quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A Captura do Estado Italiano


Uma ilusão geral constitui uma força social, que serve potentemente para cimentar a unidade e a organização política de um povo, como de uma inteira civilização. MOSCA, Gaetano, Scritti politici (Teorica dei governi-elementi di scienza política) vol.II: 633
Tem-se a impressão de que, na linguagem cotidiana do marxismo, o termo 'dialética' apresenta uma fluidez excessiva, escondendo em suas dobras significados variados, dificilmente articuláveis entre si, e que são, de resto,a maior fonte de confusão e polêmicas inúteis. BOBBIO, N., Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil: 27.
MARX convocara os operários do mundo. "Unidos, jamais seriam vencidos". Como proceder o gigantesco intento o barbudo não mencionou, mas a condenação da burguesia logrou motivar ódios recíprocos.
"Marx explica que a força revolucionária do operário nas sociedades burguesas 'nasce da contradição entre sua natureza humana e sua existência vital que é a negação manifesta, decisiva e total dessa natureza'.” (SARTRE, Jean-Paul, O Fantasma de Stálin: 32)
O jogo de forças concebido nesse universo todo dialético constituiu convincente apelo, oportunidade jamais tão latente para que gangsters, fantasiados de heróicos príncipes, lograssem ascender ao poder. O simples projeto legitimou a sordidez e a violência de comunistas internacionalistas, sociais-nacionalistas e, em seguida, declarados fascistas, nazistas e simpatizantes.
O Marxismo introduziu dois axiomas: o de que a sociedade está dividida em classes cujos interesses estão em eterno conflito; e o de que os interesses do proletariado - só realizáveis através das lutas de classes -exigem a nacionalização dos meios de produção, de acordo com seus próprios interesses e em oposição aos interesses das outras classes.
MISES, Ludwig von,
Uma Crítica ao Intervencionismo: 139.
A rica França, a tonta Alemanha, a hibernada Rússia, a folclórica Itália, los valientes espanholes, outros europeus, africanos, muitos asiáticos e TODOS os povos latinos foram aquinhoados, desde então, com inúmeras perturbações, corrupção desenfreada, guerras civis e internacionais, ditaduras e constituições de toda índole.
A idéia fundamental desses movimentos (os quais, com base no nome mais grandioso e ferrenhamente disciplinado deles, o italiano, podem ser designados, em geral, como fascistas) consiste na proposta de fazer uso dos mesmos métodos inescrupulosos na luta contra a Terceira Internacional exatamente como esta faz contra seus oponentes.
BOBBIO, N., Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil, p. 27.
Se o futuro parecia assombroso, e a U.R.S.S recém lhe anunciara, muito pior se tornaria pelo convencimento da negritude pintada em cem mil exemplares vendidos:
O Declínio do Ocidente (1918) de Spengler, que pretendia reconhecer a ascendência morfológica da vida sobre a razão e do dinheiro e da máquina sobre a cultura e o indivíduo, atraiu intelectuais revoltados com os Estados Unidos por ser uma 'civilização comercial' puritana. Nos anos trinta, o texto de Spengler foi escolhido como um dos dez 'livros que mudaram nossa mente'.
DIGGINS, J.P.:42
O darkside aparecera pela cartilha daquele contemporâneo capaz de inspirar marxistas e fascistas.
"Temos o direito de esperar que uma revolução socialista levada a cabo por sindicalistas puros não seria maculada pelas abominações que mancharam as revoluções burguesas.” (SOREL, G, Greve Geral Política: 195)
GEORGES SOREL era “filósofo da técnica e um engenheiro moralista e pessimista” (Reflexões Sobre a Violência, Carta a Daniel Halevyin, Introdução).
“Filósofo da técnica" é ótimo - tão esclarecedor quanto uma noite de sol nas geleiras dos trópicos.
Georges Eugène Sorel (2 de novembro de 184729 de agosto de 1922) engenheiro formado pela École Polytechnique e teórico do sindicalismo revolucionário, muito popular na França, na Itália e nos Estados Unidos, teve suas idéias aceitas tanto pelo fascismo italiano (Benito Mussolini) quanto pelos comunistas deste país (Antonio Gramsci)
Wikipédia
Embora até certo ponto sonegado, com poucas citações, SOREL foi fundamental ao descalabro:
"Este teórico político, pelos seus artigos e pelos seus livros, publicados antes da primeira guerra mundial, exerceu uma influência perturbante tanto sobre os socialistas como sobre os nacionalistas." (WEISSMANN, Karlheinz ,www.causanacional.net)
Georges Sorel, o pai espiritual comum do fascismo e do bolchevismo, o ideólogo da violência, seja um homem profundamente pequeno-burguês, representante típico das classes médias francesas, preocupado com a decadência das 'autoridades sociais', que ele concebeu fielmente no espírito conservador de Le Play; preocupado, enfim, com a decadência vital da raça latina, pela qual ele responsabiliza violentamente a Inteligência; ao espírito ele prefere a vitalização pelos instintos bárbaros da massa.
CARPEAUX, Otto Maria, www.icones.com.br
VON MISES (A Mentalidade Anticapitalista:102) testemunhou, e lamentou:
A ideologia mais perniciosa dos últimos sessenta anos foi o sindicalismo de George Sorel e seu entusiasmo pela action directè. Gerada por um frustrado intelectual francês, logo cativou os literatos de todos os países europeus. Foi fator de grande importância na radicalização de todos os movimentos subversivos. Influenciou o monarquismo francês, o militarismo e o anti-semitismo. Desempenhou um papel importante na evolução do bolchevismo russo, do fascismo italiano, bem como no movimento alemão de jovens que finalmente resultou no nazismo. Seu principal slogan era: violência e mais violência. O atual estado de coisas na Europa é em grande parte resultado da influência de Sorel.
EMMA GOLDMANN (My Further Disillusionmet with Russia, 1924, cit. WODDCOCK:140) alertou para o desvirtuamento:
Os métodos revolucionários devem estar em harmonia com os fins revolucionários.
Os meios utilizados para promover a revolução devem estar em harmonia com seus propósitos. Em resumo, é preciso que os valores éticos que a revolução pretende estabelecer na nova sociedade sejam aplicados desde o início das atividades revolucionárias do assim chamado 'período de transição', pois eles só poderão servir como uma verdadeira e segura ponte para a nova vida se forem construídos com os mesmo materiais da vida que se quer alcançar. A revolução é o espelho dos dias futuros.
Tarde demais. Com a derrota na I Guerra, o ex-Jardim do Império vinha novamente dividido. O governo parlamentar se apresentava corrupto ou/e temperado com ignorância. A monarquia não era honrada. A Igreja separada do Estado desde 1871, ansiava por uma oportunidade de retorno ao poder, preocupação constante dos discursos dominicais.
"Para os católicos, o trabalho é uma sentença condenatória, como reafirma a Rerum Novarum, em 1891.” ( DE MASI, D.: 47)
No afã de reestabelecer o prestígio junto ao "eleitorado", LEÃO XIII promulgou a Rerum Novarum, nada mais nada menos do que uma ponte fascista.
GAETAN PIROU (Introduction a l'etude de Economie Politique, Paris, : 280, cit. HUGON, P., História das Idéias Econômicas: 352) tentou explicar:
“O catolicismo considera a corporação um meio de assegurar a ordem sem matar a liberdade, escapando, a um tempo, da anarquia liberal e da coerção socialista”.
Os serviços públicos se deterioravam. As atrocidades russas chegavam estampadas pelos periódicos, e a vizinha Alemanha desmonstrava ao mundo como a bestialidade poderia se propagar. A sobrevivência da Bandeira e da família de cada um dependia do arrojo e determinação de governantes e aquiescência de governados, eis o grande desafio. O que veio depois da Revolução Francesa, como forma moderada de instauração do Estado moderno, só provocara decepção. Os sindicatos se fortaleciam, e começavam a provocar os conflitos sociais-trabalhistas planejados por SOREL.
No desdobramento o DUCE adotaria a estupidez soreliana, mas antes, os camisas-negras precisavam acenar com um proselitismo mais convincente, e surpreendente, no fito de não provocar a imediata reação do tradicional reduto. ANTONIO GRAMSCI apresentava uma solução confusa, por isso mais palatável, pelo menos no início:
Podem-se encontrar – nas páginas de Gramsci – os diversos significados que o termo ‘dialética’: assumiu na linguagem marxista. Podem-se distinguir, pelo menos, dois significados fundamentais: o significado de ‘ação recíproca’ e o de ‘processo por tese, antítese e síntese’. O primeiro significado aparece quando quando o adjetivo ‘dialético’ vem unido à ‘relação’, ‘conexão’, talvez mesmo ‘unidade’. O segundo, quando vem unido a ‘movimento’, ‘processo’, ‘desenvolvimento’.
BOBBIO, N.: 31.
O mero pequeno agricultor da ainda menor Sardenha ganhara uma bolsa para estudar literatura em Turim, o centro industrial que já concentrava as primeiras montadoras italianas. (En passant: não vá traçar a semelhança com São Bernardo do Campo...)
O literato vinha para tocar lenha na caldeira do trem dos infortúnios:
A Revolução Francesa abateu muitos privilégios, despertou muitos oprimidos; não fez mais, porém, do que substituir uma classe por outra no domínio. Deixou, contudo, uma grande lição: que os privilégios sociais, sendo produto da sociedade e não da natureza, podem ser superados. A humanidade necessita de um outro banho de sangue para cancelar muitas dessas injustiças.
GRAMSCI, Antônio, cit. COUTINHO, C. N., Gramsci - Um Estudo sobre Seu Pensamento Político: 1.
GRAMSCI (Maquiavel, a Política e o Estado Moderno:52) lera VICO, MOSCA e CROCE, além de MAQUIAVEL e MARX, para retratar o ainda recente dilema italiano. Debitou o insucesso a falta do legítimo condutor:
“No Risorgimento italiano pode-se notar a ausência desastrosa de uma direção político-militar.”
GRAMSCI queria um NAPOLEÃO à la italiana. MUSSOLINI não apresentaria a mesma destreza, mas isso não era o mais importante.
“O Príncipe moderno, o Príncipe mito, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto - ele só pode ser uma organização.” ( GRAMSCI, A., cit. JOHNSON, P.: 78)
No Congresso de Reggio Emilia (1912), o Partido Socialista Italiano conquistou o poder em "virtude" de ser "marxista, perfeito, internacionalista e inflexível.” (NOLTE, Ernst, Three Faces of Fascism, p. 155; cit. JOHNSON, P.: 45)
Pela década os fascios foram se organizando, de modo a suplantar as divididas esquerdas. MÁRIO GRAMSCI, irmão de ANTONIO, não titubeou em se integrar no estupendo movimento, e assim surgiu gajo invocado, o carma reincorporado, o osso duro, a carga pesada que o pacato e alegre povo italiano haveria de suportar por mais de vinte anos
“Mussolini aparece no partido socialista como um verdadeiro chefe. Se tivesse prosseguido, nada o teria diferenciado de um comunista vermelho.” (FARIA, Octávio, Machiavel e o Brasil: 99)
ZINOVIEV, presidente da IC, chegou a definir a social-democracia como a “ala esquerda do fascismo”. O próprio Stálin chegou a afirmar: “a social-democracia é objetivamente a ala moderada do fascismo”.... O fascismo e a social-democrata são, não inimigos, mas gêmeos”.
Dez meses antes da Marcha sobre Roma, GRAMSCI já perdia as esperanças:
“Também no Partido Fascista existem sintomas evidentes da podridão social-democrata.” (COUTINHO, Carlos Nelson, Gramsci, Um Estudo sobre seu Pensamento Político: 29)*
Ao assumir o timão, o impostor tirou a máscara e operou espetacular guinada. Como no judô, aproveitou o embalo marxista para, no meio da marcha, desvirtuá-lo ao fanatismo nacionalista, golpe visivelmente maquiavélico.
O modus operandi recomendado à milícia, a reação desses por isso apelidados “reacionários”, justificava-se pela voz do mesmo ZINOVIEV (cit. POULANTZAS, Nicos, Fascismo e Ditadura, p. 53., discursando neste 4.Congresso:
“O fascismo é um golpe de Estado contra-revolucionário.”
O 5. Congresso completou o veredito:
“O fascismo é uma das formas clássicas da contra-revolução na época da decadência do sistema capitalista, na época da revolução proletária”.
Em fins de 1924, ele declararou a plena ditadura fascista. Os trens partiriam no horário, muitos com destino ao além.
O veneno extraído na efêmera passagem pelo campo vermelho era efetivo contra os males da cobra:
“Contra a revolução comunista que um acaso apenas fizera falhar na sua primeira tentativa de tomar o poder a Itália de Mussolini ensinou que só havia um remédio: a revolução fascista."
BOBBIO explica:
A 'catástrofe' Revolução de Outubro (evento produzido por uma vontade coletiva consciente) não pode ser remediada senão com a 'catástrofe' contra-revolucionária (não por acaso os pródomos do fascismo na Itália são as 'squadre d´azione': comunismo e fascismo se convertem um no outro.
Na Marcha sobre Roma, fulgurou a gratidão do Duce:
“É a Sorel que mais devo. O fascismo será soreliano”. (MUSSOLINI, B., cit. CHEVALLIER: 359)
Ao “traidor” GRAMSCI, o duro destino: a mudez quase absoluta. O "programa" jogou-lhe ao calabouço, onde foram confecionadas as estéreis Memórias de Cárcere, e por fim, a prematura morte, por inanição e múltiplas doenças.
Il corporativismo supera il socialismo e supera il liberalismo: crea una nueva sintesi.”
Presenciaram seus atos fúnebres apenas duas pessoas: o irmão Carlo, e a cunhada Tatiana, devidamente vigiados pelas sentinelas fascistas.

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