quarta-feira, 24 de novembro de 2010

República x Lei Áurea


Os brasileiros somos craques em maquiar. Desde 1810, viemos nos profissionalizando em ludibriar olhares ingleses, com a estratégia de gerar visibilidade sem necessariamente atingir grau algum de efetividade. O problema é que, como se sabe, muitas vezes o feitiço vira contra o feiticeiro. E, hoje, é o próprio brasileiro que sofre com a tradição política de valorizar apenas aquilo que gera repercussão, trazendo benefícios imediatos, sem perspectiva alguma de médio ou longo prazo.  Essas práticas perniciosas podem, contudo, perder suas forças à medida que a população for se desgarrando da ingenuidade dos ingleses, que assistiram, por quase um século, aos brasileiros fingindo combater o tráfico negreiro. João Montenegroh http://www.consciencia.net/para-ingles-ver/
Há cem anos, o Brasil abdicava do desenvolvimento:
No segundo decênio deste século, num Brasil que perdeu o pulo da passagem do séc. XIX para o XX, surge como expressão das oligarquias dominantes, a candidatura do marechal Hermes da Fonseca; e como reação liberal e progressista, a desse grande rejeitado que o Brasil tantas vezes usou quantas desperdiçou, Ruy Barbosa. Naturalmente, venceu Hermes da Fonseca, pois a eleição era uma ficção jurídico-política. Algumas dezenas de pessoas - se tanto! - conduziam a nação e decidiam do seu destino. O povo não participava do processo, senão como mera figura retórica. A Ruy ficou-se devendo o serviço de criar, por assim dizer, uma opinião pública atuante. Através de estados de sítio e habeas-corpus, de peregrinações cívicas, palmas e perigos, ele começou a mobilizar a consciência coletiva. E se o acusam de tê-la inventado, ainda é maior o seu mérito. Pois o homenzinho valeu, sozinho, por toda uma comunidade incapacitada para o uso da razão. LACERDA, Carlos, Em Vez: 30
A universidade brasileira ainda não existia, é certo, mas também há consenso em se afirmar que sua emergência foi retardada pela posição dos positivistas comtianos - ortodoxos ou heterodoxos, autoritários ou democráticos - que consideravam que, no clima de opinião vigente, sua instalação apenas aumentaria a confusão existente no país entre as etapas ou estágios de desenvolvimento do pensamento. LOVISOLLO: 243
Há cem anos, em 22 de novembro de 1910, quatro navios encouraçados apontaram seus canhões para o Rio de Janeiro. Um deles atirou, acertando um cortiço. Duas crianças morreram no ataque. A descrição não corresponde a uma guerra internacional. Os navios eram da própria Marinha brasileira, e a ameaça contra a capital do país fazia parte do protesto pelo fim dos castigos físicos aplicados a seus marujos. A Revolta da Chibata aconteceu  liderada pelo marinheiro JOÃO CÂNDIDO.. "Considero ele o primeiro herói brasileiro do século 20 GRANATO, Fernando, João Cândido. - Ed. Selo Negro, 2010. O Almirante Negro tinha trinta anos de idade. O motim deveu-se à questão racista. A escravidão tinha sido abolida em 1888, mas o governo republicano não concordava com tamanha benesse. Os oficiais da Marinha eram brancos e vinham da elite;  os marujos, pastéis de tigres, eram, no geral, negros. Considerando-se  abolida a escravatura desde o Império, qual razão assistia a República manter a antiga tradição?
Entre os motivos mais preponderantes imputados à Proclamação raramente se aponta para a  Lei Áurea. Como poderia uma lei mais óbvia impossível, que a rigor sequer deveria ser objeto de lei,  posto o aburdo da escravidão, de que modo alguém poderia encetar um levante, a ponto de alterar a história por causa de sua inconformidade com ela?  Hoje ninguém pode cogitar. Mas na época, metade dos EUA também se insurgia contra a lei áurea de Lincoln¹ . O reverenciado presidente obteve sucesso na Secessão, mas pagou com sua vida, assassinado antes de findar seu mandato. Desse modo fico tranquilo, sem me preocupar no exagero da cor. A abolição da escravatura no Brasil pegou todos de surpresa, porque aclamada pelo  Dom Pedro II. O Imperador não precisava falar com mais ninguém além da Família Real. Somente Princesa Isabel tomou ciência, e daí à maternidade. O Brasil nunca tinha ouvido falar nisso. Onde já se viu colocar fora tanto patrimônio? E as fazendas, quem, cuidaria delas? Os fatos me confortam. A mentalidade, da ocasião, o interesse do clero em manter sua estória,  e o apetite dos militares compuseram a razão e o sucesso da República, êxito logrado não só pelas armas, como especialmente no abrigo dos numerosos e riquíssimos fazendeiros bahianos, a rigor quase todo o nordeste, dos coronéis, mineiros, paulistas e gaúchos que puxavam a economia brasileira.
“O catolicismo considera a corporação um meio de assegurar a ordem sem matar a liberdade, escapando, a um tempo, da anarquia liberal e da coerção socialista”.  (GAETAN PIROU, Introduction a l'etude de Economie Politique, Paris, : 280, cit. HUGON, P., História das Idéias Econômicas: 352) 

O fascismo caracteriza-se pela tomada de poder por gangsters, o que Marx chama de lumpen, gente não pertencente a nenhuma classe organizada da sociedade. Tomada de poder em nome do povo e da comunidade sem a limitação de nenhum controle racional. LIPSET, Seymor Martin, O homem político: 182
A família do paulista LUÍS PEREIRA BARRETO (1840-1923) é bom exemplo do êxito do triangular casamento. BARRETO adquirira seu elevado saber junto à grande autoridade da Bélgica - MARIE DE RIBBENTROP. (www.geocities.com/positivismonobrasil). Seu irmão mais velho, o Comendador Zé Pereira organizava a caravana Bandeira Barreto (1876). A missão era se apossar de enorme extensão territorial no oeste paulista, à fazendas de café. Ribeirão Preto e Resende (RJ) foram loteadas à grande família paramilitar, nela incluída, naturalmente, ainda mais meia-dúzia de seus irmãos, todos ferrenhos positivistas, claro.
Grosso modo a  República escravagista do Brasil foi repartida pelos quartos. A suíte, naturalmente, coube aos alto-coturnos. Ao lado ficou o aposento jurídico, dos costureiros legalistas. José Higino Duarte Pereira (1847-1907), Leovegildo Filgueiras, fundador da Faculdade Livre da Bahia, Pedro Lessa (1859-1921), o paulista José Mendes, Artur Orlando (1858-1916) Fausto Cardoso e Gumercindo Bessa, entre algumas dezenas que ora me escapam, agarravam-se, orgulhosos, no "positivismo científico-sociológico-darwiniano". A frente foi reservada à Engenharia, responsável pela construção principal, e pelas cabeças-de-ponte espalhadas pelo imenso país, especialmente nas fronteiras:
A noção de que a sociedade poderia ser planejada e gerida por engenheiros estava bem de acordo com a tradição francesa, e teria grande impacto no Brasil. Enquanto na tradição inglesa a engenharia sempre fora uma ocupação menor e sem foros de nobreza, a École Polytechnique foi, desde o início, o lugar onde a elite administrativa francesa era educada. Lá, a educação militar era ministrada juntamente com o treinamento da mente em matemática e física; pensava-se que esta combinação prepararia as melhores mentes cartesianas, prontas para construir pontes, comandar exércitos e dirigir a economia. SCHATZMAN, Simon, A força do novo: por uma sociologia dos conhecimentos modernos no Brasil. www.anpocs.org.br
Importava os acordos ao exercício da profissão, a reserva de mercado.
Os interesses do capital se organizaram sob um formato corporativo, enquanto a representação dos interesses do trabalho foi organizada sob a forma de um sindicalismo tutelado. Essa diferença se expressa na combinação do corporativismo societal com o corporativismo estatal, que Oliveira Vianna tratou de distinguir, antecipando em quase meio século a literatura contemporânea sobre o corporativismo nas democracias. BANDEIRA, Moniz; Melo, Clóvis e Andrade, A.T., O Ano Vermelho. A Revolução Russa e seus Reflexos no Brasil.
 A saúde não prescindiu de seu leito:
Dentre eles, podemos citar a luta pela constituição de um campo profissional pelos médicos diplomados, as interferências que a ideologia positivista exerceu no reconhecimento da profissão, o papel da religião, da caridade e da magia na percepção da doença pelos leigos e sua interferência na posição que era assumida pelos médicos diante das mesmas.o positivismo era uma marca na formação das elites políticas do Rio Grande Sul e interferiu nas reações do poder público às tentativas de parte do corpo médico em criar restrições ao exercício de sua prática profissional, à adoção de medidas de intervenção para evitar a propagação das doenças e àquelas relativas à organização do espaço e da higiene urbana. SILVEIRA, Anny Jackeline Torres, WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina, religião, magia e positivismo na República Rio-Grandense ¾ 1889-1928. Revista Brasileira de História. v.22 n.43 São Paulo 2002
Os representantes mais esclarecidos das classes médias – médicos, professores, advogados e engenheiros – do último quartel do século XIX, viveram num clima intelectual positivista, não apenas comtiano mas littreísta e spenceriano. Maior penetração teve, porém, a filosofia positivista entre os militares, sobretudo nos jovens oficiais daquele tempo, que fizeram a República e que quase a dominaram, de 1889 a 1894. COSTA, C.: 38
A Politécnica também produzia empresários, equipados com sobrenomes que convinha, e tinha os contratos necessários para obter as licenças, autorizações e concessões especiais para seus projetos. Este tipo de empresário era, decididamente, um defensor da iniciativa privada, mas só tinha condições de se desenvolver à sombra do Estado. www.anpocs.org.br 
Dom Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Habsburgo, chamado O Magnânimo (Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1825 — Paris, 5 de dezembro de 1891), foi o segundo e último Imperador do Brasil. Dom Pedro II era um grande estadista, há unanimidade, mas o reluzente ouro detém o irresistível poder gravitacional, tal qual luz, à maripôsa.
O Brasil saíra de uma Independência fictícia. A Corte Portuguesa continuava no domínio, mercê dos descendentes diretos. Enquanto o Imperador viajava aos EUA, na comemoração do centenário da Independência, e o final da Guerra da Secessão, cujo resultado sepultou a tradição escravagista sulina, espanhola,  por aqui se começava a tramar sua queda.
A República está próxima. E não há como resistir. As sociedades obedecem ao influxo de leis tão exatas, precisas e invariáveis como as que regem os fenômenos transformadores do mundo físico. É que os fenômenos sociais estão sujeitos às leis naturais, como os fenômenos físicos. É que há uma física social.CASTILHOS, Julio, cit. FLORES, H. A. Hubner, Revolução Federalista: 18
 Le archè dos pampas logo poderia contar com outro grande incentivador, também comilão da maçã newtoniana: “Há muito estou convencido da importância de aprofundar a teoria das forças sociais que podemos comparar, em larga medida, às forças da dinâmica que agem sobre a matéria. (Sorel, G, Greve Geral Política: 195)² Von Mises ( A Mentalidade Anticapitalista: 102) lamentou esse destemor::
A ideologia mais perniciosa dos últimos sessenta anos foi o sindicalismo de George Sorel e seu entusiasmo pela action directè. Gerada por um frustrado intelectual francês, logo cativou os literatos de todos os países europeus. Foi fator de grande importância na radicalização de todos os movimentos subversivos. Influenciou o monarquismo francês, o militarismo e o anti-semitismo. Desempenhou um papel importante na evolução do bolchevismo russo, do fascismo italiano, bem como no movimento alemão de jovens que finalmente resultou no nazismo. Seu principal slogan era: violência e mais violência. O atual estado de coisas na Europa é em grande parte resultado da influência de Sorel.
O Imperador trouxera a concepção federalista, expressa pela cópia da bandeira norteamericana  usada em sua deposição, mas o verde-oliva aguardava  a mais compatível para impor a "ordem e progresso" que tinha em mente - o chicote e o desfrute.
Nada mais estranho ao pensamento de Comte do que a noção liberal de direitos individuais: 'Todo direito individual é uma abstração, a sociedade é a única realidade'. Nada de divisão de poderes: o Legislativo e o Judiciário deviam ser inteiramente subordinados ao Executivo. Tudo para o Estado, nada para a sociedade; em suma, um completo sistema de despotismo espiritual, político e social.  CANGUILHEM, Georges, Cahiers pour l'analyse; cit. DESCAMPS, C.,: 88

O historiador José Murilo de Carvalho, (D. Pedro II, Companhia das Letras: 2007), informa: o Brasil jamais desfrutara tanta liberdade de expressão quanto no Segundo Império. Até mesmo injúrias ao monarca eram publicadas, não admitindo ele que fossem punidas ou que os jornais que as divulgavam fossem processados ou fechados. Nada disso vinha ao caso; ou melhor, seria bem aproveitado: 80% da Nação era simplesmente analfabeta.(Segundo a Casa Ruy Barbosa).  A Guerra do Paraguai atiçara a volúpia militar. O pacifista Imperador repreendera publicamente os soldados, taxando-lhes “assassinos legais”. E por bizarro, a Abolição da Escravatura completaria a justificativa golpista:
As dificuldades da economia, agravadas com os gastos decorrentes da Guerra do Paraguai e, principalmente, a abolição da escravatura colocaram a aristocracia rural contra o imperador. O exército, por sua vez, buscava maior autonomia — que considerava conseqüência natural do sucesso na guerra — e estava bastante influenciado pelas idéias positivistas e republicanas. Wikipédia
Um prosaico fato contribuiu à precipitação golpista: os "heróis" da guerra tinham sido barrados no famoso Baile da Ilha Fiscal, e isso não poderia ficar em branco. Na mesma hora em que se acendiam as luzes do palacete para receber os milhares de convidados engalanados, os republicanos se reuniam no Clube Militar, presididos pelo tenente-coronel Benjamin Constant: "Mais do que nunca, preciso sejam-me dados plenos poderes para tirar a classe militar de um estado de coisas incompatível com sua honra e sua dignidade".
Em nome da" honra e da dignidade" as propriedades da família imperial e seus bens pessoais  imediatamente foram arrestados e leiloados. Em seguida, a nova casta mostrou a cara, em flagrante violação da Constituição recém promulgada em 1891. O marechal Deodoro ordenou o fechamento do Congresso. Para evitar uma guerra civil, o mal. acabou renunciando, em favor do coleguita Floriano.
Dom Pedro II deixou o Brasil sem ressentimento, embora triste. Ao ser deposto, e banido do País, formulou «ardentes votos por sua grandeza e prosperidade». Ele sabia, de antemão, que isso seria impossível.
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A Ciência Política, como todas as ciências humanas que se desenvolveram no interior da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, como era então denominada por ocasião de sua fundação, teve a sua marca francesa. Sua origem foi sociológica com forte influência filosófica. QUIRINO, Célia, Departamento de Ciência Política da USP - Estud. av. vol.8 no.22 São Paulo Sept./Dec. 1994
ANTÔNIO PAIM confirma o liame, e as consequências da macaquice a NAPOLEÃO, que reatara com o clero para reestebelecer a escravidão em Paris:
A evolução da elite política brasileira no sentido de uma tendência abertamente fascista, com o Estado Novo, não poderia ter ocorrido sem trabalho prévio, ao longo de várias décadas, seja do castilhismo, no meio político, seja do positivismo, no meio militar. A base comum que possibilitou o trânsito de uma a outra das posições pode ser apreendida na análise de uma obra que expressa melhor que qualquer outra essa evolução: o Estado Nacional de Francisco Campes (1891/1968).
AUGUSTO COMTE, falecido na metade do século retrasado, ainda consegue ditar o futuro, pelo presente:
Pesquisa dá respostas ao atraso do Brasil - O positivismo não foi apenas o primeiro movimento filosófico moderno a influenciar as autoridades brasileiras, já no século passado, mas também conduziu a supervalorização da ciência, a ponto de considerá-la perfeita e acabada, simplesmente pronta a ser ensinada, mas não a ser pesquisada. E desta vez, mais do que nunca, o responsável pelo atraso não é o estrangeiro. Mas deliberadamente local. MAKIYAMA, Marina R., O Estado de São Paulo, 21/5/1995: D14.
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1.Lincoln supervisionou ostensivamente os esforços vitoriosos de guerra, especialmente na seleção dos melhores generais, como Ulysses S. Grant. Historiadores concluíram que ele conseguiu se sobrepor às diversas facções do Partido Republicano, negociando a cooperação dos líderes de cada uma delas pessoalmente em seu gabinete. Sob sua liderança, a Uniãoeleição presidencial de 1864obeve controle dos estados escravocratas de fronteira durante a guerra. (Wikipédia)
2. Sorel cumpriu uma trajetória política peculiar. Engenheiro, ele pediu demissão do emprego em 1892, aos 45 anos, para dedicar-se a estudos de filosofia social. Ligado ao sindicalismo revolucionário de extrema esquerda, flertou por algum tempo com a extrema direita monarquista. Admirava Charles Maurras (1910) e Lênin (1918-1922). Entre as peculiaridades do marxista francês está a preocupacão com os aspectos jurídicos do socialismo e a violência, que exalta em seu livro Réflexions sur la violence (1908), mas ela é cuidadosamente distinguida da força bruta. Sorel odiava o jacobinismo, a dominação burguesa e o parlamentarismo. O outro ponto importante é o caráter de força motriz apresentado pelo mito político de Sorel. Ele é uma arma na luta política: seu sentido é mobilizar, empurrar para a ação. Esses mitos políticos, estabelece Sorel, são "conjuntos de imagens capazes de evocar em bloco e somente pela intuição, antes de qualquer análise refletida, a massa dos sentimentos" (Réflexions sur la violence). Na verdade, Sorel é um autor controverso quanto a linha política a qual adere. Suas idéias foram aceitas tanto pelo fascismo italiano Benito Mussolini quanto pelos comunistas deste país Antonio Gramsci.

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