sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O risco do Euro



Todo homem possui sua finalidade particular, de modo que mil direções correm, umas ao lado das outras, em linhas curvas e retas; elas se entrecruzam, se favorecem ou se entravam, avançam ou recuam e assumem desse modo, umas com relação às outras, o caráter do acaso, tornando assim impossível, abstração feita das influências dos fenômenos da natureza, a demonstração de uma finalidade decisiva que abrangeria nos acontecimentos a humanidade inteira. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm, Da utilidade e do inconveniente da História para a vida; 74
A família e a nação são biológicas; o truste e o sindicato são econômicos. RUSSELL, B., Ensaios céticos: 210
A moeda circulante na Europa veio precedida de longos estudos, e grande cartaz. O implemento muito se deve ao grau de civilização nunca dantes experimentado pelo Velho Continente, por dois mil anos envolto em guerras. O Euro substitui 12 moedas, tornando-se o meio de pagamento oficial de Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Eslovénia, Espanha, Finlândia,França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Malta, Países Baixos,Andorra, Mónaco, São Marino, Vaticano, Montenegro, Kosovo. O Banco Central se localiza em Frankfurt am Main, Alemanha.
O incremento não é devido apenas à tentativa e facilitação de um mercado comum, até porque os comerciantes nunca negaram receber moedas distintas; muito menos em função da necessidade de cálculos mirabolantes, a cada transação internacional. O intuito maior foi proporcionar aos participantes, e de resto ao comércio internacional, um padrão invariável para definir longos contratos, mas essencialmente uma opção ao parâmetro americano. Para tanto, o concorrente teve que se apresentar robustecida ao máximo, sob pena de não alçar nem os primeiros cem metros.
O Euro nasceu com bonito emblema. Apontou valorizado, popular, e eficiente alternativa aos firmatários, especialmente aos franceses, e seu tradicional desdém à língua inglêsa. Ademais, a centralização favorece o controle, e elide a possibilidade de algum país se lançar sorrateiramente em espiral inflacionária.
Consigno, todavia, dois reparos. Sendo uma moeda criada para enfrentar outra, per se tem sua personalidade desviada. Segundo, e mais fundamental, além de até preocupante: a modalidade de centralização contém o germe do totalitarismo, e é desconforme a qualquer tipo de ciência moderna: “De fato, a vida no espaço cibernético parece estar se moldando exatamente como Thomas Jefferson gostaria: fundada no primado da liberdade individual e no compromisso com o pluralismo, a diversidade e a comunidade.” (NAISBITT, J.,Paradoxo global:96)
É esse o ponto crucial da questão. O controle econômico não é apenas o controle de um setor da vida humana, distinto dos demais. É o controle dos meios que contribuirão para a realização de nossos fins. Pois quem detém o controle exclusivo dos meios, também determinará a que fins nos dedicaremos, a que valores atribuiremos maior ou menos importância - em suma, determinará aquilo que os homens deverão crer e por cuja obtenção deverão esforçar-se. HAYEK, Friedrich Von, O caminho da servidão: 111.


O Euro contém o DNA espartano, platônico, com função programada à competição. "E agora se encontram trancados em uma sala de espelhos, da qual não conseguem escapar. É a jaula do euro, em que entraram por ambições geopolíticas de enfrentamento aos americanos." (Paulo Guedes, Hora da verdade, 7/12/2010)
Ainda assim não ofereceria maior perigo, mas a concentração do poder monetário, revela-se tão tirano quanto a concorrente que  oferece o maior fiasco econômico das últimas gerações.
Há mesmo uma enorme controvérsia a respeito do futuro do euro. Pois haverá sempre quem queira quebrar os espelhos para que não se desmoralizem os governos nacionais inchados e ameaçados de insolvência. Quem suportaria tanta verdade? Não seria mais fácil condenar a moeda continental europeia à extinção? O mais impressionante é que a moeda única desagrada a gregos e troianos, até mesmo aos alemães, os maiores beneficiários pelo estímulo a sua engrenagem extraordinariamente produtiva. (Idem)
A tecnocracia assume uma posição semelhante a do árbitro inteiramente neutro numa disputa atlética. O árbitro é normalmente a figura menos ostensiva entre os participantes do espetáculo. Por que? Porque concentramos a atenção e a lealdade apaixonada nas equipes, que competem dentro de certas regras; inclinamo-nos a ignorar o homem que se coloca acima da disputa e que simplesmente interpreta e faz cumprir as regras. Entretanto, num certo sentido, o árbitro é a figura mais importante do jogo, uma vez que somente ele fixa os limites e as metas da competição e julga os contendores. ROSZAK, T.: 24
O capital é representado pelo dinheiro, pela moeda sonante. Se circunscrito apenas a uma representação, quem capturá-la captura toda a Nação, em apenas um golpe.
Na verdade os interesses dos banqueiros
têm sido contrários aos dos industriais:
a deflação que convém aos banqueiros
paralisou a indústria britânica.
RUSSELL, B., 2002: 68; RUSSELL, B., cit. DE MASI, 2001:99
É o que vem se sucedendo, alhures.
Quando soube da notícia, cogitei que o Euro viesse complementar as moedas nacionais, e não substituí-las,. Supus fosse oferecer uma opção comum às relações internacionais. Não sei se a conservação das unidades monetárias elidiria a novel instituição. Por certo não emergeria tão robusta - talvez lhe enfraquecesse a tal ponto que já nascesse morto, como o latim. Contudo, me pareceria mais prudente uma tentativa de manter concomitantemente o mosaico, quando então proporcionaria ao setor produtivo, como de resto à toda sociedade, um duplo grau de recursos:
Como o próprio conhecimento é organizado relacionalmente ou na forma de hipermeios - significando que pode ser constantemente reconfigurado - a organização tem de se tornar hiperflexível. É por isso que uma economia de firmas pequenas, que interagem, reunindo-se em mosaicos temporários, é mais adaptável e, em última análise, mais produtiva do que uma outra construída em torno de uns poucos monolitos rígidos. TOFFLER, A. 1992: 199.
A instituição do Euro vai na direção contrária à modernidade,
As corporações centralizadas e autoritárias têm fracassado pela mesma razão que levou ao fracasso os estados centralizados e autoritários: elas não conseguem lidar com os requisitos informacionais do mundo cada vez mais complexo que habitam. FUKUYAMA, F., 2002: 205
A centralização monetarista atende apenas o apetite da alcatéia. A Economia requer trato de ecossistema, em evolução por fractais, e não por meios e finalidades lançadas, abrangentes, totalitaristas, ainda que de consenso.  Qualquer sistema, ainda mais o monetário, tem que ensejar a experiência localizada, "o fluxo de novas idéias, imagens e energia para todas as partes do organismo político. Concentrações de poder são tão antinaturais e fatais como um coágulo de sangue ou um fio elétrico desencapado." (FERGUNSON, M.: 210)  
Desde pequeno se adverte  para que não colocar todas poupanças no mesmo  cesto. Presidente e vice  não viajam no mesmo avião. Ao acabar com as correlatas, o Euro também liquida qualquer saída de emergência.
Um grupo de bancos italianos apresentou uma solução criativa para um problema antigo: como dar empréstimos para pessoas que não têm bens valiosos para oferecer como garantia. Eles agora aceitam queijos como garantia. Alguns bancos estão aceitando queijos parmesão em troca dos empréstimos e já têm estocados milhares de quilos do valorizado produto. Se os devedores não pagam o empréstimo, os bancos vendem o queijo. (BBC, 14/8/2009)
Marx convocou os operários do mundo a se unirem contra os patrões. Muitos acreditaram, e seguiram, com êxito, sua maquiavélica proposta. Para evitá-la, a maioria dos governantes europeus deram-se as mãos, em regimes mais ou menos fascistas, mais ou menos totalitários. Estes exemplos coloco em ribalta junto com a provocada crise americana, por um insólito motivo: o que se sucede com o dólar pode acontecer com qualquer moeda, porque dominadas por governos mais ou menos corruptos, eleitos com recursos de semelhantes "investidores de campanha". Um incêndio aqui, ou acolá pode ser debelado. Mas se varar às pradarias, se formulado um ataque especulativo nas gêmeas de Frankfurt, numa tacada a Europa estará aos pés de qualquer cavalo branco! Poderiam os europeus reverter ao diversificado sistema? Eis, por certo, a razão primaz da Grã-Bretanha não integrar a arriscada banda auri-cerúlea. Neste ponto, tudo ok, Mr. Brown.*
O que vemos hoje? "O Reino Unido vai contribuir com cerca de 7 bilhões de libras (US$ 11,2 bilhões) para o socorro financeiro à Irlanda, informou o ministro de Finanças britânico, George Osborne."
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* Artigo fomulado na época em que a Grâ-Bretanha mantinha Gordon Brown como Primeiro-Ministro

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