domingo, 1 de novembro de 2009

A impossibilidade da morte - Introdução

A massa de um corpo é a medida de seu conteúdo de energia. EINSTEIN, Albert
.A luz pode ser definida como uma transmissão de energia entre corpos materiais à distânciaBOHR, Niels, Física atômica e conhecimento: 6
A transferência de energia diminui a massa do emissor. Na medida em que envelhecemos, a energia dissipada torna o corpo mais diminuto. 
Se convocados a eleger o momento mais decisivo do indivíduo, com certeza o instante da morte logrará unanimidade. Todos tentamos prorrogá-lo ao máximo. Eis a dimensão do tema.
A Igreja dedica uma data para Todos os Santos. O Estado obedece, e institui feriado.
O dia celebra todos os que morreram em estado de graça e não foram canonizados. O Dia dos Mortos celebra todos os que morreram e não são lembrados na oração. Mons. ARNALDO BELTRAMI, vigário episcopal de comunicação http://www.arquidiocese-sp.org.br
Se santos, por que devemos nos preocupar? E "celebrar" a morte, ainda mais numa presunção tão abstrata? Convém instruir o religioso: a morte não existe. Seja santo, pecador, ou quadrúpede, ao cruzarmos o EspaçoTempo deixamos delineados os riscos e as ondas de nossas travessuras, ao tempo em que vamos perdendo matéria.. Ninguém precisa rezar para "agora e na hora de nossa morte amém". Religiosos costumam ser ignorantes, mas, pior ainda, desprovidos de fé. Tem consciência de sua própria impostura; por isso sujplicam clemências e piedades na hora do "Juízo Final."  Maior bobagem, impossível. A Eternidade não conhece final. Ela não discrimina, não admite fronteiras.
Numa Guiana os sepultamentos ocorrem com alegria, e bandas, e festas. Incrível. Se finados, o que mais se pode fazer pelos entes?
As rádios costumavam apenas tocar músicas clássicas. Na atualidade procuram divertir. Praias estão repletas. Cresce o faturamento turístico. Porto Alegre reserva uns 4 hectares do centro para Feira de Livros. São Paulo junta meio milhão de pessoas na Marcha Para Jesus, curiosamente o único ser que se admite ressucitado, portanto, que não é morto. Na cidade já abençoada por seus braços abertos ocorre a Parada Gay! O paulista Carlos da Silva, de 54 anos, chegou ao Rio neste domingo. É a terceira vez que ele vem de ônibus, com mais de cem conterrâneos, desta feita para comemorar junto com o governador Sérgio Cabral, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e com inúmeros artistas, despontando Letícia Spiller, Fabiana Carla, Teresa Cristina, Gottsha e Leila Maria, cantora do hino oficial da Parada. (www.globo.com - 1/11/2009)
Cemitérios fervilham: cerca de 2 milhões de pessoas visitarão esses 22 logradouros públicos da capital paulista. Deveria ser o dia das cidadelas, não de seus hóspedes, em descanso eterno.
No geral reina um clima de consternação e respeito. Diante do inexorável somos impotentes, e isso de certo modo nos remete ao pedestal da humildade. Familiares e amigos resgatam memórias por lentes de tristeza. Momentos outrora felizes são apreciados com lágrimas e lamentos. O realce da lacuna pode desencadear um desejo de viagem imediata ao mesmo reduto. Evito tal risco neste precário exercício.
Religiosos sugerem orações ao Senhor, mas se passado o Juízo Final, ao quê caberia apelação?
O problema das religiões é que elas estagnaram e fincaram o pé quanto ao que é a verdade. Para que o impulso religioso abandone essa postura estagnada, ele precisa olhar o outro lado da moeda - a ciência - e aprender o que a tornou grande. ARNTZ: 205

Embora não mais ao alcance de nossos olhos, tampouco obedecendo as leis naturais concernentes ao habitat que abandona, e ainda que a própria Igreja não creia, cogito que os mais novos paralelos científicos possam minimizar a confusão, com isso arrefecendo o temor e o sofrimento pela partida do ente. No mínimo propiciam um discernimento menos doloroso à separação. Conforta-me sermos formados e "deformados" no modo cosmológico.
A matéria e a mente evoluíram dentro de um mesmo útero cósmico: o campo de energia do váquo quântico. A interação de nossa mente e consciênciacom o vácuo quãntico nos liga a outras mentes em torno de nós, assim como à biosfera do planeta. Ela 'abra' nossa mente para a sociedade,, a natureza, e o universo. LASZLO, Ervin Ph.D, cit. ARNTZ, W.: 224.
"O espírito e o corpo não são realidades independentes, tampouco o pensamento e o sentimento." (JAPIASSÚ, H., 2005: 185). O "desgarrar" de nossa energia também se faz por pacotes, em partidas mais ou menos regulares, dependendo da intensidade/qualidade de nossas emoções, estilo de vida, acidentes. Ao longo, todas nossas energias vão se dissipando harmonicamente, mas não há uma flecha do tempo comum a todos nós. O Tempo. não passa; nós é que passamos por ele, tanto quanto a luz cruza a atmosfera.
Conclusão: o tempo não passa
Não apoio a espacialização do tempo. Sustento que o espaço-tempo, uma propriedade emergente de todas as coisas, não pode mudar. Não há nada a respeito do qual o espaço-tempo possa mudar. Processos irreversíveis são representados por assimetrias na foliação da variedade que fornece um modelo para o espaço-tempo. O espaço-tempo pode ser modelado porque faz parte da realidade física, como qualquer outra propriedade relacional. O tempo não flui. Não pode fluir porque não é uma coisa. O tempo não passa. Nós, sim. Modesta justificativa de uma visão parmenidiana do universo  Cosmos e Contexto n. 2, jan. 2012
 Inseridos, é impossível sumir do EspaçoTempo. Passamos pelo tempo, mas não o deixamos. .Ainda que delimitados, cabe a cada um regular a própria velocidade, por isso o tempo de percurso e perda da energia é necessariamente variável. E não existe nenhuma força gravitacional que atraia os corpos à Terra. E o espaço é curvo. O que? O espaço é curvo nas vizinhanças da matéria. Quanto maior a massa, maior é a curvatura. Extrapolando, o espaço variará de acordo com a energia que dispôs a personalidade presente. É esta distorção, criada em volta da matéria, que dimensiona o EspaçoTempo; e por sua retração, ele indica para onde o corpo deve se deslocar. JOHN WHEELER (cit. ROHMANN, Chris: 345) bem sintetizou: “A massa informa ao espaço como se curvar; o espaço informa à massa como se movimentar.” 

Assim, a massa, ou melhor, o conteúdo da energia que ela dispõe é que define o tempo que lhe é mais apropriado: "Cada forma de vida inventa seu mundo (do micróbio à árvore, da abelha ao elefante, da ostra à ave migratória) e, com esse mundo, um espaço e um tempo específico." (LÈVY, Pierre, cit. PELLANDA e PELLANDA: 118)
As especificidades decorrem da carga genética consubstanciada pelas circunstâncias vividas, as quais paulatinamente vão abandonando as formações. Tornamo-nos todos mais velhos, e inevitavelmente mais fracos, até o derradeiro. Provavelmente foi este prazo de validade, exclusividade material, e no caso dos seres vivos facilmente mensurável - os índios falavam em luas - por certo foi esta nuance, dizia, que levou os pioneiros filósofos e a tradição religiosa a supor que tudo se passa dentro do mesmo critério, sistema que poderia ser demarcado por algum ponteiro, no caso do relógio.
"Deus geometriza! A geometria é o próprio Deus!" (KEPLER, JOHANNES, 1571-1630)
Se o Sol lhe obedece, e nossa vida tem prazo, foi óbvio a certeza de único compasso. Cumpridos nossos parcos anos, desaparecemos. Cumpridas as horas, o referido dia simplesmente deixa de existir.
Foi a tradição judaico-cristã que estabeleceu o tempo linear (irreversível) de uma vez por todas na cultura ocidental... O tempo irreversível influenciou profundamente o pensamento ocidental. Preparou a mente humana para a idéia de progresso, para o conceito de tempo profundo, para a surpreendente descoberta dos geólogos de que a evolução humana é apenas um episódio recente e curto na história da Terra. Preparou o caminho para a evolução de Darwin, que fala de nossa união com criaturas mais primitivas através dos tempos. Em resumo, o advento da idéia de tempo linear e da evolução intelectual desencadeada por essa idéia corroborou a ciência moderna e a promessa de melhoria da vida na Terra. COVENEY: 22
A "razão" vem do ratio, latim, significando ratear, contar, multiplicar, mas especialmente dividir. De certo modo até hoje se presume: quem souber efetuar as operações é senhor de razão, mesmo que não detenha nenhuma.
A tendência natural das ideologias racionalistas é, desde esse momento, crer que o mundo é previsível, 'em princípio', em todos os seus aspectos , e elas são hostis à idéia de 'criatividade' (no sentido bergsoniano). O determinismo é aliado natural do racionalismo. KOLAKOWSKI: 50
O dia em si não existe - ele não é palpável, nem porta distintivo - mas supomos que DEUS, à nossa imagem e semelhança, melhor ainda o conhece, tanto que fez o mundo usando sete deles. Ora, a cronometria decorre, tão-somente, de arbítrio pitagórico, artifício na faina de pautar nossas atividades sociais. O equilíbrio ecológico desconhece a precisão suíça; o Universo não é numerável, tampouco se talha - a expansão é endógena. As quatro operações, por exógenas, só podem lhe mutilar quadruplamente."As teses de matemática não são certas quando relacionadas com a realidade, e, enquanto certas, não se relacionam com a realidade." (EINSTEIN, 1997: 15)
É uma questão que atualmente deve ser reconsiderada, tendo em vista que a fragmentação já se espalhou completamente, não apenas na sociedade, mas especialmente em cada indivíduo; e isso conduz a um tipo de confusão generalizada da mente, que por sua vez cria uma série infinita de problemas, interferindo com a nossa clareza de percepção de maneira tão grave a ponto de bloquear nossa capacidade de resolver a maioria deles. BOHM, David, Totalidade e ordem implicada: 17
A maior parte da responsabilidade por essas cisões e predisposições toca mesmo à ciência, promotora da separação do corpo e da alma, do espírito da matéria. A religião veio apenas à reboque, colhendo o ensejo para se impor como band-aid. À bandeirante bem cabe nos reintegrar, trazer de volta tanto nossas vidas usurpadas pela engenharia dialética, quanto a felicidade, que as máquinas daí geradas nos arrebataram.
É necessário que a ciência mostre por fim sua utilidade! Ela se tornou nutricionista a serviço do egoísmo: o Estado e a sociedade a tomaram a seu serviço para explorá-la segundo seus fins. NIETZSCHE, F., O livro do filósofo: 30

Como proceder a reaproximação, a simbiose de massa e energia, resgatar a primária harmonia entre ondas e partículas, espírito e matéria, reintegrar a mente com o Universo, e mesmo a reunificar o ser humano, reuní-lo, e não lhe dividir em corpo e a alma?

Várias vezes, nos diferentes trabalhos consagrados ao espírito científico, nós tentamos chamar a atenção dos filósofos para o caráter decididamente específico do pensamento e do trabalho da ciência moderna. Pareceu-nos cada vez mais evidente, no decorrer dos nossos estudos, que o espírito científico contemporâneo não podia ser colocado em continuidade com o simples bom senso. BACHELARD, Gaston, 1972: 27
Pois se o espírito científico tudo complicava, e o espírito religioso sói tudo mistificar, hoje vislumbramos novo horizonte, real, desprovido de mistificação, ficção, ou qualquer metafísica:
Nossa penetração no mundo dos átomos, antes vedado aos olhos do homem, é de fato comparável às grandes viagens de descobrimento dos circunavegadores... Essa descoberta, com efeito, gerou uma novíssima base para que se compreenda a estabilidade intrínseca das estruturas atômicas, a qual, em última instância, condiciona as regularidades de todas experiências corriqueiras.BOHR, N., Física atômica e conhecimento humano: 30
 O físico David Bohm chega a desenvolver idéias muito audaciosas que 'abrem um novo caminho para se aprender a relação que o espírito mantém com a matéria'... Em A dança do espírito (1985) declara que o grande erro da filosofia mecanicista é o de afirmar-se como uma filosofia da fragmentação, reduzindo o Universo a um agregado de entidades independentes, separadas, fechadas nelas mesmas, e, por conseguinte, incapazes de comunicação real: como se a Natureza fosse um gigantesco mecanismo submetido a forças cegas; como se, nela, o homem fosse privado de alma e significação. Ora, reduzido ao estado de autômato bioquímico, o homem não pode integrar-se à vida do Universo. O que seria uma enorme frustração... ' O espírito e o corpo não são realidades independentes, tampouco o pensamento e o sentimento. JAPIASSÚ, H., Ciência e destino humano: 185
Se E=MC2, e parece que é, a intuição de BOHM nem me parece, assim, tão audaciosa. Basta trocarmos o E pelo A, de alma, para compreendermos que a concepção nos insere na Eternidade. Quanto à  presença física, corpórea, que é o mais intrigante: nenhum elemento pode simplesmente sumir do Universo, exceto num exagero especulativo, ou por alguma estranha realidade aferida:"Astrônomos alemães confirmaram que há um buraco negro gigantesco no centro da Via Láctea, a galáxia onde fica o planeta Terra." (O Globo, 10/12/2008) Dizem que o malvado translada o passado para a dimensão quer, sabe-se lá qual é. Quiçá também possamos invocá-lo: quem sabe ele não serve à reversão da energia na matéria que aos poucos vamos perdendo por aqui? Mas não seria outro excesso supor que necessitaríamos dos mesmos membros que nos são úteis à nossa vida na Terra? Tudo isso é improvável, mas nossa transferência para algum ponto, de alguma forma, parece-me bem provável. Antes de chegar ao planeta, ninguém vê a passagem dos raios do Sol; mas ao encontrar o porto, resplandece o colorido que só o Astro-Rei pode proporcionar.
O pedaço de matéria nada mais é senão uma série de eventos que obedece a certas leis. A concepção de matéria surgiu em uma época em que os filósofos não tinham dúvidas sobre a validade da concepção 'substância'. A matéria era a substância no espaço e no tempo; a mente, a substância que estava só no tempo. A noção de substância tornou-se mais vaga na metafísica no decorrer dos anos, porém sobreviveu na física porque era inóqua - até a relatividade ser inventada. Um pedaço de matéria, que tomávamos como uma entidade persistente única, é na verdade uma cadeia de entidades, como os objetos aparentemente contínuos em um filme. E não há razão pela qual não possamos dizer o mesmo quanto à mente: o ego persistente parece tão fictício quanto o átomo permanente. Ambos são apenas uma cadeia de eventos que têm certas relações interessantes uns com os outros. A física moderna nos permite dar corpo à sugestão de Mach e de James de que a 'essência' do mundo mental e do mundo físico é a mesma. RUSSELL, Bertrand, Ensaios céticos: 74

A impossibilidade da morte - Final


3 comentários:

  1. Há vezes em que penso que a eternidade existe, outra vezes isso não existe. Voçê já explicou esta esquizofrenização... É a cultura que me põe assim a pensar por dualismos antagónicos? Voçê já sabe como o Saramago chama a Deus no "Caim"? O filho da puta... César, esta coisa da mecânica quântica e toda a teoria do conhecimento que voçê faz sistemáticamente é bom demais para esta gente pimbalhona e ultra-ignorante...

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  2. Adeus, Cesar....luz e paz

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