terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A cultura do stress


O mêdo constitui a base do dogma religioso, bem como de muitas outras coisas na vida humana
RUSSELL, B. Porque não sou cristão: 57
No homem primitivo era o medo, acima de quaisquer outras emoções, que o levava à religião. Esta religião do medo – medo da fome, de animais selvagens, de doenças e da morte – revelava-se através de atos e sacrifícios destinados a obter o amparo e o favor de uma divindade antropomórfica, de cujos desejos e ações dependiam aqueles temerosos sucessos. Como o entendimento do homem primitivo sobre as relações de causa e efeito era pobremente desenvolvido, essa religião do medo criou uma tradição transmitida, de geração a geração, por uma casta especial de sacerdotes que se postara como mediadora entre o povo e as entidades temidas. Essa hegemonia concentrou o poder nas mãos de uma classe privilegiada, que exercia as funções clericais como autoridade secular a fim de assegurar seu poderio. Nesse ínterim se verificava a associação dos governantes políticos à casta clerical, na defesa dos interesses comuns.
ALBERT EINSTEIN
cit. GABERDIAN, H. GORDON: 314
Flagrante a essência do stress: é boi-da-cara-preta pra lá, lobo-mau pra cá, a bruxa da maldita maçã, o fantasma da ópera, o pirata da perna-de-pau, lobisomen,  a invasão dos marcianos, do diabo-à-quatro. . Cuidado com o sinal, não beba, não ultrapasse, coloque o cinto, confira o extintor, olha a chuva! Com um barulho desses, quem se atreve sair de casa?
O medo estraçalha os nervos, e provoca todo o tipo de reação. Gagueira se faz comum. Uns se põem a rezar. Ajoelham-se implorando clemência. Outros preferem sair correndo. O que foge da raia, produz forfait. Mulheres costumam gritar. Há quem petrefique. Com o medo vem tremedeira, o desarranjo, até xixi nas calças. Muitos amarelam; outros ficam brancos. Depois, vermelhos-de-raiva.
O medo da derrota condiciona o player; mas a esperança de vitória subestima o adversário. Engraçado acontece com o corrupto, o mentiroso, o bandido: na hora do ato, toma a vítima por trouxa. Em seguida, a fúria retaliadora do remorso lhe persegue, e torna seu medo agigantado. Então tenta se esconder, mas a eloqüência de seu sumiço demonstra a pouca-vergonha, e assim cai na própria armadilha.
A ponte sobre o abismo da refrega é curta, e nada une. Ambas cabeceiras terminam no mesmo precipício. Alguns não medem esforços - não poupam ninguém, muito menos munição para combater o que dizem temer. Qualquer miragem já leva chumbo. Pobre dos animais, dos índios, dos comunistas e barbudos tomados terroristas.
No trânsito aflora a mais notável consequência do vírus platônico. O motorista está sempre pronto a corrigir o outro, a levantar a bandeira da justiça, a disputar espaço, a correr, correr, correr, mais do que o adversário. A emulação lhe indica que precisa adquirir um veículo mais potente, mais luxuoso do que o do rival. Pensa ser mais respeitado, credencial à garagem da felicidade. Sempre haverá, todavia, alguém em sua frente a lhe obstaculizar a entrada, de modo que sua vida se torna uma eterna luta, cuja causa é impossível de vê-la realizada. Por uma espécie de retroalimentação, a frustração lhe indica que necessita de mais força, e então se agarra em outras espécies. Uns, de tão desrespeitados, incorporam Napoleão. O risco aumenta na proporção do mito. Outros preferem invocar o exército supraterreno. O combate aos fracos abate e aos fortes nada acrescenta, mas quem não precisa de adversários para se impor? Então eles vem com a força máxima: "Se Deus é por nós, quem será contra nós"? Mas se todos somos seus filhos, onde arrumar contendor? Então lá vem Belzebú, malvada entidade etérea, fantasmagórica, aterradora, com seu vil  papel.
Aí está a fera que, com sua afiada cauda, trespassa as montanhas
e derruba as muralhas e as armas; aí está a que corrompe o mundo inteiro.

ALIGHIERI, Dante, A divina comédia: 63
Pois pelo medo, por este fenômeno dificilmente discernível da prudência, que é uma manifestação da inteligência, não da emoção, por causa do medo, dizia, o escapulário e o rosário são os artefatos mais vendidos no mundo.
seesaw
A crença fundamental dos metafísicos
é a crença na oposição de valores.

NIETZSCHE, F., Além do bem e do mal: 10

Mera crença do nosso TriPulante. A oposição é condição sine qua non ao plano de domínio. “Assim Platão constantemente estabelece o contraste nos seus diálogos.” (DEWEY, J.: 43)
PLATÃO facilmente convenceu que seríamos compostos por dois elementos primordiais, porém antagônicos: o corpo e a alma. O confronto interno, a dicotomia do ser se deve aos respectivos destinos. Ele tem caráter mundano, egoísta, condenado à imperfeição. Ela, produto do perfeito sopro celestial, tem no céu o seu norte, e no amor o condutor.

O mundo platônico não é um mundo de unidade, e o abismo que, de diversas formas, resulta dessa bifurcação, surge em inúmeras formas.
KELSEN, H., 2001: 81
Apenas sob este viés ele poderia se salvar:
"Tudo é duplo no homem, tudo se joga entre o tempo e a eternidade. Só o amor (...) pode rasgar o reino da necessidade."
(CHÂTELET, F.: 43)
Eis como se produz o bipolar, o esquizofrênico, o estressado. A fórmula de superação não merece reparo. Mas desse modo dificilmente os solitários, abandonados, injustiçados, os muito feios, ou pecadores encontrarão algum conforto, coitados, os que mais necessitam. Sempre pode haver algum perdão, mas, refeito, quem não reingressa no ciclo?
A afirmação mitológica da maldade inata na natureza humana encontra-se, como se sabe, na Bíblia. Ela está explicitada no episódio de Caim e Abel, como corolário da tese do Pecado Original; e foi filosoficamente elaborada por Santo Agostinho.
PENNA, O.M., O espírito das revoluções: 83
A difusão do temor a Deus era essencial ‘para comandar os exércitos, para estimular a plebe a manter os homens bons, e para fazer os reis se envergonharem.’
Para MAQUIAVEL, a natureza humana era essencialmente má. Por certo julgando a todos por sí próprio, ele generaliza vendo os seres humanos no afã de obter o máximo ganho a partir do menor esforço, apenas fazendo o bem quando forçados a isso. HOBBES concordava: homem se fazia lobo do homem, um autômato. Pelo diagnóstico de DESCARTES, ambos tinham razão: o indivíduo nasce dotado de más intenções. Azar do mundo:

A história da psicologia, depois de Descartes, poderia ser escrita como seguindo um movimento dialético entre a ciência da psiquê e uma ciência naturalista do homem que recusara tanto o dualismo metafísico quanto o metodológico.
FRAISSÉ cit. PENNA, A. G.: 32)
ROUSSEAU lhes companha: o ser é produto de eterno conflito. Óbvio, desde que inoculado com o carma platônico. HEGEL. não fica atrás; ao contrário, extrapola. POPPER lhe alcunha como o mais fiel lacaio de PLATÃO. No catastrofismo de MALTHUS, somos meros reprodutores. Pelos legisladores BENTHAM e MILL, ADÃO era muito egoísta; Mísero símio, na configuração de DARWIN. Exclusivo materialista, pelo prisma de MARX. Um elemento impregnado de neuroses e psicoses, de tanta guerra interna, pela interpretação psicanalítica de FREUD.
Ao encarar o semelhante com tamanho desprezo, fica óbvio e patente que esses postulantes agiam exatamente da mesma forma torpe que tanto condenavam:.
“Para falar em termos fisiológicos: na luta com o animal, torná-lo doente é talvez o único meio de enfraquecê-lo.” (NIETZSCHE Crepúsculo dos ìdolos, ou como filosofar a marteladas: 54)
Os coletivistas tem o empenho de progresso, a simpatia pelos pobres, o ardente sentido do injusto, o impulso para os grandes feitos, coisas que tanto vem faltando ao liberalismo nos últimos tempos. Mas sua ciência se baseia num profundo mal-entendido; e suas ações, portanto, são intensamente destrutivas e reacionárias. Assim, os corações dos homens são destroçados, suas mentes divididas e são apresentadas alternativas impossíveis.
LIPMANN, Walter, cit. POPPER, K., Sociedade Democrática e Seus Inimigos: 88
.
O estressante arco à flecha da ilusão
____________

3 comentários: