sexta-feira, 13 de julho de 2012

Gramsci e o declínio do Ocidente

 Estimo que nada ha influido más sobre el corazón del mundo moderno que los escritos y la consiguiente estrategia gramsciana.
La influencia de Antonio Gramsci: Trampas del igualitarismo
Alberto Benegas Lynch (h)
(10 de julio de 2012)

Venho insistindo há tempos que por detrás da crise atual econômicofinanceira vige uma crise de paradigma civilizatório. De qual civilização? Obviamente se trata da civilização ocidental que já a partir do século XVI foi mundializada pelo projeto de colonização dos novos mundos. Este tipo de civilização se estrutura na vontade de poder-dominação do sujeito pessoal e coletivo sobre os outros, os povos e a natureza. BOFF, Leonardo, Zen e a Crise da Cultura Ocidental

Marx convocara os operários do mundo a se unirem frente aos malvados patrões. Os bolcheviques se entusiasmaram, e chacinaram milhões, tomando-lhe as terras, e a produção .No ano seguinte, as profecias de Oswald Arnold Gottfried Spengler (1880 -1936) catalizaram os debates historiográficos, filosóficos, sociológicos, e políticos da intelectualidade européia. The Decline of the West atingiu cem mil cópias vendidas. (RICHARD, Lionel, A República de Weimar (1919-1933): 247) Se o futuro parecia assombroso, e a U.R.S.S  evidenciara, pior se tornaria pelo convencimento da negritude pintada:
O Declínio do Ocidente (1918) de Spengler, que pretendia reconhecer a ascendência morfológica da vida sobre a razão e do dinheiro e da máquina sobre a cultura e o indivíduo, atraiu intelectuais revoltados com os Estados Unidos por ser uma 'civilização comercial' puritana. Nos anos trinta, o texto de Spengler foi escolhido como um dos dez 'livros que mudaram nossa mente'. DIGGINS, J.P.:42
O jogo de forças concebido em universo todo dialético fêz-se convincente apelo, oportunidade jamais tão latente para que gangsters, fantasiados de heróicos príncipes, ascendessem ao poder...A condenação da burguesia, tratada por Marx de modo explícito, motivava ódios recíprocos. Tudo legitimava a sordidez de comunistas internacionalistas, sociais-nacionalistas e, em seguida, a reação por fascistas, nazistas e simpatizantes:
A idéia fundamental desses movimentos (os quais, com base no nome mais grandioso e ferrenhamente disciplinado deles, o italiano, podem ser designados, em geral, como fascistas) consiste na proposta de fazer uso dos mesmos métodos inescrupulosos na luta contra a Terceira Internacional exatamente como esta faz contra seus oponentes. (BOBBIO, N., Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil: 27)
No mesmo 1918 Le journal de Geneve publicava um artigo do Prof. Paul Seippel detectando “a grande onda revolucionária vinda do Oriente propagando-se na Europa, passando pelas planícies alemãs e vindo quebrar ao pé dos rochedos dos nossos alpes”.(3)  No ano seguinte, a revolução socialista alemã tentaria implementar o despotismo bolchevique, o Der Sozialismus:
Em Munique centenas de trabalhadores ocuparam estações ferroviárias e praças, enfrentando um exército de soldados e policiais. Arames farpados e barricadas brotavam por toda a parte, enquanto rajadas de metralhadoras varriam as ruas. Os vizinhos se acusavam mutuamente: 'Seu maldito bolchevique!' Ninguém estava a salvo dos delatores. Os revolucionários presos eram tratados como traidores. Em questão de semanas, os membros da Guarda Vermelha perceberam que haviam perdido sua mal concebida tentativa de tomar o poder; mas render-se significaria possivelmente enfrentar um esquadrão de fuzilamento. A loucura continuou assolando as ruas. DIGGINS, J.: 271.
Há década do desenlace nazista, o atento professor Paul Seippel captava seus prenúncios: “Na Alemanha o socialismo está impregnado do mesmo espírito despótico. O militarismo prussiano é o irmão inimigo do marxismo”. (SEIPPEL, P., cit. SOREL, G., Reflexões sobre a Violência, apêndice III: 314
Enquanto numa estação daquela mesma Munique um botequeiro rabiscava o projeto do trem que iria transportar a explosiva carga nazista, numa plataforma abaixo dos Alpes a locomotiva era ligada por outro néscio defensor da “pátria, da família e da tradição”.
Com a derrota na I Guerra, o ex-Jardim do Império vinha novamente dividido. O governo parlamentar se apresentava corrupto ou/e temperado com ignorância. A monarquia não era honrada. A Igreja separada do Estado desde 1871, ansiava por uma oportunidade de retorno ao poder, preocupação constante dos discursos dominicais. Os serviços públicos se deterioravam. As atrocidades russas chegavam estampadas pelos periódicos, e a vizinha Alemanha desmonstrava ao mundo como a bestialidade poderia se propagar. A sobrevivência da Bandeira e da família de cada um dependia do arrojo e determinação de governantes e aquiescência de governados, eis o grande desafio.
O que veio depois da Revolução Francesa, como forma moderada de instauração do Estado moderno, só provocou decepção. Antônio Gramsci leu Maquiavel e Vico, Mosca e Croce para retratar o dilema. Debitou o insucesso a falta do legítimo condutor: “No Risorgimento italiano pode-se notar a ausência desastrosa de uma direção político-militar.”( GRAMSCI, cit. FARIA, Maquiavel, a Política e o Estado Moderno:52
Gramsci queria um Napoleão à la italiana. Mussolini não apresentaria a mesma destreza, mas isso, conforme Gramsci, poderia ser dispensável: “O Príncipe moderno, o Príncipe mito, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto - ele só pode ser uma organização.” (GRAMSCI, A., cit. JOHNSON, P.: 78) Recém passados a brutalidade e o massacre oferecidos pela I Guerra, pela Revolução Proletária Soviética de 1917 e por sua prima, decapitada em 1919 na Alemanha, apareceu o gajo pedido por Gramsci, aquilo que os espíritas chamam de carma, o osso duro, a carga pesada que o pacato e alegre povo italiano haveria de suportar por mais de vinte anos: “Mussolini aparece no partido socialista como um verdadeiro chefe. Se tivesse prosseguido, nada o teria diferenciado de um comunista vermelho.” (FARIA, Octávio, Machiavel e o Brasil: 99) Mussolini se iniciara jornalista para lançar o jornal Avanti, de cunho flagrantemente marxista. Em seguida  assumiu a direção do  jornal Popolo d'Itália.. Ainda havia a publicação do semanário Ordine Nuovo, uma série de artigos condensados de vários expoentes que almejavam reconhecimento popular. Por um lado o italiano propugnava o uso das armas, por outro, tal qual   Che Guevara, não podia perder a impressão de ternura, sob pena de também perder o afeto do povo. Na virada ao XX  a nação  se compunha de analfabetos, excluídos da política e da cultura do país.Gli intellettuali e l´organizzazione della cultura, censurava nos intelectuais italianos o cosmopolitismo e a falta de relações com o povo. Então critica cultura italiana, por apartada da população em geral. Dante, Petrarca, Boccaccio, os humanistas, Ariosto, Tasso, Parini, Goldoni, Alfieri, Foscolo, Leopardi, Manzoni, Carducci, seria apenas uma "pequena classe de letrados para ser lida por pequena classe de amadores."
La via sovietica alla conquista del potere e la via italiana aperta da Gramsci”,  expõe um  comunista libertario da democracia operária. Com o rótulo ele se apresenta ao proletariaso para articular os consigli di fabbrica, pretensamente destinados a ocupar, explorar e administrar as empresas industriais ainda sob regime capitalista, claro.  No último quarto de 1920, todavia, os fascios já se organizavam de modo a suplantar as divididas esquerdas. Gramsci (Cit. COUTINHO, C. N.,  Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político: 29) .começou a se preocupar quando um importante braço se juntou com seu "Príncipe": "Também no Partido Fascista existem sintomas evidentes da podridão social-democrata."  
Seu irmão Mário não titubeou em se integrar no estupendo movimento de Mussolini. Antônio reagiu fundando o Partido Comunista da Itália, como se o comunismo se resignasse em ser apenas partido, e não totalitário. Elegendo-se deputado, o acesso às gráficas oficiais estava plenado, momento para lançar o um informativo diário, desta feita expressando suas reais intenções - L´Unità. Tarde demais. Mussolini já tinha puxado para si o arrastão. ao compor a simulada democracia projetada por Gramsci com os "sociais democratas", e os sindicalistas de George Sorel:
Em todas as sociedades a desigualdade é a regra: a democracia não passa de uma ilusão ou de mistificação, porque é impossível. Em toda a parte e sempre o poder é exercido por uma minoria restrita que se impõe às massas. A escola maquiavelista considera fundamental e inelutável essa distinção entre o pequeno número de poderosos e a massa. SOREL,  G., cits. SCHWARTZENBERG, R.-G., Sociologia Política: 226.
Gramsci e Sorel reuniuram o rebanho, ao gáudio de Mussolini: "Temos o direito de esperar que uma revolução socialista levada a cabo por sindicalistas puros não seria maculada pelas abominações que mancharam as revoluções burguesas." (SOREL, G., Greve Geral Política:12) Numerosos intelectuais vinham se perfilando junto ao habilidoso golpista. Benedetto Croce, Jean Cocteau, Luigi Pirandello, Giovanni Gentili, James Burnham, W. B. Yeats, T. S. Eliot e Filipo Marinetti, assim como os verdadeiros intelectuais do fascismo - Charles Maurras, Louis-Ferdinand Celine, Ezra Pound, até mesmo Oswald Spengler e Martin Heidegger. emprestavam-lhe maior e melhor guarida do que os dois cabos marxistas, prestes a serem defenestrados depois de cumprirem missão de botos. A pesca seria farta. Na espetacular guinada o Duce rendia as homenagens... "É a Sorel que mais devo. O fascismo será soreliano” (MUSSOLINI, B., cit. CHEVALLIER: 359)
Como no judô, o espertalhão aproveitava o embalo marxista para, no meio da marcha, desvirtuá-lo ao fanatismo nacionalista, golpe visivelmente maquiavélico. Em fins de 1924 Mussolini declararou a plena ditadura fascista. Os trens partiam no horário, muitos com destino ao além. O veneno extraído na efêmera passagem pelo campo vermelho era efetivo contra os males da cobra: “Contra a revolução comunista que um acaso apenas fizera falhar na sua primeira tentativa de tomar o poder a Itália de Mussolini ensinou que só havia um remédio: a revolução fascista.”(SCHWARTZENBERG, R.-G.,, Estado Espetáculo: 249.)10)
Bobbio explica: "A 'catástrofe' Revolução de Outubro (evento produzido por uma vontade coletiva consciente) não pode ser remediada senão com a 'catástrofe' contra-revolucionária (não por acaso os pródomos do fascismo na Itália são as 'squadre d´azione': comunismo e fascismo se convertem um no outro." (Esquerda e Direita, Razões e significados: 55.) O arrastão pacientemente tecido e costurado por Gramsci era atirado de súbito sobre a população completamente atônita.
O Estado transcende a vida pública e abarca as mais diversas manifestações de atividade social: a vida familiar, econômica, intelectual, religiosa, etc. Sua indiscrição é completa. Penetra no interior das famílias e das empresas; desce até ao segredo das consciências; julga as intenções e abstenções; retira todo o sentimento ao qualitativo privado e arrasa alegremente o famoso 'muro' simbólico tão penosamente edificado pelo direito do século XX. Sendo controlador o Estado torna-se o único motor social. Dirige o trabalho, mas ocupa-se também dos tempos após o trabalho - dopo lavoro: proíbe certos espetáculos e incita a que assistam outros; são criadas colônia de férias para as crianças e viagens de núpcias para jovens casais; ordena que usem chapéu de palha e que desçam a bainha dos vestidos. Opõe a autonomia do indivíduo liberal, que ele julga irrisória às vantagens da poderosa solidariedade orgânica que ele realiza. Não se limita a enquadrar e apoiar a nação, confunde-se com ela. MUSSOLINI, B., Opera omnia.
 Os trens partiria no horário, sim senhor... destinados ao além. Para Antônio Gramsci restou o calabouço; e por fim, a prematura morte, em vésperas do Ano Novo. O Duce findou na década posterior, mas o legado de ambos foi contrabandeado para enredar nosotros, macaquitos brasileños, em mar-de-lama sem fim. 
O moderno esquerdista brasileiro, essa contradição em termos, esse Jeca Tatu com laptop, tem ainda em Antonio Gramsci (1891-1937) a sua principal referência. O comunista italiano é o parasita do amarelão ideológico nativo. Parte da nossa anêmica eficiência na educação, na cultura, no serviço público e até na imprensa se deve a essa ancilostomose democrática. Gramsci, o parasita do amarelão ideológico
Uma escala no atoleiro pode ser comprometedora, além de enfadonho por lugar comum, mas parece mister pelo menos um  sobrevôo  de reconhecimento da "podridão social-democrata" daí gerada, e da inédita e gigantesca crise econômica, vertiginoso declínio do Brasil.  
Pela terceira vez atinge-nos a atualidade do pensamento gramsciano; e seu universalismo, válido para toda a gente fora da Itália. A primeira vez foi o exemplo da resistência contra a ditadura terrorista. A segunda vez: a alienação da intelligentsia e a necessidade de sua reconstrução em bases nacionais. Agora, na terceira vez, pensamos no latifúndio, na miséria, na democracia formal e na necessidade de uma radical reforma agrária, reconhecendo: aquilo que na Itália é o Sul, isto é, exatamente, no Brasil o Nordeste. Gramsci e o Brasil
Famosa pelo chopp do Pinguim, e ultimamente por ser a cidade natal do ultra-corrupto ex-Chefe da Casa Civil, Ribeirão Preto realizou o  Seminário Gramsci , dentro da VII Semana Gramsciana. O tema tratava da "Democracia no século XXI”. Associram-se ao seminário a AAMCOUGT (Associação Amigos do Memorial da Classe OperáriaUnião Geral dos Trabalhadores) e o Pontão Sibipiruna de Cultura. Quo vadis? O script  original não dá margem a maior variação, e o sádico renascentista reservou um final melancólico, de preferência trágico, ao seu astro principal, justamente para o deleite da platéia.  
O homem mau sente-se bem, até quando o mal não der frutos. Mas quando o mal se frutificar, o mau, sim, o mal sentirá. Darmapada: 66.





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