terça-feira, 3 de junho de 2008

A ambição de Platão

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É essa configuração de coletivismo extremado que, desde o século V, é vista na Grécia como um modelo perfeito de Estado, com a coletividade assim rigidamente aparelhada e destinada à defesa do Estado. 1
Após o mestre SÓCRATES ter preferido o suicídio para conhecer sua própria alma, assim tomando completa ciência de si mesmo, e os Trinta Tiranos de sua grei liquidarem com Athenas, PLATÃO foi sentar praça no sul da Itália, no leito do príncipe DION. Só depois de secundar o pai até o fim do pequeno reino do Tirano de Siracusa é que o grego voltou à pátria, no fito de novamente envolver seus conterrâneos. À tira-colo trouxe a nova questão: .“Quem deveria governar? Quem legisla?” (A República, cit. Popper, K., 1998, T.I: 169) Ele próprio (Platão, cit. Whitehead, A. N.:31) deu a resposta, até certo ponto lógica, mas de inigualável pretensão: “Os sábios deverão dirigir e governar, e os ignorantes deverão segui-los.
Pois depois dos Trinta Tiranos tomarem a Acrópole para vingar a prisão de Sócrates, a rigor não restavam mais sábios na cidadela. Só ele (ou seus amigos acadêmicos) é que poderiam (e deveriam) encabrestar a população, fato que levou Popper trocar a questão, diante de tão capacitados governantes: “de quem deva governar” para “de como nos livrarmos pacificamente de governantes corruptos e incompetentes”.
A ponte
Para a empunhadura do poder, Platão “inventou” a grande justificativa do coletivismo: “Legislo tendo em vista o que é melhor para todo o Estado; coloco justamente os interesses do indivíduo num nível inferior de valor.” (A República; cit.Popper, K., 1998, p. 139.)
Nietzsche (Assim falava Zaratustra, p. 38) discordou, e muito antes do nazifascismo e do comunismo: “Mas o Estado mente em todas as línguas do bem e do mal, e em tudo quanto diz mente, tudo quanto tem roubou-o. Além onde acaba o Estado começa o homem que não é supérfluo.”
O grego, todavia, suplantou antecipadamente o “louco” filósofo:
Platão sutilmente instituiu uma sinomia entre individualismo e egoísmo: apelando para o sentimento humanitário, subverteu o conceito de individualismo, conceito que se opõe ao coletivismo não implicando, portanto, na adoção do egoísmo como padrão moral, tentando tornar a alternativa coletivista como a única moralmente compatível com o altruísmo. (Pereira, J. C. R., p. 116.)
O berço da crueldade
O traíra legou o esteio mais funesto que poderia embalar a civilização:

O conceito de justiça é o primeiro conceito democrático mistificado por Platão. A justiça surgiria como uma propriedade do Estado. Seu totalitarismo é disfarçado sob a capa de 'verdadeira justiça', e se legitima teoricamente mediante a subversão doutrinária do humanitarismo em três frentes: defendendo o privilégio natural, postulando o coletivismo, advogando a tese de que o indivíduo existe para o Estado. (Estadista, cit. Popper, Karl M., Sociedade Democrática e Seus Inimigos, Tomo I, p. 184. )
E assim falava o ex-secretário do tirano (Platão, cit. Pereira, Julio Cesar R., Epistemologia e Liberalismo - Uma Introdução a Filosofia de Karl R. Popper: 116) :
Quer se suceda que governem com a lei ou sem a lei, sobre súditos voluntários ou forçados; quer que purguem o estado, para bem deste, matando ou deportando alguns de seus cidadãos... enquanto procederem de acordo com a ciência e a justiça e preservarem o estado, tornando-o melhor do que era, esta forma de governo pode ser descrita como a única que é certa.
Platão lembra Hidra, a mitológica serpente dona de veneno letal, e de várias cabeças. Caso cortadas as pragas, outras duas cabeças nascem nos respectivos lugares. Uma delas, todavia, é indestrutível. Ela reapareceu no momento chave:
Até o Renascimento, o Ocidente praticamente desconhecia Platão. Mas alguns manuscritos gregos, comprados em Constantinopla, mudaram esse cenário. Entre eles, levados a Florença em meados de 1430, estava nada mais nada menos do que a obra completa de Platão.
(Abrão, B., p. 136.)
"Florença, no governo Cosme de Medici, viu nascer a Academia Florentina. Esta instituição favoreceu Platão, frente às universidades estabelecidas." (Russell, B., 2001, p. 247.)
O leitmotiv da famosa família jamais teve cunho educativo, espiritual ou cultural:
A Academia Platônica, fundada por Marsilio Ficino, com consentimento de Cosme de Medici, elabora com efeito uma doutrina destinada a uma larga difusão, por longo tempo benéfica à manutenção da hegemonia cultural florentina, mas da qual os Medici são os primeiros a tirar vantagem concretamente.
(Larivaille, P., p. 161.)
Em Florença florescia a Renascença; por suas pétalas e mudas, refastelam-se os oportunistas:
"Pouco a pouco, os soberanos compreenderam que a justiça podia ser também pretexto para a extensão de seu poder e a afirmação de sua autoridade." (Bobbio, N. e Viroli, M., p. 130.)
Maquiavel, Descartes, Hobbes, Rousseau, Malthus, Bentham, Comte, Gramsci, George Sorel e Marx, além de Hegel, apenas para citar os vetores mais eficazes desse cientismo político, vieram contaminados pela mais famosa fonte, prognóstico que se realiza por dois mil anos:
“E o Estado erigirá monumentos para celebrar sua memória. E sacrifícios ser-lhes-ão oferecidos como a semideuses como a homens que são abençoados pela graça e semelhantes a deuses.” (Platão, cit. Popper, K., 1998, p. 155)
Faltou acrescentar: e a Nação os derrubará, enterrando junto sua memória.
Lenin, Stálin, Hitler e Mussolini que o digam. É oportuno um pequeno câmbio:
Disse Platão certa vez que a raça humana não se livraria de seus males até que os filósofos se tornassem reis, ou os reis se tornassem filósofos. Talvez haja uma outra opção, a medida que um crescente número de pessoas assuma a liderança de suas próprias vidas. Essas pessoas se tornam seu próprio poder central. Diz um provérbio escandinavo: ‘Em cada um de nós existe um rei. Procure-o e ele aparecerá’.
(Ferguson, M. p. 210)
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Notas

1. "A evolução do sistema, entretanto, revela uma rápida redução numérica da coletividade espartíata que se transforma em simples oligarquia: estima-se que no século III não haviam mais do que por volta de 900 cidadãos espartanos."
Paulo Pereira de Castro http://www.fflch.usp.br/dh/heros/pcastro/grecia/1975/04.htm

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