quarta-feira, 4 de junho de 2008

A propriedade da zona amazônica

"Se a Amazônia é nossa, quero vender minha parte."
Secretario-geral da ONU afirma que Amazônia não é problema brasileiro, ninguém diz nada e o governo Lula Rousseff ainda apoia a reeleição dele.
 A BORRACHA garantia a riqueza e status internacional à embrenhada e gigantesca região. O artefato acabou, e a restrita antiga opulência foi à falência. A geopolítica entendeu tratar Manaus como exceção, e para lá foram endereçadas leis especiais. Indústrias se instalaram favorecidas, e o comércio de importados explodiu. As providenciais atitudes livraram a cidade da sucumbência, e lhe colocaram mais no centro das atenções; por consequência, também na mira de piratas. Para tentar colonizá-la, vimos a estultice da Transamazônica, cujas consequências foram e ainda são as piores possíveis, além do mundo de dinheiro jogado no mato, pela empreitada.
Ainda se organizam algumas excursões consumistas àquela capital. Gente ávida por novidades, a valores acessíveis. Engraçado é encontrar preços civilizados apenas na selva, ou então entre os paraguaios, mas isso é o que leva a interferência da burocracia nos aparelhos produtivos. Manaus vai perdendo atenção de nossa gente, nada mais é novidade, mas não a muitos turistas estrangeiros, atraídos pelo exotismo tropical.
Desse modo, a região já não é mais somente do promissor estado dominante - ora recebe algumas honras do govêrno, porque bastante do globo. A preservação ecológica e o turismo assumem maior importância do que a restrita borracha, ou do que uma colonização predatória. São mais relevantes do que o mero comércio, o desenvolvimento econômico, e mesmo cultural.
Manaus é superlativo. Parece uma afirmação vaga, porém quem chega à cidade pela primeira vez logo percebe, ou melhor, sente na pele. A interação entre a pujança da floresta, literalmente no quintal da cidade, e o urbanismo caótico dão o tom do lugar. Respire fundo. Esqueça quase todos os estereótipos que aprendeu na escola sobre aquelas bandas e se entregue. Como quase regra para toda e qualquer cidade, a região central é a com maior diversidade de atrativos. A área compreende, basicamente, do Largo São Sebastião até às margens do rio Negro, que banha o núcleo urbano do município.Agende uma visita monitorada ao teatro Amazonas, obra suntuosa erguida durante o período áureo do ciclo da borracha. Se der sorte, assista a um espetáculo. No entorno do teatro, está a loja EcoShop, especializada em artesanatos amazônicos e o simples porém emblemático Bar do Armando. Às margens do rio Negro, um universo a parte se desvenda. Visite a exótica Hidroviária Internacional de onde partem embarcações de passageiros para os mais remotos confins da Amazônia, aproveite e deguste uma cerveja regional entre no saguão com vista para o rio. Ainda próximo ao terminal está o hotel Palace, exemplar singular de arquitetura art-nouveau. Embrenhe-se pela região oriental da orla e assim chegará ao Mercado das Bananas. Ali, além de se deliciar com um peixe típico regional, você contemplará o intenso vai e vem de mercadorias que atracam e imediatamente são disponibilizados para comercialização nos boxes do recinto. Manaus reserva muitas outras surpresas.
Concordo plenamente.
Os olhos do mundo
Mais de 400 pensadores de diversas áreas do conhecimento reunidos em um dos ecossistemas mais complexos do mundo, que se distribui por nove países da América do Sul e é considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Um encontro de interesse global que discutirá por dois dias como as nossas ideias podem melhorar a Qualidade de Vida das mais de 5 milhões de espécies do planeta. Cerca de 50 palestras nas quais o ser humano é tão importante quanto o coral marinho A hospedagem, alimentação e transfer fluvial serão gratuitos para todos os convidados! Assim, os aprovados só precisam cuidar do seu transporte até Manaus. www.tedxamazonia.com.br
O mundo tornou seus olhos para aquela imensidão; nós também, mas por causa da valorização que as entidades internacionais passaram a emprestar ao equilíbrio da natureza, não por respeito a ela, tampouco por causa dos que por lá habitam. Dissemos que atentamos ao sentido ecológico; porém, 80% daquela brava gente sequer usufrui de saneamento básico. É coerente se dizer preocupado com a preservação do santuário, mas não com os santos?
Segundo os costumes, a área, como todas as outras, deve ser usufruída, portanto administrada por quem a detém. O Presidente diz que a Amazônia tem dono. Quem seria o felizardo, ou melhor, o relapso? Ele responde, com generosidade:
"
O território é nosso. Mas os benefícios que estamos fazendo lá queremos compartilhar com humanidade pois queremos que todos respirem o ar verde produzido por nossas florestas."
Esses propalados benefícios, como tudo, contudo, são apenas para inglês ver:
Pode parecer inacreditável, mas até hoje boa parte dos dados que o governo utiliza para definir questões fundiárias na Amazônia é baseada em cartas topográficas das décadas de 70 e 80, quando ainda não se usava sequer o Sistema de Posicionamento Global (GPS, na sigla inglesa). São mapas pouco precisos que induzem a erros crassos, como o superposicionamento de áreas indígenas com unidades de conservação ambiental, e favorecem a ação dos grileiros.
O inglês vê, e critica: 'Financial Times' diz que a Amazônia precisa ser mais bem gerida 
A Amazônia não é nossa. Minha, pelo menos, não é. Nem do país. Ambos sequer a conhecemos. Trata-se de um território rico, sem dúvidas, porém insólito, quase impenetrável. Não existe proprietário:

Quase ninguém lá tem título de propriedade da terra, o que escancara de maneira límpida a confusão fundiária ainda predominante em grande parte da Amazônia. Essa circunstância, segundo especialistas, é um dos principais causadores da destruição ambiental. (Estadão,25/11/2007)
A lei do usucapião poderia consagrá-la. É uma questão de direito, e de fato. A peculiaridade veio realçada pelo fundador da moderna democracia. Ela cobre o posseiro de razão: “O homem tem direito natural as coisas com as quais 'misturou' o trabalho do seu corpo, tais como, por exemplo, cercar e lavrar a terra.” (Locke, J., cit. Sabine: 521) No entanto, a área se localiza em grande parte pelos estados nortistas, de modo que as unidades se consideram hegemônicas, cada qual por seu quinhão. Em regime federativo, coroa-lhes a razão. Entretanto, como as estrêlas fazem parte da constelação do Cruzeiro do Sul, o país entende que a Amazônia é dele, e de mais ninguém: "Nós não podemos permitir que as pessoas tentem ditar as regras do que a gente tem que fazer na Amazônia." (Lula, Estadão, 5/6/2008)
Melhor seria mesmo que pessoa nenhuma ditasse regra alguma. Aí preservaríamos a natureza, não só na localidade, mas também entre as pessoas, haja visto os próprios nativos.Mas nesse caso, desconfio, não pode haver abastecimento energético.
"No 'Plano Para a Constituição da Córsega' Rousseau reivindica para o Estado o patrimônio da Nação, tributando à propriedade privada todo infortúnio, motivo pelo qual dever-se-ia extingui-la." Mas se continua visto como patrimônio, a propriedade não se extingue; apenas pode trocar de mãos, e dessa maneira forçada, ou seja expropriada , o que é muito pior. Antecede o disparate de uma revolução, que felizmente ainda não foi deflagrada. Convém nem pensar: o "infortúnio" prevenido se abateu justamente pela detenção pública, na U.R.S.S. e alhures.
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Várias nações protestam pela sua guarda, por isso a inquietude, mas também o orgulho presidencial. Elas levantam a mesma bandeira da Ecologia; por isso sustentam que a Amazônia pertence a todos terráqueos, e não apenas aos moradores do terreno. Desse modo aprimoram a canhestra assertiva do genebrino, mas a preocupação no affaire amazônico é compreensível. Depois de Chernobyl, todos se dão conta que os ventos não conhecem fronteiras. Os ventos, bem o sabemos, também tem razão, e suplantam qualquer obstáculo.  E agora? A quem pertence a preciosa área? Se você disser que é de todos, incorre no erro da U.R.S.S, aliás modelito pelo qual acabamos meio engolfados. Se é de todos, não é de ninguém, ou melhor, fica à mercê da plêiade política, a nomenklatura. Num primeiro relance pode parecer uma dimensão mais à cerca da verdade, mas não dá. Não existe a possibilidade de ficar isenta.
Caso for particular, há que se respeitar os jus utendi, jus fruendi e jus abutendi, ou seja, o proprietário deverá se fazer acompanhado dos direitos de usar, gozar e dispor de seu patrimônio, como melhor lhe aprouver; senão, é tapeação.
* * *
Debaixo de sua superfície, por todo o Brasil, e em especial pela selva, esconde-se uma fantástica riqueza mineral, ainda mais intacta e inexplorada. Chamada de geodiversidade pelos técnicos da área, ela é o equivalente subterrâneo da biodiversidade tão almejada.
Ouro, nióbio, bauxita, tório, cassiterita, ferro e gás natural fazem parte de uma lista de 23 minérios presentes em quantidades consideráveis no subsolo amazonense, de acordo com a
Secretaria Executiva de Geodiversidade e Recursos Hídricos do Amazonas. Devem ficar assim, enterradas ad eternum, até que surja um amigo do Rei disposto a lhe conceder um percentual, ou então ser intituída uma empresa com capital popular, para depois ser vendida a preço popular, a algum gaiato financiador de campanha.
O dispositivo constitucional que reserva as riquezas do subsolo à União atrasa o desenvolvimento. Não passa de um arranjo, uma armação do governante para reservar à corporação o domínio do eventual tesouro. Tivéssemos uma legislação permissiva, já estariam as empresas garimpando, abrindo estradas e fornecendo empregos, como sói acontecer com as petrolíferas americanas, como de resto espalhadas pelo globo. Esta reserva de mercado é totalmente inóqua, inoportuna, e descabida num estado democrático, que se presume de livre-iniciativa, onde o Estado não participa, porque nem é suas vocação, nem da produção, muito menos do comércio. Trata-se de uma apropriação indébita, por parte do Estado, somente tolerado porque, embora fira os basilares princípios do Direito Natural, se investe no direito artificial, mesmo, porque provido de forte armamento. De todo modo, nem precisa usar da prerrogativa. Qualquer anomalia, ou paradoxo legislativo pode ser pintado cor-de-rosa, e assim é recebido com acato. Como esta de dizer que a Amazônia é nossa; contudo ninguém pode dispô-la. Ela é intocável.
A lei tem carácter herético. Mais cedo ou mais tarde sempre é emendada, ou melhor, remendada.

A fiscalização
O Presidente disse que é necessário aumentar o rigor contra os que desmatam em áreas de preservação ambiental e exige ampliar o sistema de fiscalização dessas regiões. Ou seja, destacará mais gente a não fazer nada mais do que olhar. O que poderiam é ajudar, colocar mãos à obra, e não se parar de patrão. As alternativas, segundo ele, são: 1) criar a guarda nacional ambiental, defendida pelo ministro Carlos Minc (Meio Ambiente); 2) castigar os que burlam a lei. (Folha,5/6/2008)
Se insistirmos nesse sistema misto, nesse autoritarismo ideológico coberto por um falso invólucro democrático, no qual o proprietário é impedido de atuar por força de lei, quando então se tenta impingir a tal função social da propriedade, mais um atributo estapafúrdio e incompatível até mesmo com a genesis de qualquer coisa, neste caso assumindo a propriedade, além da função social a ecológica, será, como já é, impossível exigir seu cumprimento, que dirá a instalação dos processos, em previsível avalanche.
A repressão não remedia; ao contrário, insere confusão, e enseja a própria desmoralização do Estado, malgrado toda aura de moralidade que envolve suas disposições normativas.
Essa é a questão ícone, pela qual já se debate a burocracia, mas de modo especial os juristas, filósofos, economistas, sociólogos, biólogos, médicos, farmacêuticos, químicos, físicos, cientistas de quaisquer segmentos, enfim, sem esquecermos os engenheiros, turistas, naturalmente os metidos a ecologistas, os sem-terra, os brasileiros e os estrangeiros.
Todavia, malgrado o contingente, há outras espécies que merecem a primazia. A cobiça pela floresta deve preocupar, inicialmente aos sempre enganados índios; e os colonizadores da região, e seus descendentes;
Todos se debruçam sobre o tema, que a ninguém pertence de modo exclusivo. Trata-se de um dilema fundamental,
cabo-de-guerra que poderá delinear até onde pode se estender o direito da propriedade privada, frente ao interesse geral, o qual só é geral no plano das idéias, podendo se estender ao papel, mas no fato, nunca.
Seja qual for o lado que pender a vitória, contudo, ninguém ganhará. A razão é simples: qualquer dialética só proporciona confusão.
* * *
Pelo viés oficial, a "imissão de posse" do estado, e/ou do país, e ainda mais
das demais nações que se julgam "no direito" é totalmente inviável, pelo prosaico motivo: existem mais de dez mil propriedades rurais registradas; outras tantas, aguardando referendos; e outras, ocupadas até de modo clandestino. Qual exército, que quantidade de efetivo seria necessário para cumprir o capricho geral? Também não dá. Mister outra solução.
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A voz da ciência

A questão da Amazônia pode não ser jurídica, tampouco econômica, comercial, industrial, medicinal, biológica, ou financeira, e, arrisco, sequer nacional. Ela excede os padrões mecanicistas, deterministas, materialistas, fronteiriços. Pertence ao universo da ética, atributo indissolúvel à presença do homem em sua morada cósmica.

Na ciência política, também na física nuclear e na teoria da relatividade, a ética é aferida pelo grau de descentralização, de autonomia, de liberdade, de respeito às partes, não ao solo. A propriedade é apenas ilusão, inoculada ainda no tempo em que a vela era a rainha da noite:
“A física atômica fez a ciência afastar-se da tendência materialista que ela tivera durante o século XIX.” (Heisenberg, Werner, cit. Jammer:173.)
Somente se despindo do poder o homem poderá readquirir o poder. É um paradoxo, mas perfeitamente alcançável, porque verificável na ciência de ponta, pela quântica, e nos fatos, pelos auspiciosos regimes mais ou menos federativos.
A ética é justificável per se, mas só se efetiva pela conduta individual, não através da totalidade orgânica, a qual sempre será dialética:

Todas as formas de cooperação social legítima são portanto obra de indivíduos que nela consentem voluntariamente; não há poderes nem direitos exercidos legalmente por associações, inclusive pelo Estado, que não sejam direitos já possuídos por cada indivíduo que age sozinho no justo estado de natureza inicial."
(Rawls: 11)
Poderá alguém objetar que tal norte é ficção, uma utopia. Em nosso tempo, neste país, tomado pela corrupção do Oiapoque ao Chuí, naturalmente passando pela Amazônia, concordo. A ética foi abandonada, há muito. Porém, lembro de sua eficácia em outros rincões, quando pelo seu diapasão foram abolidas a escravatura e as caças às baleias; aos elefantes; e aos animais de peles, entre outros.
Quando a sociedade exige, a ética prevalece sobre tudo; inclusive sobre qualquer pretenso direito, seja do quadrante que vier.
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