quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Da faina pela Ciência - Final


As conseqüências do analfabetismo científico são muito mais perigosas em nossa época do que em qualquer outro período anterior.
SAGAN, C., O Mundo Assombrado pelos Demônios: 21
Um dos motivos mais fortes que levam os homens à arte e a ciência é fugir do dia-a-dia, com sua crueza dolorosa e sua melancolia inconsolável. Esses homens fazem do cosmos e de sua construção o pivô de sua vida emocional, para encontrar a paz e a segurança que não conseguem encontrar no estreito torvelinho da experiência pessoal. EINSTEIN, A., Idéias e opiniões. Nova York: Random House, 1954
Se não nos perturbasse o pavor dos fenômenos celeste e da morte, algo que nos toca de perto, e se não perturbasse o desconhecimento dos limites dos prazeres e das dores, não teríamos necessidade da ciência da natureza. EPICURO, 341 a.C
SEJA PARA AMENIZAR as agruras terrenas, ou se precaver diante do fatídico sobrenatural, ainda antes dessas famosas priscas eras a raça humana buscava a verdade, o conhecimento; no entanto, até hoje pessoas primam por colher e oferecer apenas ilusões.
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A vida em si também parece caminhada sem finalidade, desproposital, ou pior ainda, com um fim lamentável, o fim da matéria, a sete-palmos. Dessarte recrudesce a angústia, e com ela se avolumam as intempéries, revigoradas por retroalimentação..
De fato, a vida, a busca pela verdade, e uma técnica a melhor estada podem ser apreciadas por obtusos viéses, mais salientes em flagrantes sociológicos, coletivos, mas para olhar pelo Hubble basta apenas um par de olhos. Quero dizer que a civilização prefere se valer de quem porte qualquer telescópio, em vez dela própria mirar. Acredita que o portador seja capaz de decifrar a metafísica, e bem traduzi-la.
A ciência é um fenómeno social e, como tal, é delimitada pelos benefícios e malefícios que possa causar.Aquilo que se chama crise da ciência não é mais do que esses senhores estarem a começar a ver por si mesmos o caminho errado a que foram conduzidos pela sua objectividade e pela sua autonomia. HITLER, Adolf, cit. HOLTON, Gerald, A cultura científica e seus inimigos. Lisboa: Gradiva, 1998: 46
Atraída pelos contos ao engano, aos equívocos de avaliação, ela se prostra, torna-se descrente, inconfessadamente cética, e não poucas vezes até hipócrita.
Assim pode-se cogitar prudente não dar mais bola a ninguém, e tratar de usufruir a vida como se puder - afinal a controvérsia é tamanha que uma anula a outra, de maneira que 0 x 0 com assistência ou estádio vazio dá no mesmo. No fim das contas, a ciência não cabe a cientistas? Quem produz mateus, que os embale. Ao povo recai produzir comida, que é escassa. Ciência já se tem demasiada, tanta que a maior parte dela se recicla, e o restante é jogado fora. Se satisfeito o numerário, sair para uma praia, um parque, de preferência bem acompanhado, a qualquer som agradável, não tem erro. Let it be. Concordo. Muitas vezes assim agi, e a rigor não me arrependo. O vinho gabaritado, traçar planos de viagens, um cinemascope (quack), uma festa, a sensação do voo em asa-delta são infinitamente mais prazerosos do que a teimosa persistência num rastro visto monocromático, ate obssessivo, geralmente nebuloso e igualmente infinito.
DESCARTES inverteu o circuito. Tomou curto-circuito. Na juventude, ensimesmado questionava. Ao nascer o ciso, o jovem Cartesius partiu à Meditação Primeira, uma meditação deveras primária, a qual não evoluiu sequer um palmo à frente de seu avantajado nariz. Quiçá por isso até hoje cogitar suporte conotação de engano: - Ah, pensei que era assim.
Antes de integrar a soldadesca de Nassau, o ex-filósofo atravessou o Rubicão. Visava deixar suas dúvidas no colo dos insensatos. Discurso sobre o método, justificava o desatino: a decepção com a Filosofia, cujos ingredientes considerava confusos, obscuros e nada práticos. Por irônico paradoxo, ao remeter seu decantado cogito ao quinto-dos-infernos, sob as bênção de DEUS, o franco deixou também de ser. A avalanche de metonímias contrapostas estressara o francês. Sem mais titubear, o loquaz peregrino procedeu a autoexumação para introduzir em sua mente, e em tudo o mais, milhares de estacas numeradas como prerequisitos à certeza. Obstinado pela própria existência, o destemido do Loir retirava dos seus neurônios a frequência. A morte cerebral se fez consequência. A dúvida merecia o pior destino - era coisa daquele gênio mau, enganador, o famigerado SATANÁS - e o incauto não supôs que desse modo lhe seria acompanhante, e mais: graças à badalação dos seus sinos, ainda induziria todo o mundo às quinquilharias.
A má tese, ou a má temática, a "quantofrenia", conforme SOROKIN, ou a "aritmomania", como diz GEORGESCU-ROEGENS, condicionou o homo faber a cumprir o padrão de homo mathematicus.
Tornados nessas Regras para Direção do Espírito*, lá se vem trem da perfídia sideral, apinhado de quatrocentões. "As políticas mundiais de crescimento induzido pelo Estado tiveram exatamente o efeito oposto do que pretendiam: tinham aumentado, e não reduzido, o custo da produção de bens e serviços e tinham abaixado, e não aumentado, a capacidade das economias de conseguirem uma produção vendável." SKIDELSKY: 140. Destarte, e mercê da sucessão de coincidências, DESCARTES ainda logra a mais completa rima, atirando a humanidade na insanidade.
É uma questão que atualmente deve ser reconsiderada, tendo em vista que a fragmentação já se espalhou completamente, não apenas na sociedade, mas especialmente em cada indivído; e isso conduz a um tipo de confusão generalizada da mente, que por sua vez cria uma série infinita de problemas, interferindo com a nossa clareza de percepção de maneira tão grave a ponto de bloquear nossa capacidade de resolver a maioria deles. BOHM, David, Totalidade e ordem implicada: 17
Como insinuei, admiro a postura epicurista. Reverencio a vida estóica, mas ela não me seduz. Não quero tecer sobre o espartano, posto impróprio usar palavra de baixo-calão. A gregória cidadela não merece melhor conceito; então me escuso defini-la, para não cometer injustiça. Todavia, como mis coincidências afloram desde que pude abrir os olhos, e depois ainda soube que elas foram as responsáveis pelo meu próprio nascimento, desconfiei que todo o Universo vem ligado, até mesmo quando durmo, de modo que me é totalmente impossível augurar por qualquer alienação, por mais egoísta que prefira ser.
Se todas as partes do universo são solidárias numa certa medida, um fenômeno qualquer não será o efeito de uma causa única, mas a resultante de causas infinitamente numerosas; ele é, como se diz com freqüência, a conseqüência do estado do universo um momento antes. POINCARÉ, H., : 36
Felizmente ou não, somos atingidos por nossas circunstâncias, como magistralmente inferiu ORTEGA Y GASSET. Se não as salvarmos, não nos salvamos. Bonito, não? A tela aceita tudo, mas o desafio é tão gigantesco quanto o maior mapa que se possa elaborar: essas circunstâncias se originam nos mais remotos quadrantes, precipitando uma chuva torrencial, de maneira que é impossível das daninhas nos livrarmos.
“Há infinitos universos paralelos formando ramificações. Em cada um se atualiza uma realidade.” (TOFFLER A. & TOFFLER, H. : 20)
Nem por isso, todavia, devemos desligar os radares; e muito menos, o limpador de parabrisa.
Só conhecemos uma realidade - a dos pensamentos. Como?
Se isso fosse a essência das coisas?
Se a memória e a sensação fossem os materiais das coisas?
NIETZSCHE, O livro dos filósofos: 45
Causas e efeitos do manancial cosmológico ignoram a simplória demarcação entre passado/futuro. Isso depende do ponto do observador, apenas. À nossas contas o tempo ruge, temos prazo de validade, enquanto o Universo é grandioso, infinito, ainda que limitado. O dilema correspondente é o seguinte: ou tomamos as rédeas de nosso próprio destino, seja lá para onde se puder, ou ficaremos jogando ao léo, ao sabor das intempéries e correntes, estas sempre provocadas por alguém que preferiu a primeira hipótese.
O verdadeiro tempo (o que Bergson chama de 'duração') consiste propriamente na experiência vivencial da própria vida, e, por conseguinte, radicalmente intuitiva. Entretanto, para a maioria de nós, esse tempo verdadeiro foi inapelavelmente deslocado pelo ritmo do tempo marcado pelo relógio. Aquilo que constitui fundamentalmente o fluxo vital de experiência torna-se então um gabarito externo, arbitrariamente graduado, a que nossa existência é subordinada - e sentir o tempo de qualquer outra maneira torna-se 'místico ou louco'. Se a sensação do tempo pode ser assim coisificada, porque não haverá de ser tudo o mais? Por que não inventarmos máquinas que coisifiquem o pensamento, a criatividade, a tomada de decisões, o julgamento moral? ROSZAK, T.:230
A resposta ao dilema parece óbvia, pois. Ao abdicarmos de nossos intentos, automaticamente nos transformamos em peões desse jogo cujo rei frequentemente é suicida. E para a concretização do insólito, nenhum condottieri vacila em reduzir o semelhante ao pilhado por ROSZAK, script que oferece ao protagonista o papel de mero "autômato biológico dentro das organizações de comando e controle. A organização é o fim, as pessoas, o meio." (RIOS NETO, Antonio Sales, Complexidade e transformação organizacional: construindo novas percepções na administração judiciária sob a luz da Nova Ciência. Revista de Doutrina da 4ª Região. P.Alegre, n. 23, abr. 2008)
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Há quem tribute a incidência dos disparates ao balaio das vaidades. Ele afirma que de qualquer jeito estamos fadados ao cemitério, e dá de ombros. Resigna-se, pois, compreendendo, mas esperando que o além tudo compense. Não posso comungar. A razão da discordância é o respeito e carinho que tenho pelos que me são caros, pelos meus amigos, e por meus descendentes. Ainda que fatalmente nos encontremos em escala apenas energética, na qual a verdade estará cristalina, sem necessidade do menor esforço, ainda assim presumo que iria me sentir desertor, um elemento apartado antecipadamente das condições humanas por menosprezar nossas inumeráveis chagas e não poucas vicissitudes.
Diz o poeta que tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Tampouco tenho a pretensão de usar a salvaguarda. Uma autoglorificação, narcista par excellence, só pode me reduzir a grão-de-areia. Neste caso, pois, nada valeria a pena. Não obstante, julgo o festejado verso em quilate descabido. Dimensões são meras arbitrariedades geométricas, inapropriadas ao tratamento atômico. O que interessa são os efeitos do átomo, e não o seu tamanho. Mas eles podem, sim, serem nulos, mormente quando isolados do campo, desconectados com aquilo que lhe empresta o valor.
A cultura medieval superior floresceu porque o povo seguia a visão da cidade de Deus. A sociedade moderna floresceu porque o povo foi vitalizado pela visão do crescimento da Cidade Terrena do Progresso. Em nosso século, porém, esta visão deteriorou-se no que foi a Torre de Babel, que está agora começando a ruir e em última análise sepultará a todos em suas ruína. Se a Cidade de Deus e a Cidade Terrena foram tese e antítese, a única alternativa para o caos é uma nova síntese. FROMM, E., Ter ou ser: 195
Não é apropriada, e nem há mérito na síntese de ter e ser. Se a premissa é falsa, seu contrário também tende ser, e por falta dupla, a síntese daí obtida nasce comprometida. Não obstante, essas categorias são complementares, por isso inseparáveis. No arbitrário delinear é que escorrem as metonímias, metafísicas provocadas pela limitação ótica e/ou interesse diversionista. E mesmo uníssonas, não garantem nenhuma eficácia. O inferno está cheio de gente que foi, e muito teve. Pois então, nem ter, nem ser. Conhecer, para usufruir e compartir: eis a matéria-prima da ética, interação que se aprimora até a despedida, até nos transformarmos em energia pura.
Mas se alguém por ventura já se vê em algum Zenith terreno, ou por aí adentrando, como sugere o parceiro comandante da nau lusitana, de que mais lhe presta a Ciência, ou o conhecimento, além do simples reconhecimento?
Imaginação! Agora sim: eis a alavanca para o sentido que melhor convém.
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Have a nice weekend.
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Um comentário:

  1. Oiiiiiiiiiiiiiii tudo bem?
    qto tempo heim...
    estou de volta comentando no seu blog ;P

    gostei do post e do vídeo..minha mãe sempre comentou desse Ritchie rs

    bjão

    ah blog spfc com visual novo :P

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