Para o "presidente", Garibaldi Alves Filho
(PMDB-RN), “admitir que a Mesa da Câmara dos Deputados possa limitar o poder decisório do Senado Federal é desequilibrar o sistema bicameral do legislativo brasileiro”.
Tal viés conduz a desdobramentos completamente descabidos. Essa
triste figura impetrou
Mandado de Segurança contra o entendimento dos deputados, os representantes do povo! Diante dos desmandos oriundos do Judiciário, todavia, não seria surpreendente que este poder, derivado do Legislativo e totalmente dependente do Executivo, por isso desde 1995 contaminado por sofrível saber jurídico, mas não maquiavélico, ainda coloque mais confusão na parada. Maior aberração vai ser difícil.
O potiguar está mais por fora do que joelho de escoteiro. O sistema bicameral exige a dialética, senão seria unicameral; e a dialética não admite verticalidades, mas equalizações. Os
seniors do Senado é que estão
senis, desequilibrados:
"O senador César Borges
(PR-BA), relator da matéria, garantiu que a aprovação da proposta não implicará em aumento de gastos dos municípios."
Peça "Vai te Catar!!!" fica em cartaz em SP até 21/12
É certo que a turma volta-e-meia corrige anomalias e heresias legislativas oriundas da Câmara. Todavia, o veredicto raramente é compatível com suas aptidões, e por isso costuma vetar ou referendar leis que não lhe competeriam examinar a forma, e nem seu conteúdo, mas tão somente sua abrangência. Mais claro: se o projeto de lei não fere as constituições estaduais. O Senador representa o Estado, não sua população, o que é diferente. E por ser representante, não é de sua alçada governá-lo.
Uma lei que determine a composição dos poderes municipais, como também os estaduais, é um evidente excesso das suas já avantajadas prerrogativas.
Também é certo que na hierarquia das leis a Federal deve sobrepujar a estadual, mas a presença dos senadores se justifica exatamente no apontar a prepotência em sua nascente, abortando a tentativa de subjugar os elementares e parcos direitos dos estados. A rigor, era para o Senado estar mais à cerca do Poder Judiciário do que do próprio Legislativo, composto pela Câmara dos Deputados.
O caráter "científico" das leis
O curso de Ciências Juridicas e Sociais enseja supor que a lei obedeça a algum ditame científico. Infelizmente ou não, nada mais falso. A lei é apenas estratégia, técnica de domínio. Ouso afirmar, com segurança: não há sequer possibilidade dela conter caráter científico. Qualquer legislação é artificial, justamente por não atender a ninguém de modo particular, pelo menos em tese, embora a todos atinja:
Todas as formas de cooperação social legítima são portanto obra de indivíduos que nela consentem voluntariamente; não há poderes nem direitos exercidos legalmente por associações, inclusive pelo Estado, que não sejam direitos já possuídos por cada indivíduo que age sozinho no justo estado de natureza inicial.
RAWLS, J.: 11
Outra razão da impossibilidade, quiçá até mais compreensível, vem da própria ciência
mater:
NÃO EXISTE ESSA VERDADE ABSOLUTA.
A mesma paisagem apresenta diferentes aspectos a diferentes
pessoas que a vêem de diferentes pontos de observação.
É uma coisa para o pedestre, uma coisa totalmente diversa
para o motorista e ainda outra coisa diferente para o aviador.
Toda experiência é relativa a pessoa exposta a essa experiência particular.
Albert Einstein
Quanto mais perto da natureza do povo ao qual ela se destina, mais chances terá de sua permanência, eficácia, aceitação, acatamento, e observação. Ao contrário, a lei terá vida efêmera, ainda que possa ser imbuída das melhores intenções:
.
A superioridade do jusnaturalismo medieval sobre o moderno consiste em que ele nunca teve a pretensão de elaborar um sistema completo de prescrições, deduzidas, more geométrico, de uma natureza humana abstrata e definida de forma permanente. Se é verdade que a função constante do direito natural sempre foi impor limites ao poder do Estado, é também verdade que a concepção medieval preenchia essa função atribuindo ao soberano o dever de não transgredir as leis naturais.
BOBBIO, Norberto, Locke e o Direito Natural: 46
Algumas basilares preocupações são comuns a todos povos. Estas leis observam o Direito Natural do ser humano:
"Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar." (RAWLS, J., Justiça e Democracia: XV)
Bobbio
(1997: 128) relembra alguns desses basilares, perenes e universais princípios jurídicos:
“Não matar, não roubar, não cometer adultério, a obrigação é perpétua: não há nenhum momento em que possamos violar esses mandamentos.”
Isso nem pode ser elevado à princípios jurídicos, ou mandamentais. Animais os observam, em que pese irracionais. Mas governos se subrogam no dever de pautarem as relações sociais, e civis. Os sistemas mais influentes foram os radicais romanos, os reis divinos, vários tipos de impérios, o nazismo fascismo e comunismo. Suas corruptelas e disfarces, mais ou menos fiéis, primam pelas mesmas virtudes. Nestes casos a lei se afasta do direito natural, para no artificialismo lograr o objetivo predestinado, o que se convencionou como ideológico.
* * *
A democracia nasceu para elidir as pretensões ideológicas, sempre parciais e dogmáticas, por isso instáveis e circunstanciais:
A idéia de direitos é meramente a idéia da virtude inserida no mundo político. Na base de tudo está a convicção, trazida pela longa experiência, de que os que possuem direitos são compelidos a respeitá-los, pois, no caso contrário, eles próprios serão os principais prejudicados. Dentro do contexto de democracia inglêsa, a liberdade política não estimula um individualismo arrojado. Ao contrário, ela reforça a coesão e a unidade da sociedade, pois somente os homens livres podem cooperar verdadeiramente.
TOCQUEVILLE, Alexis
Eis porque o sistema consensual jamais serviu à direita, ou à esquerda, tampouco aos partidos por essas laterais consubstanciados. Nenhuma contempla os direitos individuais, justamente os motivos pelos quais os homens se reúnem em sociedade. Ao déspota esclarecido ou não, interessa é o poder sobre o cidadãos; portanto, o que menos importa são os direitos que lhes seriam pertinentes.
Para despojá-los da proteção que lhe corresponde, o mandatário usava o "Direito Divino"; descoberta a fraude da concepção geocêntrica, o governante passou a usar a matemática da maioria, e assim continua a solapar costumes, e tradições regionais:
O clima e o temperamento, mesmo quando são uma causa física primordial do caráter de um povo, são submetidos a uma causa posterior e secundária ainda mais enérgica, a ação do governo e das leis que tem a faculdade de violentar as ações, criar hábitos novos e contrários aos antigos, e, por esse meio, mudar o caráter das nações, coisa de que a história da vários exemplos.
VOLNEY, I, Tableau du Climat et du sol des Etats-Unis, Eclaircissements, art. IV, em Euvres, F. Didot, 1843, p. 709; cit. em GUSDORF, G., As Revoluções da França e da América: 104)
* * *
Embora a maciça maioria invoque a Grécia como berço da democracia, ela foi tão fugaz quanto a teoria atômica, de Demócrito, de modo que em nenhum caso é correto lhe tributar algum pioneirismo, exceto se meras especulações, ainda mais desprovidas de razão, quando náo subvertidas, possam ser tomadas como exercícios filosóficos. A
Teoria Atômica se impôs apenas recentemente, coisa de século. E a democracia, no exato 1689, na Inglaterra.
A primordial preocupação de John Locke foi fracionar o poder real, com a admissão popular na confecção da lei. Desse modo o poder se fez em dois: o mais alto, a que todos estariam sob a égide, se evidenciava pela Câmara dos Comuns. Ao Executivo cabia acatá-las, sob pena de destituição.
A democracia levou cem anos para atravessar o Canal da Mancha. Graças ao
Grupo Enciclopédia, e a Montesquieu, ela acendeu a chama pela qual a
Revolução Francesa eclodiu, e, praticamente junto, a americana:
Percorria a França, por esse tempo, um grande surto de pensamento, palavra e sentimentos liberais. Correspondendo a John Locke, na Inglaterra, e um pouco posterior a ele, Montesquieu, na primeira metade do século dezoito, havia submetido as instituições sociais, políticas e religiosas da França e do mundo a idêntica análise percuciente e fundamental, especialmente no seu Esprit des Lois. Coubera-lhe despir a monarquia absolutista, na França, do seu prestígio mágico. Deve-se a ele, como a Locke, a destruição de muitas idéias falsas que haviam até aí impedido os esforços deliberados e conscientes pela reconstrução da sociedade humana. Se, a princípio, no terreno que tão bem soube desbravar, cresceram
edificações extremamentes imperfeitas e transitórias, não foi culpa sua.
WELLS, H.G.tomo III: 112
A latina, mercê da forte influência religiosa e cartesiana, descambou ao totalitarismo social, a começar por Napoleão. O movimento francês cambiou expresso no modêlo determinista, materialista, germe platônico condutor da epistemologia mecanicista. A picada teve em Maquiavel, Bacon, Bodin, Hobbes, Descartes e Rousseau seus batedores. Da
Place de la Concorde a comitiva se deslocaria à Alemanha de Marx e do
superhomenzinho Hitler, ambos chegados pela ponte de Hegel
(cit. BOBBIO, Norberto, 1991: 42):
A filosofia política moderna acha sua primeira forma sistemática em Hobbes; mas seu germe vital está em Maquiavel, de quem Hegel foi - não preciso lembrar - um grande admirador. E uma história que tem no Príncipe sua revelação, no Leviathan seu símbolo e - podemos também acrescentar, na vontade geral de Rousseau sua solução ideal, não podia deixar de ter como conclusão o deus-terreno de Hegel.
A rica França, a tonta Alemanha, a hibernada Rússia, a folclórica Itália, e
los valientes espanholes foram aquinhoados, desde então, com inúmeras perturbações, guerras civis e internacionais, ditaduras e constituições de toda índole. Com exceção das guerras, o resto se estende ao nosso continente.
* * *
As revoluções
Gloriosa e
Americana partiram de princípios compatíveis com a ética e com a mais moderna ciência graças ao trabalho fundamental de Locke, Spinoza e Shaftesbury, molde complementado por Montesquieu e pelo luminar Adam Smith. Retratam séculos incólumes e marcam inegável progresso, muito à frente de qualquer outro país ou sistema político que se pratique, conquanto minimizam o dano social da administração. Gusdorf intitula sua obra lembrando que estas se impuseram pela sapiência; mas aquela, “pela violência.”
* * *
Montesquieu arquitetou o sistema político de maior sucesso; e, pode-se dizer, de permanência. Raros países não adotam a democracia. Por quais razões ela logra varar todos os tempos, e suplantar todos os regimes que tentaram, e por algum espaço até conseguiram lhe deslocar?
"Como o poder absoluto corrompe absolutamente", como alertara
Lord Action, Montesquieu fracionou-lhe em três, sobejamente conhecidos: Executivo, Legislativo e Judiciário. Mercê do forte apelo greco-romano da ênfase na Justiça, Montesquieu adicionou este último poder, ainda que derivado não só de um, mas dos dois contundentes. A
Magnus Opera se intitulou
:
Do espírito das leis ou da relação que as leis devem ter com a
constituição de cada govêrno, os costumes, o clima, a religião,
o comércio, etc.
Por observar justamente essas relações com os diversos habitantes, o Barão de La Brède formulou a decisiva ressalva: o sistema democrático só seria viável em países de reduzidas dimensões. Distâncias difereciam costumes, e a lei não pode atendê-las na mesma intensidade. O mestre iluminista prognosticou que os grandes países cairiam em mãos despóticas, mas os EUA contornaram a prudente observação. De plano fracionaram o poder em vários pequenos estados, autônomos, com isso elidindo a possibilidade de qualquer hegemonia pessoal. Coincidentemente, mas não por acaso, por lá, e por todos os países que adotaram tal solução, jamais se vivenciou o despotismo, a tirania, ou qualquer ditadura.
Com a ascenção nazista, Einstein emigrou aos EUA, e testemunhou:
"Estou convencido de que a unica maneira de salvar a paz no mundo será a fundação de uma organização mundial federalista." (Folha da Manhã, 4 de março de 1949)
Norberto Bobbio, (2001:16) o grande cientista político do século XX, recentemente falecido, reconheceu a importância e a atualidade do método:
O federalismo é o princípio mais profundamente inovador da era contemporânea... Quando se diz que o federalismo marca o rumo da história contemporânea, no sentido de uma efetiva ação de liberdade, significa dizer que o federalismo executa, no âmbito da sociedade civil, o acordo entre o poder central e os grupos periféricos, com um maior respeito às autonomias das partes individuais do que se refere ao todo, e com um menor fortalecimento do todo no que se refere às partes, levando-se em conta o que ocorreu nos sistemas históricos até aqui conhecidos.
A federação é aquela forma de Estado que garante melhor do que qualquer outra a liberdade dos cidadãos, assegurando-lhes uma mais extensa e direta participação do poder, e promove com maior zelo os seus interesses, subtraindo, o máximo possível, o cuidado do setor público a uma burocracia distante e incompetente.
(Idem: 24/5)
* * *
Apenas por lapso adotamos a prudente solução, nela inclusa até mesmo a
cópia da bandeira americana - com as listas horizontais representando os caminhos distintos de cada estado, mas a República, no afã do máximo poder, liquidou o tênue regime, confirmado pela queima das bandeiras estaduais através de Getúlio Vargas. Malgrado seu suicídio, inúmeras reformas e contra-reformas, e retorno à prática democrática, o federalismo ficou apenas no nome, e a bandeira que remete ao centro, com a a palavra militar de ordem e progresso, permanece flamante, pautando a vida politica, econômica e social do gigante.
Infelizmente, a República tornou a rês ex-pública:
O fato de, no Brasil, o Estado ter se organizado antes da sociedade, impondo-se sobre esta, teria sufocado processos autônomos de organização cujo resultado se via na debilidade da sociedade civil.
COSTA, V.: 33
* * *
Nos países reduzidos, o regime unicameral é o usual. O Senado se faz mister em federações, no
Zenith de preservar as características e disposições que dizem respeito aos ditames estaduais, leis que sejam prerrogativas dos estados e não da União, de modo que sua vigilância é fundamental. A rigor, sequer cabe aos senadores a formulação legislativa, senão que opor vetos àquelas oriundas da câmara, e presentemente até do Executivo, caso invadam a seara estadual. Portanto, não é propriamente uma Câmara Alta nem Baixa, mas
revisora, no sentido de preservar a autonomia dos estados que o compõe. A razão primordial é tão trivial quanto a ganância da mesquinha classe:
"O peso dos objetos não é o mesmo em todos os pontos da superfície terrestre. Isto se deve ao fato de a Terra não ser perfeitamente redonda e a seu movimento de rotação." (ROHDEN, H. Einstein, O enigma do universo: 211)
“Existem tempos nos quais os homens são tão diferentes uns dos outros que a própria idéia de uma mesma lei aplicável a todos lhes é incompreensível.” (TOCQUEVILLE, A. 1997, Livro Primeiro, Capítulo III: 61)
Tudo, contudo, é comletamente desconsiderado, em prol da corrupção geométrica que assola o país:
O Senado guarda a sete chaves uma enxurrada de notas fiscais que somam R$ 10,4 milhões. Esse valor, correspondente a 146 mil cestas básicas em Brasília, foi gasto pelos senadores em 2008 com a obscura verba indenizatória, usada para as despesas extras do mandato.
Correio Brasiliense, 28/12/2008
No caso em que me levou à redação, intempestiva e arbitráriamente o "colegiado" se arvora no direito de solapar inclusive o poder dos estados perante as cidades, determinando até mesmo número de vereadores, assuntos que nem da esfera estadual seria, senão que exclusividade municipal, um absurdo só consentido pela ignorância e desmedido apetite pelo poder. Tal disposição fere o mais rudimentar princípio cientifico, e carente de amparo ético, social, econômico, e mesmo constitucional.
A atuação dessa gentalha é verdadeiramente calamitosa.
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