terça-feira, 16 de março de 2010

A calamidade do Estado

Mas o Estado mente em todas as línguas do bem e do mal, e em tudo quanto diz mente, tudo quanto tem roubou-o. Além onde acaba o Estado começa o homem que não é supérfluo.
NIETZSCHE, F., Assim falava Zaratustra: 38

O estado deseja, antes de tudo,
fazer-nos sentir que somos incompetentes.
CHOMSKY, Noam

Apreciei obras de LOCKE, MONTESQUIEU, ADAM SMITH, TOCQUEVILLE, BAKUNIN, ROSSELI, entre vários outros;
também as de
SPINOZA, PAINE, KELSEN, POPPER, BERGSON, BOBBIO, ORTEGA Y GASSET, de certo modo até de MARX, por vislumbrar além-fronteira..
E NIETZSCHE. Embora utilizado para alavancar os germânicos ao rumo do precipício, o irmão de ELIZABETH estava mais perto do marxismo do que do nacionalismo apregoado. ZARATUSTRA não teve meias palavras para designar o Estado como um ente abjeto, vil por todos os meandros, só comparável à perfídia religiosa. Curiosamente a genuína contundência levou à desconfiança dos propósitos, a presumir insanidade. Ficou apenas o fragilizado registro, e depois até subvertido. BISMARCK arregimentou o II Reich para retaliar os descendentes de NAPOLEÃO. Milhares de famílias dos operários que acreditaram no intuito assistencialista e marcharam felizes aos campos talados de canhões, receberam as homenagens e reconhecimento com alguma pensão compensatória ao infausto provocado.
EINSTEIN (cit. ALMEIDA, M. O., A Ação Humana e Social de Einstein: 65; TRATTNER: 75) fez questão de protestar:
Para mim, o elemento precioso nas engrenagens da humanidade não é o Estado, é o indivíduo, criador e sensível, a personalidade; é só ela que cria o nobre e o sublime, enquanto a massa permanece estúpida de pensamento e estreita nos sentimentos.
Tampouco foi de alguma serventia o estardalhaço de SPENGLER, ao vaticinar o Declínio do Ocidente no clamor dos distúrbios berlinenses que antecederam o nazismo. A resposta foi a enxurrada de reiches - nazistas, fascistas, soviéticos, socialistas e tudo o mais.
A multidão, de repente, tornou-se visível, e instalou-se nos lugares preferentes da sociedade. Antes, se existia, passava inadvertida, ocupava o fundo do cenário social; agora adiantou-se até às gambiarras, ela é o personagem principal. Já não há protagonistas: só há coro.
ORTEGA Y GASSET, A rebelião das massas: 20
Nos planaltos da Economia, concordei plenamente com as disposições da escola austríaca, mas de resto os economistas sóem reservar ao Estado a prerrogativa da organização social, além da territorial-administrativa, e policialesca. Na ótica platônico-hobbesiana, revigorada pelo pragmatismo de ROUSSEAU e pela confusão de MARX, remonta ao Leviathan a defesa e promoção da vontade do povo, como se ele, povo, pudesse ter uma vontade apenas, em vez dos peculiares desejos de cada uma das milhões de cabeças que o compõe. Mas a ideologia reza que eles podem ser enfeixados em torno da maior importância, e assim logra seu êxito. Eis o maior mito pelo qual padece a civilização.
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor.
PIPES, R.:251
.
Ou na mais antiga percepção:
"A verdade é que não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder."
(TOLSTÓI, Leon, A escravidão de nosso tempo, 1900, cit. WOODCOCK, G.:106)
O princípio da maioria democrática chancela o igualitarismo, fenômeno paradoxal à Ética e mesmo ao Estado de Direito:
"A idéia de igualdade é contrariada por diversidades de dois tipos distintos: 1) a heterogeneidade básica dos seres humanos e 2) a multiplicidade de variáveis em cujos termos a igualdade pode ser julgada." (SEN, Amartya, 2001: 29)
A capacidade de avaliar e respeitar essas complexidades, peculiaridades, é o que menos vem ao caso. Dessarte o precioso zenith da democracia se faz turvado no berço, no prevalecimento da força numérica sobre o singular. Tudo repousa no singelo preconceito: vox populi vox dei, a ilusão de que “há mais cultura e mais sabedoria em muitos homens reunidos do que num só”, exceto em raríssimos casos, estes circunscritos aos cientistas. O Direito assim é docilmente envergado - não depende de qualificação, de sapiência, de reflexão, mesmo de cientificidade, até de viabilidade fática, de preservar algum costume ou tradição. O número é suficiente para superar qualquer letra, ou presunção.
As repúblicas existem em grande número nos jovens civis que acreditam que as leis fazem a cidade. Para eles, graves modificações da política, dos modos de vida e trabalho da população, do comércio, da educação e da religião podem ser feitas e desfeitas por meio do voto. Acham que, desde que se obtenham as vozes necessárias para torná-la lei, qualquer medida, mesmo absurda, pode ser imposta às pessoas. Mas o sábio entende que a legislação tola é como um nó de areia que se desmancha ao ser feito. Entende que o Estado deve seguir, não liderar o caráter e o progresso do cidadão, e que a forma de governo que prevalece expressa o refinamento cultural da população que a permite. A lei é apenas um memorando.
EMERSON, Ralph Waldo, Politics

DEAN RAPPARD chamou a atenção à faina por justiça, cacoete disseminado que enseja o gigantismo estatal:

O eleitor britânico, por exemplo, apóia a taxação confiscatória das altas rendas basicamente na esperança que isto irá se reverter em vantagens materiais, ou na certeza de que isto tende a reduzir indesejadas e irritantes desigualdades sociais? No geral, a ânsia por igualdade em nossas democracias modernas não é frequentemente mais forte do que o desejo de aumentar a própria fortuna material? Tanto quanto é impossível estabelecer parâmetros à noção de Justiça, ou brecar o crescimento da criança, não há como limitar o poder do Estado.
RUSSELL (Ensaios céticos: 121) já oferecera mordazes críticas ao método eleitoral e a representação daí proveniente:

Uma das peculiaridades do mundo de língua inglesa é seu imenso interesse e crença nos partidos políticos. Uma grande percentagem de seus habitantes acredita realmente que todos os males dos quais padecem seriam curados se um determinado partido político estivesse no poder. Esta é a razão do balanço do pêndulo. Um homem vota em um partido e permanece infeliz; ele conclui que era o outro partido que traria um período de felicidade e prosperidade. No momento em que estivesse desencantado com todos os partidos, já seria idoso à beira da morte. Seus filhos teriam a mesma crença na juventude e a oscilação contínua.
Dono de peso, alcance e força incomensuráveis, o panzer jurássico tomado pela politicalha vencedora ao simples rodar esmaga, sem-cerimônia, qualquer formigueiro:
Quanto mais os poderes coercitivos do Estado são expandidos além dos limites apreciados pelos teóricos do laissez-faire, maior o poder e a riqueza que se acumulam para a casta dominante que opera o aparato estatal. Conseqüentemente, a casta dominante, ansiosa por maximizar seu poder e sua riqueza, irá expandir o poder do Estado e irá encontrar apenas uma oposição pífia, dada a legitimidade que ele e os seus aliados intelectuais estão ganhando, e dada a falta de qualquer canal institucional de livre-mercado de resistência ao monopólio governamental de coerção e de tomada de decisão final.
ROTHBARD, Murray, A ética da liberdade, cap. 23:
As contradições inerentes do Estado
"Um monopolista não tem incentivos para melhorar a qualidade de seus serviços nem para reduzir seus preços, pois não tem competidores." (BOTER, Albert Esplugas, É viável o anarcocapitalismo? 16/3/2010)
Cada ponto do planeta é dominado por uma organização estatal, na prerrogativa exclusiva do exercício compulsório sobre os habitantes. Obtemos a mistura da tolice com a estupidez:
"Não é a timidez - ou mesmo a ausência - do governo o que permite que a violência prolifere em bairros pobres infestados de traficantes. O que permite esse desvario é justamente o exercício governamental do seu monopólio sobre o uso legítimo da força." ( O problema com as favelas do Rio é o excesso de estado. www.mises.org.br, 16/3/2010)
O que se faz evidente é o conluiu, a repartição da pizza monopolista:
Sempre que penso nas alianças e disputas na política libanesas, me lembro do filme 'O Poderoso Chefão'. Inimigos se tornam aliados, antigos amigos passam a se matar e, após inúmeras baixas, todos se sentam à mesa para definir a nova divisão do poder.
CHACRA, G., Diário do Oriente Médio http://blog.estadao.com.br/blog/chacra
Teimar com o desmanche da arataca, o afã de convencer pela lógica, pela ciência, ou por qualquer apelo humanístico, entretanto, parece não possuir o menor fundamento. Quiçá por isso, até a ciência é tomada como utopia; e a metafísica, sabedoria.
“A guerra significa o Estado no seu mais efetivo crescimento e elevação; significa política.” (SCHELER, Max, cit. POPPER, K., A sociedade aberta e seus inimigos: 78)
De fato, basta passar os olhos nas notícias de hoje para se obter a confirmação do fiel cumprimento desse magnífico ideal.
Em
Common Sense, (The Complete Writings of Thomas Paine, P. Foner, ed. New York: Citadel Press, 1945, vol. 1: 13) TOM PAINE identifica:
Se pudéssemos retirar a cobertura turva da antiguidade e rastrear o princípio de suas origens, não encontramos nada melhor que o principal rufião de alguma quadrilha turbulenta cujos modos selvagens ou a astúcia superior lhe valeram o título de chefe entre os saqueadores e que, ao aumentar seu poder e estender o campo de suas depredações, intimidou as pessoas pacíficas e indefesas a comprar sua salvação em troca de tributos freqüentes. A pele não mudou nem com o tempo.
Tal precisão pode ser bem aquilatada entre nós. O Brasil continua avançando, sobre o dorso e no bolso do cidadão. A evolução da carga tributária brasileira pula de 27,47% em 1997, para 35,84% em 2002 e a 36,2% em 2008, num salto exorbitante de 16 pontos percentuais.
Tanzi foi feliz ao vincular os problemas econômicos aos sociais, resultantes da alta participação do estado e da exorbitante carga tributária. Não há como ignorar que acabem desandando em custos sociais de monta, em que o desemprego é o menor deles. A população fica num estado ebulitivo, pronta a explodir em situações aparentemente normais ou insignificantes, seja no lar, no trânsito, no futebol ou junto a amigos.
PERINGER, Alfredo Marcolin, O impostômetro e o caos social
Assim retroalimentadas as justificativas, amplia-se paulatinamente a produção de leis, decretos, contra-decretos, medidas e desmedidas ações e atuações. Multas, autos-de-infração, processos de toda ordem recaem sobre o povo e a produção. O Direito, outrora balizado pela natureza e pela tradição, vira objeto de esperteza e meio de pungar ainda mais o cidadão. Inventa-se códigos de menor, de mulher, de consumidor, de futebol, de trabalho, de trânsito, de aviação, de comunicações, consolidações, portarias, pacs, proers, promer, etc., fora a esdrúxula constituição, engenharias legitimadoras de veladas intenções, as quais não requerem pudor para violar costumes, vontades, princípios éticos, jurídicos, econômicos, comerciais e filosóficos encerrados por séculos de estudos e hábito social. Não é nosso privilégio. Seja na Venezuela ou na Bolívia, na Argentina, ou Paraguai, até no EUA, França ou Itália, e alhures, onde quiser constatar, a razão de Estado é por demais irracional:
Torna-se communis opinio que quem detém o poder e deve continuamente resguardar-se de inimigos externos e internos tem o direito de mentir, mais precisamente de ‘simular’, isto é, de não fazer aparecer aquilo que existe, e de ‘dissimular’, isto é, de fazer aparecer aquilo que não existe.
BOBBIO, N.: 372
O Estado é desumano; e por isso, imbatível. Cristaliza-se, pois, o enorme dilema:
"Quanto mais as economias mundiais se integram, menos importantes são as economias dos países e mais importantes são as contribuições econômicas dos indivíduos e das empresas particulares." (NAISBITT: 264)
Nesta perspectiva, os problemas de relação entre o homem e o Estado revestem um significado completamente novo. Não se trata mais de saber se a ditadura é preferível à democracia, se o fascismo italiano é superior ou não ao hitlerismo. Uma questão muito mais vital se coloca, então, a nós: o governo político, o Estado, será proveitoso à humanidade e qual é a sua influência sobre o indivíduo?
GOLDMAN, Emma, O Indivíduo na Sociedade .
Como criar organizações que continuem vivas? Como criar organizações que não nos sufoquem com seus ditames de controle e obediência? A resposta é clara e simples. Precisamos confiar no fato de que nós temos a capacidade de organizar a nós mesmos e precisamos criar condições que favoreçam o florescer da auto-organização.
WHETLAY, Kellner-Rogers, Um caminho mais simples: 58
Doravante cogito divagar apenas pelas nuvens,

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