sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Medo incutido, obstáculo à personalidade



O medo faz parte da vida da gente. Algumas pessoas não sabem como enfrentá-lo, outras - acho que estou entre elas - aprendem a conviver com ele e o encaram não como uma coisa negativa, mas como um sentimento de autopreservação. AYRTON SENNA
.Irônica e infelizmente, o tricampeão teve a intuição, mas não lhe atendeu. No afã de superar o medo, como se ultrapassa um contendor, lá se foi junto a prudência, em troca da fatalidade. Minutos antes do start, um sério e indagativo AYRTON fixava o olhar, em pé, escorado no aerofólio. Era certo que algo mais lhe preocupava além da prova em si, como também pareceu óbvio que o receio se localizava no próprio carro. SENNA esqueceu o medo, que nunca demonstrou possuir, porém mais do que que isso, não atendeu seu próprio sentimento. Pelo medo, digo pelo desafio de superá-lo, ele embarcou à viagem fatídica. Faltou-lhe a prudência, num momento ultradifícil, é certo, dela prevalecer, esta que se diferencia do medo, que se refere à emoção, enquanto aquela é manifestação de inteligência; portanto, de personalidade.Engraçado é que antes de tudo Ayrton era inteligente, e personalidade, convenhamos, ele tinha de sobra, mas frente à uma escuderia inteira, e multicampeã, como se posicionar? Tem um agravante nessa história. Nosso campeão estranhou de cara a nova equipe.
Admito qualquer crítica, mas ouso sentenciar: o que faltou naquele instante ao grande campeão não foi propriamente algum medo, muito menos coragem, mas justamente personalidade, acreditar em seu instinto.O carro não estava confiável. Ele estava absolutamente só,concentrado, mas olhando o aerofólio, parecendo  na procura de algum defeito,  empenhado na resolução de um enigma, para desfazê-lo.  Cadê a equipe? Algo era muito diferente na Williams. Infelizmente sua genialidade não podia detectar a inconcebível falha na barra de direção.. O inesquecível piloto embarcou no carro-fúnebre. Para mim, sabotado.
* * *
Não há nenhuma ilusão maior do que o medo,
Nenhum erro maior do que armar-se
Nenhum infortúnio maior do que ter um inimigo.
Quem compreender qualquer tipo de medo,
Estará sempre em segurança
TAO TE KING: 46
“O medo é aprendido. A criança pequena não teme nada. Ela aprende com os pais, ou na prática, que não pode botar a mão no fogo.”
Abordemos, pois, este fenômeno incutido.
Não é mister um conhecimento mais aprofundado para se conceber que o medo tende a produzir efeitos mais devastadores do que preservativos em qualquer personalidade.
O fenômeno estraçalha os nervos, e provoca todo o tipo de reação. Gagueira se faz comum. Uns se põem a rezar. Ajoelham-se implorando clemência. Outros preferem sair correndo. O que foge da raia, produz forfait. Mulheres costumam gritar. Há quem petrefique. Com ele vem tremedeira, o desarranjo, até xixi nas calças. Muitos amarelam; outros ficam brancos. Depois, vermelho-de-raiva.
O medo da derrota condiciona o player; mas a esperança de vitória subestima o adversário. Engraçado acontece com o corrupto, o mentiroso, o bandido: na hora do ato, toma a vítima por trouxa. Em seguida, a fúria retaliadora do remorso lhe persegue, e torna seu medo agigantado. Então tenta se esconder, mas a eloqüência de seu sumiço demonstra a pouca-vergonha, e assim cai na própria armadilha.
A ponte sobre o abismo da refrega é curta, e nada une. Ambas cabeceiras terminam no mesmo precipício. Alguns não medem esforços - não poupam ninguém, muito menos munição para combater o que dizem temer. Qualquer miragem já leva chumbo. Pobre dos animais, dos índios, dos comunistas e barbudos tomados terroristas.
São incontáveis as histórias de profissionais talentosos que estragaram a carreira por causa do medo, assim como são inúmeros os exemplos de pessoas não tão brilhantes que, por saberem administrar bem seus medos, alcançaram posições de destaque na sociedade.
O fóbico tem dificuldade de se relacionar. Não consegue olhar nos olhos do seu interlocutor, paquerar, conversar naturalmente com seus superiores, falar em público, apresentar idéias ou sugestões em reuniões de trabalho, compartilhar tarefas. A característica mais marcante desse tipo de fobia é o medo que a pessoa tem do julgamento dos outros. “O que vão pensar de mim?” Eis o perfeccionista. Como é impossível agradar todo mundo, ele prefere se omitir. Dessa forma, não se expõe em reuniões, não faz apresentações em público, não contesta a idéia dos outros. Isso vai prejudicando o desempenho no trabalho e pode comprometer seriamente sua carreira.
Ademais, o medo é contagiante. Departamentos inteiros podem alterar as expectativas e por conseguintes suas ações apenas em função de qualquer ameaça. Lembro da propalada crise americana, a qual frustrou milhares de investimentos e empregos, apenas pelo receio do colapso mundial. Sempre notei o tamanho da forja, e não me furtei em denunciá-la, mas quem sou eu para tirar uma fundação tão bem arquitetada, e espetacularmente difundida? Pois por falta de personalidade, não por excessso de prudência, vi uma diretoria de uma grande rede de magazines perder uma inédita oportunidade de expandir seus negócios, em plena SP.
Pode-se com segurança afirmar que o medo, tanto quanto a crença, é fruto da ignorância, mas o futuro todos ignoramos. O que nos difere é a capacidade de avaliarmos a tendência, as probalilidades dele colapsar o rumo.
E lá vem o medo da falência, de ser despedido, de tudo o mais, a turvar a mente, e por conseqüência, a personalidade de quem quer que seja.
Também é verdade que, para suplantar o dilema, alguns excedem a tal ponto que chegam às raias da insanidade.
O medo, pois, de qualquer forma tem papel preponderante, e para mim sempre nefasto, na mente do ser humano que lhe concebe, e conserva. Poderíamos traçar algum momento mais propício ao ingresso da anomalia?

Sabe-se muito bem do justo receio que comporta a grávida com a preciosidade que carrega. Não poucas vezes, todavia, este receio é aviltado pela imaginação, mas diz-se que é melhor excesso de zêlo do que sua falta.
Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer que as coisas não pareçam o que são.
MIGUEL DE CERVANTES

DOM QUIXOTE que o diga!
Twingly BlogRank

Ao nascer lá vem o medo da mãe a lhe acompanhar. A criança logo é cercada, literalmente, com cercadinhos. Nos primeiros passos, o coração da mãe pula no primeiro desequilíbrio, não raras vezes assustando a própria criança. Para nanar belas canções incitam-lhe sonhar com boi da cara-preta, lobo mau, bruxas, piratas com pernas-de-pau, fantasmas e outros alienígenas. Essas estórias visam criar no rebento motivos à obediência, e parecem até remontar ao modo como antigamente se adestravam animais. Depois, janelas com telas, como se a a insensatez da criança fosse de tal monta que ela a qualquer instante quisesse até voar. E cuidado com isso, cuidado com aquilo. Senta direito, o que as pessoas vão pensar de você?
Depois de uma atitude marôta, quantos ainda não apanham de cinta, ou vítimas de gritos e impropérios?
"São meus filhos, e meus bens",
Com isso o tolo se angustia.
Como? Nem nosso "eu" é nosso.

DARMAPADA: 55
A doutrinação consiste em incutir medo da culpa, pelo castigo. Ao aterrorizá-lo, enfraquecem-no e retiram de seu coração a condução de suas emoções. Pois tão aprimorada estratégia é popular até mesmo entre especialistas:
"Todos sabemos que o
medo é uma reação protetora e saudável do ser humano. O medo 'normal' vem de estímulos reais de ameaça à vida. A cada situação nova, inesperada, que representa um perigo, surge o medo." (Uma Psicóloga)
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Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que,
com freqüência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.
WILLIAM SHAKESPEARE
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Cada dia que nasce é diferente do anterior. Navegar tem que ser preciso; mas viver em precisão, é simplesmente impossível! A vida é uma experiência cotidiana, uma descoberta a cada instante, ligada diretamente à consciência. Se formos calcar nossa vida correndo de tudo que se apresenta, sequer o amor poderíamos abraçar.
Quando chega a idade escolar, advém outra série infindável de impregnações. Falhas correspondem aos piores castigos. Há pouco tempo, o aluno que errasse alguma questão levava uma reguada nas mãos, ou era colocado de castigo com chapéu de burro. Não me chegue atrasado, não converse, não tire notas más - serás um repetente, condenado no mundo dos infernos dos mais atrasados. Não saia da linha, marche com o passo de todos, não tente ser diferente. Você tem medo de quê?
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A vida é maravilhosa se não se tem medo dela.
CHARLES CHAPLIN

A superação da cadência de rebanho tende a vir na adolescência, quando o jovem nota ter sido vítima de total manipulação, dessas que não medem fantasias nem artimanhas para conduzi-lo, e então puxa a espada da bainha. Mais nenhum terror parece atemorizá-lo, e assim muitos conseguem se livrar do carma incrustrado. Tragédias ficam iminentes. Os que se safam apenas arranhados não se livram do trauma, das lembranças dos duros enfrentamentos, riscos e preço que teve que pagar,

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