: "O passado é um intrometido porque está sempre presente." Você faz bem em se intrometer, Passarinho; mas há os que merecem esquecimento. Esses passarão.
O tempo permanece aberto. Se você não bem usá-lo, outro lhe usurpará. Use o presente, considere o passado, mas conte com o futuro. Para não perder detalhes, não corra. A pressa traz a morte depressa. Prudente câmera lenta.
Tempo é dinheiro?
O homem ocidental civilizado vive num mundo que gira de acordo com os símbolos mecânicos e matemáticos das horas marcadas pelo relógio. É ele que vai determinar seus movimentos e dificultar suas ações. O relógio transformou o tempo, transformando-o de um processo natural em uma mercadoria que pode ser comprada, vendida e medida como um sabonete ou um punhado de passas- de-uva. E pelo simples fato de que, se não houvesse um meio para marcar as horas com exatidão, o capitalismo industrial nunca poderia ter se desenvolvido, nem teria contnuado a explorar os trabalhadores, o relógio representa um elemento de ditadura mecânica na vida do homem moderno, mais poderoso do que qualquer outro explorador isolado ou do que qualquer outra máquina.WOODCOCK, A ditadura do relógio, In A rejeição da política, 1972 - http://lovedbdb.com/nudemenClock/index2.html
No fito de pretensamente melhorar nossa estada na Terra, a linha do tempo marca o compasso das gentes como gado embretado. Tudo mentira, e fatal, como sói acontecer.
A órbita planetária nos remete a um parque de diversões. Estações climáticas corroboram a infantil noção do carrossel.
Ao operador, e para quem usa o brinquedo, o tempo acarreta dinheiro ganho, ou gasto.. Mas se a Terra e nossa vida se restringem no incessante circular, nada faz sentido: seríamos meros passageiros do gigantesco disco-voador sem destino? Digo, de trem-voador, pela falta de mobilidade lateral? Não vai levar!.
O ponteiro do relógio não imita a cabeça de um cão correndo atrás do próprio rabo? Convenhamos: para quem isso é negócio? Obviamente a retrógada postura sequer pressupõe onde vai dar. Prometem o céu. Como papel, o celeste aceita tudo..Vá lá. A Nova Era é que não suporta mais as primárias e limitadas dialéticas:
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"O fato de o tempo ser próprio de cada corpo, não uma ordem cósmica única, envolve mudanças nas noções de substância e causa." (RUSSEL, cit. FADIMAN: 165)
E lá se vai o sofístico apelo trabalhista:
"Como o valor do trabalho depende cada vez mais do conhecimento, não podemos mais vender ou padronizar o tempo de trabalho como se ele fosse igual para todos."(TOFFLER, A.: 86)
Ciao Mussolini:

Uma coisa é certa, a hora uniforme do relógio não é mais pertinente para a medida do trabalho. Essa inadequação há muito era flagrante para a atividade dos artistas e dos intelectuais, mas hoje se estende progressivamente ao conjunto das atividades. Compreende-se porque a redução do tempo de trabalho não pode ser uma solução a longo prazo para o problema do desemprego: ela pereniza, com um sistema de medida, uma concepção de trabalho e uma organização da produção condenadas pela evolução da economia e da sociedade. Só se pode medir – e portanto remunerar – legitimamente um trabalho por hora quando se trata de uma força de trabalho-potencial (já determinado, pura execução) que se realiza. Um saber alimentado, uma competência virtual que se atualiza, é uma resolução inventiva de um problema numa situação nova. Como avaliar a reserva de inteligência? Certamente não pelo diploma. Como medir a qualidade em contexto? Não será usando um relógio. No domínio do trabalho, como alhures, a virtualização nos faz viver a passagem de uma economia das substâncias a uma economia dos acontecimentos. Quando irão as instituições e as mentalidades acolher conceitos adequados? Como aplicar os sistemas de medida que acompanham esta mutação?
LÈVY, PIERRE: 61
Por enquanto, milhões cultivam a ansiedade. Sentem-se atrasados, cansados, stressados, resultado da enorme pressão do tempo. E tome buzina, grita nas filas. Em véspera de Natal, cruzes. O fim-do-ano já está aí!!! É gente fechando, animal xingando:
"Sai da frente que atrás vem gente!"
“Tempo é dinheiro!”.
Sim, pode ser. Mas com tempo, porque a pressa pelo dinheiro? E sem tempo, como fazer dinheiro? Francamente!
"Quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro!"
Já ouvi essa outra aberração. Tal conceito deve ter vindo da Bobonne. Lá ensinavam maravilhas ao pessoal de cá. Houve um especial. Retornou à Pátria empertigado. Como chegava da Europa, bem vestido, de fatiota, ninguém percebeu a lorota. Deram-lhe a chave do cofre. O bon-vivant confirma o ditado, mas tem outro que deve ter esquecido:
"Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe!"
Aguardo.
Quando se aposentar, não faça como o tipo, que não sabe o que fazer com o tempo furtado de todos lá atrás. Não se perturbe. Se nada se dispuser a fazer, também nada há de perder, e não precisa tomar de ninguém. Orienta-nos Lao-Tzè:
"Pela não-ação tudo pode ser feito."
Goethe, Miefistófoles, Heisenberg e mesmo Sêneca que me desculpem, mas cogito da hipótese amarela. Se porventura nesse meio-tempo alguém necessitar qualquer auxílio, por favor, acuse. Boa-vontade não me falta.

O banco do “ú” também deve conhecer nosso precursor asiático. O estabelecimento não tem disponibilidade de tempo. De dinheiro, está farto. Ita demora no mínimo dez dias para abrir uma conta, na melhor das hipóteses. Na pior, não abre. Pela não-ação, fica com um dinheirão.

Nos EUA, a Nextcard limpa seu nome, histórico de crédito, e ainda aprova seu cartão em 35 segundos. É gente que faz; contudo, não falta quem reclame da demora.
A Bolsa opera com horário, mas aceita after-market. Não deveria fechar. Deus teve o privilégio de descansar no sétimo, depois de usar seis para criar o Universo, mas no céu o cair do Sol encerra o dia. Não temos tal regalia. No mundo ele nunca se põe. Se estamos no último dia da semana, o Japão já está no primeiro, de novo.
Os astrônomos determinaram um segundo extra ao ano que finda (Folha de São Paulo,10/12/2008). Isso é timidez. O Brasil troca tres mil e seiscentos, de uma vez, por conta do verão. "Neste país" basta um decreto para obrigar até o cuco. Não sei do galo. Como informá-lo? Meu relógio, todavia, não se mexe, não. Nele quem manda sou eu. No do povo, mandava o finado Zé Bedeu.
Certos segmentos não fecham. Acompanham nossos corações. Hospitais, bombeiros, postos, rádios e táxis amparam a comunidade sem parar. A Internet é oásis. Estou para ver a cidade 24 horas. Não haveria insônia, nem garçon de cara feia.
Cadência marcial

Era uma enorme cebola de ouro, suíço, pedras preciosas nos ponteiros, o tampo em filigranas, uma jóia, uma antigüidade, uma relíquia, uma preciosidade. FESTER, Ribeiro, O relógio do avô. In O mar tem várias cores. - São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1979
Como convém ao mito. O efeito da "filosofia" grega é o domínio. Ao contraste, o efeito da filosofia oriental é o usufruto. Não por acaso, ainda que por paradoxo, a religião ocidental tudo fragmentou, despedaçou. Corpo e alma. céu, inferno, e, por fim, esquerda e direita. Não sobrou sequer o tempo, dividido em quarto sobre quarto, ad infinitum, mas desse modo tornando tudo totalmente limitado, e supostamente sem retorno.

Foi a tradição judaico-cristã que estabeleceu o tempo linear (irreversível) de uma vez por todas na cultura ocidental... O tempo irreversível influenciou profundamente o pensamento ocidental. Preparou a mente humana para a idéia de progresso, para o conceito de tempo profundo, para a surpreendente descoberta dos geólogos de que a evolução humana é apenas um episódio recente e curto na história da Terra. Preparou o caminho para a evolução de Darwin, que fala de nossa união com criaturas mais primitivas através dos tempos. Em resumo, o advento da idéia de tempo linear e da evolução intelectual desencadeada por essa idéia corroborou a ciência moderna e a promessa de melhoria da vida na Terra. COVENEY: 22
Falam de nossa união com criaturas mais primitivas, através dos tempos. Quantos seriam? E se for apenas uma?  A seleção natural  fala que somos evolução dos macaquinhos, mas eles mais equipados do que gente, porque tem até rabo, que ainda não temos!  E estes parentes, seriam descendentes do quê? Para desespero do Cap. Fritz Roy, Darwin (cit. THUILLER: 199),  curtiu o cruzeiro por longo tempo, e de graça; depois esperou, por dezenas de anos, a chegada de Wallace. Só então apresentou "seu" trabalho, por sinal, idêntico. Nada perdeu, só ganhou. No casar, contudo, sim:
“O casamento acarreta uma terrível perda de tempo!”

Proust foi em busca do tempo perdido. Na sepultura deve ter achado.

Não são poucos os que perdem o avião. Outros, o cinema, e até o bonde da história. Às vezes passa o cavalo encilhado, sem montaria. Diz-se que ao lento recai o vento.
Na falta de outro parâmetro, a marcha vem batida no cronograma: rush da manhã, do almoço, da happy hour. Ela nem pode durar a unidade; senão, o incauto leva um rolo de massa na cabeça. Em casa, depois do jantar, todos na TV. Acompanham a novela de enredo invariável, e de horário impecável. Ela é tão forte que desloca até o Maracanã lotado para mais tarde. A torcida que espere o beijo.
Hora-extra? Milagre leva vantagem. Só não atrase o pagamento. Ele custará muito mais caro, principalmente por aqui. Coisa de “apenas” uns 200% ao ano.
E se o atraso recair na audiência, justiça não vem ao caso. Pronto: lá se foi o capital!
Trabalhar à noite oara a justiça merece mais. porém vôo noturno à capital tem desconto. Durma-se com um barulho desses!

Quem tem tempo não carece. Quem não tem, pega a primeira condução que aparece, comumente ônibus. Se parado ficasse, ainda assim poderia ser mais rápido: era só estar no saguão do aeroporto.

Mesmo dentro do ônibus há discrepâncias de tempo: um vai dormindo, e o tempo lhe passa sem sentir. Ao preocupado, o tempo varia. Para quem visita a namorada, o ônibus não chega nunca! Apreciando boa música, ainda mais se acompanhado, tudo finda muito rápido.

O tempo e o vento
O tempo é a quarta dimensão. A passagem do tempo é uma ilusão. Temos essa ilusão de um mundo em mutação, tridimensional, embora nada mude na união quadridimensional do espaço e do tempo da teoria da relatividade de Einstein. Se a vida fosse um filme, a realidade física seria o DVD inteiro: quadros passados e futuros existem tanto quanto o presente[ M. Bunge (1958). On multi-dimensional time. British J. Phil. Sci. 9: 39.].
O tempo flui em taxas diferentes. Cabe ao agente definir a dilatação temporal. Sua ausência, à inconsciência recai  contração espacial.
O tempo é elástico até para quem dorme. O rico sonha, e assim tem tempo dobrado. O carente, pesadelo. É sofrido, ninguém quer, mas o tempo também para ele se expande. Se ao acordar nada lembram, lá se foi o tempo em vão.

Quem possui a mulher nota 10, junto a ela o tempo voa. Ao marido de mulher feia, feriado é interminável.

A Hora do Brasil demora mais do que noventa minutos de futebol, vai dizer que não. Mas quando o placard assinala um a zero, maldito relógio que não anda!
E o que dizer do caranguejo, que anda para trás? Pode-se dizer que seu futuro está no passado?
Se o trem percorre ao norte, numa velocidade de cem, e alguém dentro dele atirar uma bola ao sul, na velocidade de cincoenta, pergunto: a bola estará se dirigindo para o norte ou para o sul? Ela percorre o futuro, ou se dirige ao passado? Boa essa não? Posso responder facilmente. Qualquer resposta pode ser correta. Depende, apenas, do ponto do observador. Para quem atira a bola, ela se dirige para o passado. Para quem aprecia da plataforma, ela viaja ao futuro.
O tempo por tudo é relativo. Quando um carro anda a 180 km por hora, é incrível. No entanto, se ficasse parado daria quase no mesmo: é que a Terra por onde ele anda viaja a 180, mas a 180 mil km. por hora ao redor do Sol, que por sua vez viaja sei-lá a quantas, na expansão do Universo.
De presente
Ao deixarmos a estação, ela fica no passado. Mas ela continua existindo, de modo que é presente. E pelo fato do trem percorrer o circuito e para lá voltar, a estação também está no futuro.
S
e o espaço não desaparece, porque o tempo que lhe acompanha seria diferente? Eles são tão complementares quanto corrimão de escada rolante. E o que dizer dos objetos e animais, e plantas, e as gentes, e tudo mais neles inseridos?
Desde o momento que comecei a cogitar tudo isso, tenho claro na mente: não é pelo fato do ator sair do palco, ou mesmo da história, que se deve supor seu falecimento. Ele pode, e certamente estará nos bastidores, curtindo sua própria atuação... e a cara dos espectadores!

Quem despreza dois dias especiais - o de ontem, e o de amanhã - de certo modo está certo; contudo, é recurso à metonímia  Se não pudermos contar com esses dias, nenhuma conta jamais adiantará.

Quando você caminha, coloca um pé no futuro. O outro, fica no passado. Seu corpo faz o presente. O viaduto une as duas margens, ao mesmo tempo. Era o que preconizava Nietzsche: o ser como uma ponte.
Assim se vê a eternidade. E assim caminha a humanidade.
Corpos celestiais e o TempoEspaço são hologramáticos Somos uma gota no oceano**. O que acontece com o oceano, acontece na gota. Quando ela cai, sente o oceano:
A partícula ao se propagar pelo espaço emite um campo que informa esse seu movimento no sentido de um 'abre-alas que eu quero passar' (como se fosse um empurrar a distância). Literalmente falando, ela empurra a distância tudo o que está a sua frente, e certamente receberá uma reação dinâmica conveniente (o que pode até mesmo provocar uma reflexão total) (Adroaldo Mesquita Filho, Debates 'Ciencialist 2003' a respeito de uma Nova Teoria a propor as bases para o entendimento da Natureza Íntima da Matéria www.ecientificocultural.com/ECC2/Dialogos/-
"Isto faz dos seres vivos elementos numa vasta rede de inter-relações que abarca a bioesfera de nosso planeta – que em si mesma é um elemento interligado dentro das conexões mais amplas do campo psi que se estende pelo cosmos." (LASZLO: 198)

O conceito de um mundo sutilmente interligado, um oceano cósmico no qual estamos intimamente ligados uns aos outros e à natureza, assimilado por nosso intelecto e abraçado por nosso coração, poderá talvez inspirar novos modos de pensar e de agir que transformem o espectro de uma derrocada global no triunfo de uma renovação global – uma renovação para uma era mais humana e sustentável. (Idem: 205)
Se entendermos o tempo como deslocamento no e do espaço, ao mesmo tempo, como de fato é, fica mais fácil perceber: tudo é presente, exceto nosso corpo, que passa. Passado e futuro, pois, reduzem-se a meras e arbitrárias demarcações, projetadas na necessidade do homem de dar sentido à própria existência. Esta demarcação é ilusória; mas nossa presença, não.
Um buraco-negro, todavia, pode tirar tudo de cena; e o monstro anda por perto:
"Astrônomos alemães confirmaram que há um buraco negro gigantesco no centro da Via Láctea, a galáxia onde fica o planeta Terra." (O Globo, 10/12/2008)
O malvado translada o passado para a dimensão que quer, sabe-se lá qual é. O elemento escuro, claro, é voltado para si. Presume o tôlo que tudo deva existir em sua função. Neste caso, como em quase todos, quem tudo quer, tudo perde. Se a escuridão escutasse José Ortega Y Gasset, far-se-ia super-nova:
"Somos nós e nossas circunstâncias. Se não as salvarmos, não nos salvamos."
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Toque, toque.
Era (de certo modo ainda é) o previsível (e monótono) tique-taque que orientava as previsões: "A confecção de relógios, por exemplo, é certamente delicado e trabalhoso, de tal modo que as suas rodas parecem imitar as órbitas celestes ou o movimento contínuo e ordenado do pulso dos animais." (BACON, F.: 67 )
Sir
Newton (Principia, II, art. 37) aproveitou a carona:

O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem levar em conta qualquer coisa que lhe seja externa, permanece sempre inalterado e imóvel... O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, de si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente, sem depender de qualquer coisa externa.
Lêdo engano, o mais crasso dos equívocos:

O verdadeiro tempo (o que Bergson chama de 'duração') consiste propriamente na experiência vivencial da própria vida, e, por conseguinte, radicalmente intuitiva. Entretanto, para a maioria de nós, esse tempo verdadeiro foi inapelavelmente deslocado pelo ritmo do tempo marcado pelo relógio. Aquilo que constitui fundamentalmente o fluxo vital de experiência torna-se então um gabarito externo, arbitrariamente graduado, a que nossa existência é subordinada - e sentir o tempo de qualquer outra maneira torna-se 'místico ou louco'. Se a sensação do tempo pode ser assim coisificada, porque não haverá de ser tudo o mais? Por que não inventarmos máquinas que coisifiquem o pensamento, a criatividade, a tomada de decisões, o julgamento moral? ROSZAK, T.:230
Há quem pense que a história acabou. Não foi bem isso que Fukuyama quis dizer. O passado é definido, mas ainda assim pode ser mutante: de novo, depende da interpretação. E o futuro é infinito:

Pois o chamado ‘fim da história’ nada mais é do que a emancipação da multiplicidade dos horizontes de sentido. Um desses desafios é o de repensar o pensamento científico, libertando-o de sua ganga positivista, de sua mania contábil, a fim de instalar em seu seio a argumentação filosófica capaz de regular as relações do conhecimento científico com as demais modalidades de pensamento e ação. Outro, não menos importante, é o de pensar a modernidade. Porque esta não é um momento datado da história, definindo uma época. É o nome de uma ruptura, de uma crise relativamente à tradição. Estamos diante de uma nova episteme: da indeterminação, da descontinuidade, do deslocamento, do pluralismo (teórico e ético), da proliferação dos projetos e modelos, da ampliação de todas as perspectivas e do tempo da criatividade. JAPIASSÚ: 10
O ultrapositivista Pontes de Miranda (cit. MOREIRA: 103) superou os próprios preconceitos, e conclamou:

O princípio da relatividade deve ser mais geral ainda - devemos procurar a diferença de tempo nas realizações biológicas e sociais, - o tempo local das espécies e dos grupos humanos. Isto nos poderá explicar muitos fenômenos que resistem às explicações atuais. Mas para conseguir tais fórmulas muito terá que lutar o espírito humano contra os preconceitos que o rodeiam e contra as obscuridades da matéria que irá estudar.
Futuro do Universo pode estar influenciando o presenteNão há, portanto, a flecha do tempo. Sua descontinuidade é manifesta nos instantes e nas diversidades vividas. Ele é produto e signo das diferenças: "Cada forma de vida inventa seu mundo (do micróbio à árvore, da abelha ao elefante, da ostra à ave migratória) e, com esse mundo, um espaço e um tempo específico." (LÈVY, Pierre, cit. PELLANDA e PELLANDA: 118)
Bem que na Idade Média os clérigos apregoavam que o tempo pertencia a Deus. Não deveria, sequer, ser medido. Vai ver, estavam mesmo mais certos do que a turma de Copérnico, Galileu, Bacon, Descartes e Newton, e inúmeros debilóides que lhes sucederam. Passamos por séculos terrificantes, arrasadores, em nome do mecanicismo extremado. Meu co-piloto acabou com essa cadência encadeada. O tempo não é estático, uniforme. A simples presença da massa distorce o espaço, e com ele o tempo. Dessarte, são por essência relativos. Depende da composição/disposição de cada corpo, e até de sua velocidade, que por sua vez também incide no próprio objeto gerador, que é o espaço. O tempo, pois, não é tão toscamente engrenado como o relógio. Isso é apenas uma convenção, lavrada quando a vela era a rainha da noite.

* * *
Arcos dos tempos
O inferno da Divina Comédia castigava o vidente com corda no pescoço, e cabeça voltada para trás. Tal preocupação ora se faz desprovida de sentido: previsões são impossíveis. Nem satélites, telescópios, ou bolas de cristal; tampouco computadores ou qualquer tipo de gente pode descrever o que o será que virá. O tempo se define a cada instante, pela natureza e por cada um de nós, na unidade cósmica.


Atrás fica o porto. O vento enfuna as velas.
Acolá se estende o tenebroso mar.
Meus marinheiros,
Companheiros de batalhas e vigílias...
... Vinde amigos:
Inda é tempo de buscar um mundo novo.
EINSTEIN, A., Arquitetos de Idéias; cit. TRATTNER, apresent.
Boas Festas!
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NOTAS
* Werner Heisenberg rememora as palavras de Miefistófeles ao jovem estudante, in
Fausto, de W. Goethe.

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Suíços confirmam a tese:
Emitindo pares de fótons - partículas de luz - ao longo de uma fibra óptica estendida entre as cidades suíças de Satingny e Jussy, cientistas do Grupo de Física Aplicada da Universidade de Genebra determinaram que um fóton, chegando a um extremo da linha, é capaz de reagir instantaneamente a uma manipulação realizada no parceiro que foi para o lado oposto, a 18 km de distância. Os pesquisadores calcularam que, se essa reação for resultado de uma comunicação entre as partículas, o sinal teria de viajar a, no mínimo,
10.000 vezes a velocidade da luz. 'Trata-se de uma violação do espírito, se não da letra', da Teoria da Relatividade de Einstein, que diz que nada pode viajar mais depressa que a luz, diz o físico Terence Rudolph, do Imperial College London, em comentário ao experimento suíço. Tanto a descrição da experiência quanto o comentário de Rudolph estão publicados na edição desta semana da revista Nature. O efeito utilizado pela equipe suíça é conhecido pelos cientistas como 'emaranhamento quântico', e ocorre quando duas partículas são preparadas de tal forma que qualquer alteração numa delas afeta a outra instantaneamente, não importa a distância que as separa. A velocidade de 10.000 vezes a da luz, determinada pelos físicos de Genebra, é o limite mínimo para que o sinal seja 'instantâneo'. 'Sabemos que as partículas que representam os bits quânticos, ou q-bits, precisam adquirir, durante o processamento da informação, certo grau de emaranhamento para que a computação quântica seja mais eficiente que computação clássica', explica o físico brasileiro Marcio Cornelio, atualmente na Unicamp. Cientistas acreditam que computadores quânticos serão capazes de realizar cálculos muito mais rapidamente que computadores normais, ou clássicos, além de resolver problemas que estão fora do alcance das máquinas atuais. O emaranhamento não viola a 'letra' da relatividade porque, por si só, o fenômeno não permite a transmissão de sinais de comunicação mais depressa que a luz - não seria possível, por exemplo, usar partículas emaranhadas para criar um telefone celular instantâneo. 'O emaranhamento não pode ser usado para comunicar unidades de informação escolhidas por uma pessoa, exatamente porque os eventos correlacionados por ele são aleatórios, fora do controle humano. Se os eventos fossem determinísticos, seria possível usar o fenômeno para comunicação clássica mais rápida que a luz', o que violaria a relatividade, diz Gisin. Mas se as partículas não trocam sinais entre si, como o emaranhamento quântico é possível? Como uma partícula 'sabe' que sua parceira, a quilômetros de distância, foi manipulada? Eu diria que as partículas simplesmente estão correlacionadas', diz Cornelio. 'Como não é possível transmitir informação usando apenas partículas emaranhadas, não há necessidade de uma 'saber' o estado da outra e vice versa. Existe apenas uma correlação estranha, que não pode ser descrita pela física clássica'. Partículas 'conversam' a 10.000 vezes a velocidade da luz.'
(Partículas 'conversam' a 10.000 vezes a velocidade da luz
, - Estadão, 13/8/ 2008.)

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FONTES

BACON, Francis, Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza. Tradução e notas de José Aluysio Reis de Andrade, São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1997.

COVENEY, Peter e HIGHFIELD, Roger, A Flecha do Tempo. Tradução J. E. Smith Caldas. - São Paulo: Ed. Siciliano, 1993.

FADIMAN, Clifton org., O Tesouro da Enciclopédia Britânica - O Melhor do Pensamento Humano desde 1768. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges, 2. Ed. - Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1994.

JAPIASSÚ, Hilton, Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje. São Paulo: Editora Letras & Letras, 1997.

HEISENBERG, Werner, A parte e o todo. Tradução de Vera Ribeiro; revisão da tradução Luciana Muniz e Antônio Augusto Passos Videira; revisão técnica de Ildeu de Castro Moreira - Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil. - Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995.

NAISBITT, John, Paradoxo Global. Tradução de Ivo Korytowski. - Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1994.

NIETZSCHE, Friederich Wilhelm Assim falava Zaratustra (Livro para toda a gente e para ninguém); Apêndices de autoria de Elizabeth Förster-Nietzsche; tradução de José Mendes de Souza. - 5 edição. - São Paulo: Edições e publicações Brasil editora S.A., 1961.

PELLANDA, Nize Maria Campos e PELLANDA, Eduardo Campos org., Ciberespaço: um hipertexto com Pierre Lévy. - Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000.

ROSZAK, Theodore, A Contracultura. Tradução de Donaldson M. Garschagen. - Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1972.

THUILLIER, Pierre, De Arquimedes a Einstein: a face oculta da invenção científica. Tradução de Maria Inês Duque-Estrada; revisão técnica César Benjamim. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

TOFFLER, Alvin e TOFFLER, Heidi, A Riqueza Revolucionária. Trad. Maiza Prande Bernardello e Luiz Fernando Martins Esteves. - São Paulo: Futura, 2007.






5 comentários:

  1. Olá Cesar Augusto,
    Seu texto é um dos mais detalhados que eu li sobre o uso do tempo. É tão interessante que eu arrumei um tempo para ler! Porque , ao fim, o tempo não deixa de ser uma ilusão com correntes e bolas de ferro preso aos pés. Prefiro ser atemporal, mesmo que seja difícil viver neste "tempo".
    Um grande abraço.

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  2. GOSTEI MESMO! CURIOSO É QUE QUANDO NÃO TINHA TEMPO, REALIZAVA MUITO MAIS.SEMPRE ESCOLHI MEUS COLABORADORES,PARA FAZER UMA ACTIVIDADE AQUELE QUE NÃO TINHA TEMPO, POIS ESTE EU SABIA QUE FARIA E BEM. UMA COISA É CERTA:
    SE NÃO EXISTE O TEMPO O ESPAÇO FICA ZERO E A VELOCIDADE INFINITA.
    OBRIGADO E UM ABRAÇO.

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  3. Muito bom o seu texto. Gostei da idéia de quem lê tem o tempo multiplicado. Também penso assim. Tempo é escolha e escolher ler seu texto é passar muito bem o tempo, de forma interessante e profícua. Tempo é dinheiro é uma visão capitalista da vida, que todos nós incorporamos na civilização ocidental, mas há que se buscar outra visão, em que o ócio criativo seja ganhar tempo. (Domenico de Masi e Bertrand Russel)
    Abraços.

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  4. “Desistir e uma solução permanente para um problema temporário.”
    James MacArthur
    Você sabe qual é o lugar mais rico do mundo?
    Não sabe? É o cemitério!!
    Sabe por que? Porque lá estão enterrados todos os sonhos que nunca foram e nem serão realizados.
    Você está pensando em enterrar os seus sonhos? Não, por favor eu peço, não faça isso! Fique firme, não desita!!!
    Eu fico imaginando quantas pessoas desistiram dos seus sonhos apenas duas ou três semanas antes de conseguirem aquela realização tão esperada?
    Um dos maiores desafios rumo a uma realização bem sucedida e o de manter um senso de urgência em relação ao seu trabalho, e ao mesmo tempo ser paciente o suficiente para permanecer firme o tempo que for necessário. E absolutamente necessária a presença de três indispensáveis ingredientes: crer, ter fé e confiar.
    Primeiramente crer naquilo que você está fazendo. Fé na certeza de que existe um Deus que em momento algum jamais o desamparará e confiar que através dos valores que você está estabelecendo, o retorno fatalmente vira numa forma multiplicada muitas e muitas vezes.
    Se você trabalhar em algo o tempo suficiente, e sinceramente dar o seu melhor todos os dias e constantemente buscar por novos rumos e estratégias a fim de aprimorar a sua performance; sem nenhuma duvida, você será bem sucedido.
    Tudo aquilo que e rico de genuíno valor e significado, toma tempo. Não me interprete mal, com isso não quero dizer que você devera simplesmente esperar que as coisas aconteçam naturalmente por si mesmas. Saiba para onde você esta indo; de o melhor ao seu trabalho, de tudo que e possível dar. Providencie, transmita os valores para um maior numero de pessoas tanto quanto possível e então você se dará conta que a confiança que depositou nos seus esforços será ricamente recompensada.
    Deus lhe abeçoe muito.
    Estou orando por você todos os dias!
    “Tome como modelo os ensinamentos verdadeiros que eu lhe dei e fique firme na fé e no amor que temos por estarmos unidos com Cristo Jesus.” 2 Timóteo 1:13
    Pastor Derville

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  5. Prezado Dário Dutra:
    Agradeço a honra a distinção VejaBlog.
    Madalena Barranco:
    Grato pelo prestígio e recomendação.
    Paulo Roberto:
    "Espaço Zero e velocidade infinita!" Muito boa.Grato pela presença e contribuição.
    Cinthia Bueno:
    Apanhou o milagre da multiplicação!
    Muito grato pelo prestígio e despreendimento em acusá-lo.
    Pastor Derville:
    Paz na Terra aos homens de boa vontade. Honrado com sua atenção.

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