quarta-feira, 25 de julho de 2012

Independência dos estados - II

É do vazio da política que a verdadeira política necessita. Nesses momentos é que podem emergir as ações inesperadas, que possibilitam uma tomada de palavra, um exercício de poder, uma reação que signifique uma reorganização da ordem social. , Se pensamos o mundo como multiplicidade, o vazio não é um problema, ele é mais um constitutivo dessa multiplicidade. O vazio passa então a ser tomado de modo positivo, como possibilidade de traçar linhas de fuga, de inventar, de construir o futuro. O mundo fragmentado, vazio de crenças e de política, é o que permite a ação. O homem está livre para ocupar espaços e com isso (re)criar crenças e a própria política. Prof. GALLO, Silvio Gallo, Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
Ao estabelecer os cânones da democracia, Montesquieu advertiu que ela era aplicável somente em países de pequena dimensão territorial. Por aqui ninguém  leva em conta o detalhe, mas o Libertador sentiu seus efeitos: Tudo foi devidamente prenunciado pelo próprio“Não podemos governar a América. Este país cairá infalivelmente nas mãos da multidão desenfreada, para passar em seguida às mãos de pequenos tiranos, quase imperceptíveis, de todas as cores e de todas as raças.” (SIMON BOLIVAR (cit. MINGUET, Charles, Myrthes fondateurs chez Bolivar, 'Simon Bolivar', Cahiers de l'Herne, 1986: 117; cit. GUSDORF, G: 259)
A Grã-Bretanha não é de toda unificada; e os ingleses que partiram ao Novo Mundo contornaram a advertência estabelecendo vários pequenos estados, sendo que a União ficou de tal monta desconsiderada que sequer nome tomou. Dessarte ergueram-se os estados americanos, unidos pelo ideal democrático. O Brasil. todavia, gigante pela tradição imperial, conservou seus sucessivos nomes sobre todo o imenso território, de maneira que peremptoriamente a vontade do soberano sobrepuja quaisquer vocações, tradições, hábitos, interesses regionais. O que sempre esteve em jogo foi a possibilidade de taxação sobre a produção, e isto ninguém que logrou o máximo poder quis ou quererá dimunuí-la. A exceção, curiosamente, foi Dom Pedro II que, voltando das lições aprendidas no colosso do norte, tentava implantar um regime federativo~. Foi surpreendido com o golpe militar, traição de sua caserna. Conserva-se a designação federativa ao Brasil apenas para inglês ler. 
Muitos brasileiros, entre os quais me incluo, desejam um Brasil federativo. Somos, teoricamente, 'República Federativa do Brasil', mas não passa de mito. A centralização de poderes e atribuições cresce nas mãos da União, em detrimento da autonomia dos Estados - por conseguinte, dos cidadãos que a compõe". José Celso de Macedo Soares Federalismo: ações práticas 
Passadas apenas duas gerações do prumeiro grande golpe, veio o segundo, ainda mais drástico: o Estado Novo mandou simplesmente queimar as bandeiras estaduais, porque o "Brasil tinha que ser uno".
Com o declínio dos limites à ação do Estado, cujos fundamentos éticos haviam sido encontrados pela tradição jusnaturalista na prioridade axiológica do indivíduo com respeito ao grupo, e na consequente afirmação dos direitos naturais do indivíduo, o Estado foi pouco a pouco se reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência extrema do Estado total (total exatamente porque não deixa espaço algum fora de si.). BOBBIO, N., Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política: 25
O Estado Nacional se agigantou perante as unidades federadas, as cidades,  campos, e pessoas. Enorme contingente vem grudado no Leviathan. Conforme relatório encomendado pela Tax Justice Network, dos Estados Unidos, 520 bilhões de dólares foram enviados do Brasil para diversos paraísos fiscais. Não há indicação da origem desses fabulosos recursos, presumindo-se que a maioria se refira a dinheiro ilegal, fruto da sonegação de impostos, de operações criminosas, recebimento de propinas, superfaturamento, desvio de recursos de obras públicas e sucedâneos.
Quando por aqui se fala em federação, ou confederação, vem a mente aquelas do futebol. E mesmo assim, em regime ditatorial, quase como exercício de reinado.
O Brasil tem o modelo federativo mais centralizador do mundo e a centralização impôs a existência de um sistema controlado com argúcia e rigor pelas oligarquias regionais. Mais de 70% de tudo o que os brasileiros pagam de taxas e impostos vão parar nos cofres da União. Para não morrerem à míngua, os municípios elegem deputados e senadores e os mandam à Brasília para trazer de volta o dinheiro que serve para a construção da ponte e da escola. De emenda em emenda orçamentária, parte considerável desse dinheiro é desviada por corruptos e corruptores. Mídia nunca desce às causas da corrupção 29/9¹2011
Viramos súditos, obedientes, subservientes a um comando central cada vez mais distante, até para não ser alcançável.
Para Michaël Zöller, sociólogo alemão da universidade de Bayreuth, o que se chama de Estado é certamente um sistema de interesses pessoais organizados, uma Nova Classe. Como todos nós, sua ambição é aumentar a remuneração e a autoridade. Como classe, ocupam-se, pois, a desenvolver seus poderes, suas intervenções e sua parte no mercado, isto é, a apropriação pelo setor público dos recursos nacionais, operada através do imposto sobre a sociedade civil. SORMAN, G. :74.
Diante da disparidade de forças,  experimentada pelos destemidos paulistas de 1932, é muito fácil aos comandos centrais paulatinamente aumentarem impostos e determinarem leis de exclusivo interesse de sua casta, de maneira que hoje temos um sistema tributário multiplicadamente mais pesado do que dos tempos em que todos éramos simplesmente colonos.
Se alguns homens são outorgados por direito aos produtos do trabalho de outros, isso significa que esses outros estão privados de direitos e condenados ao trabalho escravo. Qualquer direito alegado de um homem, que necessita da violação dos direitos de outro, não é nem pode ser um direito. Nenhum homem pode ter o direito de impor uma obrigação não escolhida. RAND, Ayn, cit. PIPES, R.: 338  
Eis a razão fundamental do inegável e grandioso atraso da América do Sul, em todos os sentidos.
Propalava-se que o salário mínimo, por exemplo, não poderia ser igual no Acre e na avenida Paulista; Evidente. Então, o governo central, não as entidades locais, estipulou salários regionais, deste modo mais uma vez impondo sua vontade, e por isso, sempre arbitrária. Várias leis são compatíveis com alguns habitantes deste imenso território, enquanto a outros parece bizarro, estranho. Mas não é este o detalhe mais desrespeitoso. O problema essencial reside no sistema tributário e financeiro, que obriga a todos marcharem dentro dos containers do imenso trem da alegria composto pelos maquinistas de nossa insana viagem. "As corporações centralizadas e autoritárias têm fracassado pela mesma razão que levou ao fracasso os estados centralizados e autoritários: elas não conseguem lidar com os requisitos informacionais do mundo cada vez mais complexo que habitam." (FUKUYAMA, F., 2002: 205)
Fala-se em novo pacto federativo. Ora, este pacto é o que cria o Estado; portanto, não pode ser produto dele. Não há pacto viável quando o Estado já exerce o domínio sobre tudo e sobre todos. "O fato de, no Brasil, o Estado ter se organizado antes da sociedade, impondo-se sobre esta, teria sufocado processos autônomos de organização cujo resultado se via na debilidade da sociedade civil." (COSTA, V.: 33 ) O que poderia haver seria uma concessão, por parte do governo central, aos pleitos regionais. Apenas isso.  Não há como negociar nennhum pacto com povo rendido. Que pacto poderia nascer entre alemães e norteamericanos e russos, senão que a divisão da Alemanha entre os dois vencedores?
O terceiro princípio vital para a política do amanhã visa a quebrar o bloqueio decisório e colocar as decisões no lugar a que pertencem. Isso, que não é simplesmente um remanejamento de líderes, e o antídoto para a paralisia política. É o que chamamos de ‘divisão de decisão’. CHARDIN, Teilhard, cit. FERGUNSON: 48
A solução federativa tão ansiada, cada vez mais aclamada por intelectuais, economistas, juristas, jornalistas capitães de indústria, ruralistas, cidadãos em geral conserva o melhor aspecto da utopia. Somente, talvez, se houvesse uma rebelião generalizada dos governadores, todos com seus estados comprometidos com gigantescas dívidas junto à União, apenas por aí seria apurada uma reforma do sistema político-administrativo nacional. Esbarramos, todavia, numa obviedade: os governadores, por militantes de partidos nacionais, não estão à serviço de seus coestaduanos, mas de quem hierarquicamente se coloca com superior - o poder nacional. Dessarte os governadores dão de ombros a seus prefeitos, jogando a culpa no governo federal,fazendo com que Brasília se torne a meca das romarias citadinas:  Marcha dos Prefeitos  Os próprios governadores insistem em renegociarem as dívidas (todos os estados devem à União) como seo dinheiro da União não fosse dos estados. Parece-me completamente ilógica, de uma carência de consciência inimaginável, a posição impotente, para mim alienada mesmo, dos governadores. A hipertrofia do poder artificial, tornado real pelo consentimento, vê-se flagrante até mesmo na interferência ou a tentativa de interferência nos diretórios municipais às escolhas dos candidatos e alianças à próxima legislatura. Isto nada tem a ver com democracia, mas com oligarquia, um neofascismo. "A centralização favorece uma minoria, empobrecendo a massa." (H.C. Carey, cit. Hugon, P., História das Idéias Econômicas: 420) Em nome de que um morador de Brasília deve impor os candidatos ao restante do país?
Numa de suas visitas à neta, a bondosa governanta do país anunciou a "doação" de R$1 milhão para que Porto Alegre estenda um metrô do centro para um bairro. Da benevolência várias perguntas se impõem: :que diferença faz ao país, ao Estado, ou à Nação a capital do Rio Grande do Sul ter ou não ter um metrô? E como a União nada produz, de onde ela tirou tamanha verba? Por acaso despiu o Piauí paa vesti a gauchada? Ou a cifra oferecida é fruto do suor dos próprios gaúchos, que se viram extoquidos pelos impostos federais, e assim recebem um troquinho cala-boca? Isso era apropriado aos primórdios do XIX; passados dois séculos de letargia, nada disso se coaduna com o ritmo de nossa era.  "A época moderna pode ser considerada como fim da história, se tomarmos ‘fim’ no sentido de ‘telos’ coletivo da humanidade. Cumprindo esse ‘telos’, não haveria outros fins universais e sim individuais ou particulares. Isso representaria a possibilidade da multiplicação indefinível dos fins.". (FUKUYAMA, F., O fim da história e o último homem) "Essa nova civilização tem sua própria e distinta concepção de mundo, maneiras próprias de lidar com o tempo, o espaço, a lógica e a relação de causa e efeito." ( ORMEROD, P., 1996: 194)
Estacionado o velho trem, retirada a carga, podemos optar por pequenos, ágeis e versáteis supercondutores de não-matéria, individuais ou não, mas em consonância com a complexidade, leveza e imensidão do Universo .O novo código excede a padronização, a sincronização, a centralização. Suplanta a concentração da energia, do dinheiro, do poder.
Como criar organizações que continuem vivas? Como criar organizações que não nos sufoquem com seus ditames de controle e obediência? A resposta é clara e simples. Precisamos confiar no fato de que nós temos a capacidade de organizar a nós mesmos e precisamos criar condições que favoreçam o florescer da auto-organização. WHETLAY, Kellner-Rogers, Um caminho mais simples: 58
"Cada forma de vida inventa seu mundo (do micróbio à árvore, da abelha ao elefante, da ostra à ave migratória) e, com esse mundo, um espaço e um tempo específico." (LÈVY, PIERRE, cit. PELLANDA e PELLANDA: 118) BRUNO LATOUR (Das Sociedades Animais às Sociedades Humanas; cit. WITKOWSKI: 207) apresenta sua contribuição:
Depois do livro do americano Edward O. Wilson, Sociobiology e dos ensaios do inglês Richard Dawkins, os geneticistas das populações, assim como os especialistas em insetos sociais, procuraram compreender a organização social a partir dos interesses individuais. Não existe o formigueiro; só existem as formigas. Não existe a espécie; só existe o indivíduo. Falar de um sacrifício pelo grupo é, portanto, uma impossibilidade - pelo menos se estudarmos a evolução darwiniana dos caracteres sociais. Era preciso repensar a sociedade animal como a resultante do cálculo dos indivíduos e não mais como um vasto sistema dentro do qual os animais nascem e morrem. Esta revolução entre os animais assemelha-se às revoluções que as ciências políticas conheceram duzentos anos antes.
Recentemente estive no Uruguai durante alguns meses. O vizinho encanta pela civilidade e cordialidade do povo, pela inexistência de crimes, por suntuosas construções, excelente infraestrutura de transportes, saúde, qualidade de vida e  razoável educação pública. Tem muita tradição. Quando Einstein desceu em Montevidéo, ficou espantado com os cachorros: eles latiam sentados. Os orientales dependem das economias argentina e brasileira, desde o forte turismo, passando pelos insumos e maquinários agricolas, e de resto o abastecimento em geral. Contudo, curiosamente, não apresentam sobressaltos econômicos, tampouco desequilíbrios comerciais. A ,moeda corrente é o peso, que por verdadeira expressão, pode tolerar contratos, depósitos e transações estipuladas em dólar. .  O país tem uma dimensão e até mesmo uma configuração muito assemelhada com o Rio Grande do Sul.  O clima é semelhante, mas a topografia riograndense, por mais diversificada, com serras, lagoas e rios navegáveis, é muito mais favorável ao crescimento econômico e social. A população do estado brasileiro sobrepuja em quase dobro o comparativo. No entanto, arrisco ser radical, para melhor ser entendido: não há praticamente nenhum setor de desenvolvimento que os gaúchos, em maior número, logrem bater os gauchos.  Advertiram-me que não posso comparar um país com um estado. Por que não? Seria talvez porque um país tem maior autonomia, e por isso se desenvolve melhor? Então, por qual minerva devemos continuar num sistema que nos impede de estendermos nossas asas? Vejamos, então, pelo prisma requerido. A área e a população que corresponde ao Brasil se equivale à América Espanhola. Esta foi dividida em vários países, enquanto o Brasil conservou a unidade. Verifiquemos os PIBs de ambas áreas. Evidentemente obteremos melhor resultado com a soma de Argentina, Venezuela, Perú, Colômbia, Chile, Uruguai, mesmo Bolívia, Equador e Paraguai. Exceto dois, os demais evoluem em condições muito mais adversas, porquanto dotados com desertos e ainda tendo os Andes como obstáculo, a estupenda cordilheira de impossível proveito. Em 2011, o Brasil cresceu 2,7% e em 2012 não deverá atingir 2%. Argentina, Chile, Peru, Colômbia, México, crescerão entre 4% e 5%. O Brasil disputa a rabeira com Paraguai e Bolivia.

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