quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Das primeiras ciências políticas


As primeiras histórias das instituições foram histórias do direito, escritas por juristas que com freqüência tiveram um envolvimento prático direto nos negócios do Estado. BOBBIO, N. 1987: 54
Foram os gregos que primeiro elaboraram a noção de direito. O pensamento platônico é o início da racionalização. Antes, porém, o pensamento grego está penetrado pela mitologia. O conceito de justiça sai da lenda e passa a ser entendido a partir da perspectiva da razão. www.espacoacademico.com.br.
O que caracteriza os primeiros estudos sobre a sociedade é, precisamente, um ponto de vista finalista e normativo: finalista, isto é, tendo unicamente em consideração o ideal a realizar, a investigação do que deve ser a 'melhor' organização social e política; normativo, quer dizer, a preocupação imediata de estabelecer normas, regras de ação para a vida coletiva. É este, particularmente, o ponto de vista dos filósofos. Bastará recordar, quanto à antiguidade, a República e as Leis de Platão, a Política de Aristóteles. CUVILLIER, A., Introdução à Sociologia – OS PROBLEMAS SOCIOLÓGICOS
Na verdade, a política não mudou desde a sua invenção pelos gregos. GALSTON, Willian, Brookings Institution, e ex-assessor da Casa Branca. 
O que é uma pena, convenhamos, ainda mais no estádio da bomba atômica. Será mesmo que não pensam em mais nada por lá, além da alienada competição olímpica? E depois de todos os louros e podiuns conquistados, o espaço sideral e tudo o mais, irão descansar em paz? Até pode ser; pela cartilha de Platão, contudo, jamais.
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No afã atingir a performance de "Atenas, glória dos Gregos, rica em prestígio mais rica ainda em dinheiro," (Monge EUDES, secretário de LUÍS VII, Rei de França. Citado por GOTHIER, L, e TROUX, A: 236.), as atuais "instituições políticas" seguem o velho  padrão,  porém não propriamente da Atenas endeusada, ,e sim da subsequente, mergulhada na opressão dos Trinta Tiranos, os amigos dos vanguardeiros filósofos que deram molde à nossa chamada civilização:
Não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder. TOLSTÓI, Leon, A escravidão de nosso tempo, 1900, cit. WOODCOCK, G.:106
Como reconhecem BOBBIO e vários, as lideranças políticas traçam os objetivos das nações no fito de satisfazer seus próprios interesses:
O Estado, totalmente na sua génese, essencialmente e quase completamente durante os primeiros estádios da sua existência, é uma instituição social, levada a efeito por um grupo vitorioso de homens sobre um grupo derrotado, com o único propósito de regular o domínio do grupo vitorioso sobre o vencido, defendendo-se da revolta interna e dos ataques do exterior. Teleologicamente, este domínio não seguia outro objectivo que não fosse a exploração económica dos vencidos pelos vencedores. OPPENHEIMER, Franz, (1861-1943 - cit. www.farolpolitico.blogspot.com)
Desde sempre o príncipe promete a vitória, a anuência geral os legitima, e por isso se viabilizam  enormidades morais, tornando efetivas estapafúrdias determinações:
A sociedade grega e romana se fundou baseada no princípio da subordinação do indivíduo à comunidade, do cidadão ao Estado. Como objetivo supremo, ela colocou a segurança da comunidade acima da segurança do indivíduo. Educados, desde a infância, nesse ideal desinteressado, os cidadãos consagravam suas vidas ao serviço público e estavam dispostos a sacrificá-las pelo bem comum; ou, se recuavam ante o supremo sacrifício, sempre o faziam conscientes da baixeza de seu ato, preferindo sua existência pessoal aos interesses do país. TOYNBEE, Arnold J.: 196
Como em Esparta, só à classe governante é permitido portar armas, só ela tem direitos políticos ou de outra espécie, só ela recebe educação, isto é, um adestramento especial na arte de manter em submissão suas ovelhas humanas, ou seu gado humano. POPPER, Karl, 1998, Tomo I: 60
A educação espartana, que recebia o nome técnico de agogê, apresentava as particularidades de estar concentrada nas mãos do Estado e de ser uma responsabilidade obrigatória do governo. Estava orientada para a intervenção na guerra e a manutenção da segurança da cidade, sendo particularmente valorizada a preparação física que visava fazer dos jovens bons soldados e incutir um sentimento patriótico. Nesse treinamento educacional eram muito importantes os treinamentos físicos, como salto, corrida, natação, lançamento de disco e dardo. Wikipédia
Os romanos implementaram algumas salvaguardas de relações civis, e parcas concepções econômicas;  porém, mercê da força do sabre, ninguém do povo era dado a discordar: "Nesse momento, surgiu uma escola filosófica que iria permanecer como uma linha organizada de pensamento durante nada menos que cinco séculos: o estoicismo." (OLIVIERI, C. O., http://educacao.uol.com.br/filosofia/ult3323u17.jhtm)
Ao cidadão que relutasse, ou preferisse, havia a solução socrática: "Coloquei a vida num declive: basta um empurrãozinho. Prestai um pouco de atenção e vereis como é breve e ligeiro o caminho que leva a liberdade." (SÊNECA, Sobre a Providência Divina)
O direito, uma vez positivado, torna possível ao Estado encabeçar e dirigir o fenômeno que Harold Laski descreveu concisamente como o processo de organização do poder coativo. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Teoria do poder, sistema de Direito Político, estudo juspolítico do poder: 258
Como bem frisou Oppenheimer, em qualquer canto a coação visa apenas a extorsão.  A polis sustentava a grei imperial, e o palácio se encarregava de oferecer pão e circo aos cordatos sobreviventes.
É a eclosão da personalização do poder. Foi assim que surgiu a tirania nas cidades helênicas dos séculos VII e VI. Foi assim que se desenvolveu a ditadura na República Romana do século I A.C. Como fiel da balança das classes novas e tradicionais. MUSSOLINI, Benito, cit. Nações do Mundo: 55
O sistema iimprimiu sua marca indelével na civilização ocidental. "O Führer era idolatrado não somente em sua terra natal; tinha adeptos em número considerável de americanos barulhentos e vociferantes." (BRIAN, Einstein, a ciência da vida: 329)
Mussolini, Hitler, Mustafá Kemal Pacha, Roosevelt e Salazar... Todos eles para mim são grandes homens, porque querem realizar uma idéia nacional em acordo com as aspirações das coletividades a que pertencem. VARGAS, Getúlio, cit. MONTEIRO, Góis, A Revolução de 30 e a Finalidade Política doExército: 187
Baseado quase que exclusivamente na força bruta,  o mais velho império foi se esvaindo. Diante do naufrágio, buscou-se o paradoxo, o outro lado da gilete platônica:
Faze-mo saber, se tens entendimento. Quem lhe fixou as medidas, se é que o sabes? Ou quem a mediu com o cordel? Sobre que foram firmadas as suas bases, ou quem lhe assentou a pedra de esquina?  Eu ouvi o meu avô contar essa história, a qual ouvira de Sólon... Punida por seus vícios e seu orgulho, a Atlândida foi engolida pelo oceano.CRÍTIAS, tio de PLATÃO, um dos Trinta Tiranos de Athenas, no diálogo com TIMEU.**
Doravante em vez do império do sabre o mundo haveria de ser conduzido pelo império do amor:
Com o surgimento dos imperadores romanos o curso dos tempos se torna ainda mais tormentoso e os homens interiormente ainda mais inquietos e angustiados. E chegamos então a um ponto, verdadeira e secularmente crítico, de profunda decadência, quando, subitamente, aparece a figura de Cristo, anunciando-se como a luz do inundo, a ressurreição e a vida. O Cristianismo, ainda jovem, entra em cena e aos poucos arranca, à Filosofia, a direção do homem. HIRSCHEBERGER, Johannes, História da Filosofia na Antiguidade
Para falar a verdade, olhando a religião como um modo de acorrentamento da caverna de Platão, não se pode deixar de pensar que a humanidade como um todo tem uma certa tendência a gostar de ser mantida acorrentada na ignorância. BELLI, M. O Mito da Caverna de Platão e o Paradigma da Representatividade
O vírus platônico migrou corrido para leste, permanecendo meio confinado durante  formidável lapso. Foi lá, em Constantinopla, que pintaram  as cabeças renovadas da Hydra
Abd Allah al-Ma’mún (...) entrou em entendimentos com os Imperadores de Bizâncio, deu-lhes ricos presentes e lhes solicitou a doação dos livros de Filosofia que possuíam. Os Imperadores enviaram-lhe obras de Platão, de Aristóteles, de Hipócrates, de Galeno, de Euclides, de Ptolomeu etc. Al-Ma’mún então escolheu eméritos tradutores e os encarregou de traduzir o melhor possível aquelas obras. A tradução sendo feita com toda a perfeição possível, o Califa estimulou seus súditos a lê-las e os encorajou a estudá-las. Em conseqüência, o movimento científico desenvolveu-se no reinado deste príncipe.” SAID, AI Andalusi [1029-1070], in As Categorias das Nações. - Cit. GOTHIER, L. e TROUX, A.: 4
Mesmo os ateus estão de acordo acerca de que não há coisa que mais mantenha os Estados e as Repúblicas do que a religião, e que esse é o principal fundamento do poderio dos monarcas, da execução das leis, da obediência aos súditos, da reverência dos magistrados, do temor de proceder mal e da amizade mútua para com cada qual; cumpre tomar todo o cuidado para que uma coisa tão sagrada não seja desprezada ou posta em dúvida por disputas; pois deste ponto depende a ruína das Repúblicas. BODIN, Jehan, cit. CHEVALLIER, M., Tomo I: 55
Os novos imperadores ora fingiam desprezar a riqueza por não usar da força bruta, e com isso mantiveram os povos cativos pelo mais longo tempo da história. Como dizem que mentiras tem pernas curtas, na adolescência secular houve quem demonstrasse que não éramos o centro do Universo, e que, portanto, o amor apregoado não passava de um disfarce.
A civilização já havia passado pelos dois maiores sistemas de condução massificada: a força concentrada, e o amor espraiado. Por qual diapasão poder-se-ia manter o povo coeso, livre da barbárie, da guerra de todos contra todos? Onde arrumar um consenso senão que pela força ou pelo amor? Pois se a experiência indicava o fracasso dos grandes exércitos, e a ciência desmentia a fórmula divina, cabia à mesma conjugação - a experiência e à ciência - resolver o problema que elas próprias haviam ocasionado. E tome Platão, em vice-versa.
Quando moço, esse Deus do Oriente era ríspido e estava sedento de vingança: criou um inferno para deleite dos seus prediletos. Por fim, fez-se velho e brando e terno e compassivo, assemelhando-se mais a um avô do que a um pai, e até mais a uma avó decrépita. NIETZSCHE, F., Assim falou Zaratustra
A conjugação fez retornar ao palco da sociedade a experiência da força consubstanciada com a ciência; porém,  ainda mais subvertida na astúcia denunciada por NIETZSCHE. 
O mundo barroco pode ser descrito também como um grande teatro, onde cada homem deve ocupar o seu lugar. O mais belo dos teatros é o centro do mundo católico romano: a praça de São Pedro em Roma. A literatura, as artes, a filosofia giram em torno de Deus, de suas exigências e da salvação. Os filósofos e os sábios da época, em sua compreensão do mundo, privilegiam o caráter de abstração e de esquematização. Por isso dão a máxima importância à física matemática. Assim o problema do método constitui o problema número 1 de todos os filósofos. Trata-se de descobrir um método universal de conhecimento. E o modelo é o conhecimento matemático (geométrico). JAPIASSÙ, H., 1997: 81.
Se a Platão Esparta era o máximo, MAQUIAVEL teve o Império Romano para lhe ensinar todas as táticas de guerra. O florentino conhecia o decepcionante epílogo da fortaleza, mas isso era para depois de muitos séculos.
A ética dominante na História da Humanidade foi uma variante da doutrina altruista-coletivista, que subordinava o indivíduo a alguma autoridade superior, mística ou social. Conseqüentemente, a maioria dos sistemas políticos era uma variante da mesma tirania estatista, diferindo apenas em grau, não em princípio básico, limitada apenas pelos acidentes da tradição, do caos, da disputa sangrenta e colapso periódico. RAND, Ayn, A Virtude do Egoísmo: 118
A riqueza já não era negada, mas não havia a possibilidade de sua repartição, sequer como efetuada naquele pioneiro Império; e as concepções humanistas, por falsas, não poderiam  contar com seu sustento por período mais prolongado.
Coube aos cientistas políticos anglosaxões resolverem a equação. Seus introdutores foram John Locke, Shaftesbury, e Spinoza, reforçados pelos complementos de Montesquieu, Adam Smith, e Thomas Jefferson:
Locke e Shaftesbury consideravam o despotismo como um mal francês e, quando escreveu o documento, em 1679, Locke acabava de voltar da França, após estudar o mal francês enquanto sistema político. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza. BRETT: 109
Ora a ciência reformada se obriga a aquilatar "Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo do desenvolvimento." (DAWKINS, R.: 369)
Foram necessários, pois, ainda esses mais tres séculos de desatinos, duas bombas atômicas e a vergonha do muro para a civllização se dar conta da obviedade
Em nosso século, o estudo da constituição atômica da matéria revelou que a abrangência das idéias da física clássica apresentava uma limitação insuspeitada e lançou nova luz sobre as demandas de explicação científica incorporadas na filosofia tradicional. Portanto, a revisão dos fundamentos para aplicação inambígua de nossos conceitos elementares, necessária à compreensão dos fenômenos atômicos, tem um alcance que ultrapassa em muito o campo particular ciência física. BOHR, Niels, Física atômica e conhecimento humano: Introdução.
O estudo de como surge a ordem, não em conseqüência de um decreto de cima para baixo da autoridade hierárquica, seja política ou religiosa, mas como resultado de auto-organização por parte de indivíduos descentralizados é um dos acontecimentos mais interessantes e importantes de nossa época. KELSEN, H., A democracia: 140.
"As corporações centralizadas e autoritárias têm fracassado pela mesma razão que levou ao fracasso os estados centralizados e autoritários: elas não conseguem lidar com os requisitos informacionais do mundo cada vez mais complexo que habitam." (FUKUYAMA, F., 2002: 205)
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sábado, 21 de fevereiro de 2009

Problema existencial

Por conta da integridade de meu pai carrego seríssimo dilema. Sua retidão, verticalidade, e enorme quantidade de qualificados amigos  nunca me levaria a questionar o caráter que me  imprimia. Ora estou no mato, sem cachorro.
A trapaça, a má-fé e a duplicidade são, infelizmente, o caráter predominante da maioria dos homens que governam as nações. FREDERICO II, O Grande, cit. CHALLITA: 156.
Por causa daqueles parcos ensinamentos, não tenho credenciais para ingressar em tão seleto rol, tampouco me dispor às quadrilhas. Supunha aprender, e daí pelo menos saber me defender, em preliminar jurídica. Ledo engano. A lei tem pouca serventia. Perante a justiça,  provas, nem vem ao caso. Tirante algum raro êxito, a espada está a serviço da plêiade.
Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistrados, o poder legislativo se junta ao executivo, desaparece a liberdade; pode-se temer que o monarca ou o senado promulguem leis tirânicas, para aplicá-las tiranicamente. Não há liberdade se o poder judiciário não está separado do legislativo e do executivo. MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis, Livro XIX.
Somos esbulhados, em qualquer quartel; e por isso, constantemente humilhados, desmoralizados, mesmo entre pares. Não sei o que fazer. Meu pai gostava de citar uma oração espanhola.
Eu sou eu e minhas circunstâncias.
Se não as salvo, não me salvo.

ORTEGA Y GASSET, José
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Nossas atuais circunstâncias advém de dois maiores quadrantes: de um lado, uma soma jamais vista de oportunistas e gatunos de toda a espécie. De outro, equalizado, um blend de alienação, inconsciência, covardia, ignorância e espírito servilista. Como salvar esta enorme e nefasta gama de circunstâncias, ainda mais se ninguém e nenhuma delas requer?.
Intriga-me o fato da verdade ser inoportuna. Para mim, é a consciência que determina o ser; aos seres, contudo, parece ser a inconsciência o melhor meio de vida.0.A mistificação, a ilusão, a magia, o santo-do-pau-ôco, o marketing, as promessas sóem melhor confortar a humanidade do que a crueza de tentar minimizar o flagelo.
Tudo depende, portanto, de se fazer com que os súditos acreditem que o governo é bom e justo, e de os cidadãos sentirem-se felizes em obedecer às suas ordens - daí todo conjunto de medidas draconianas, aniquiladoras de toda liberdade de pensamento, sugeridas por Platão tanto na República quanto nas Leis, a fim de produzir e conservar nos súditos essa crença. KELSEN, H.: 501
Então, para fugir da dor, valem as drogas, promessas a santos empedrados, festas populares, velhos filmes, planos para daqui cinco a dez anos, e novas eleições. Dizem que estas depuram a democracia. Tais esperanças são fortes para o rebanho continuar produzindo a lã, enquanto não é carneado:
Um homem vota em um partido e permanece infeliz; ele conclui que era o outro partido que traria o período de felicidade e prosperidade. No momento em que estivesse desencantado com todos os partidos, já seria um homem idoso, à beira da morte. Seus filhos teriam a mesma crença de sua juventude, e a oscilação contínua. RUSSELL, Bertrand, Ensaios céticos: 121.
Pero Vaz de Caminha soube retratar nossos nativos. Eram dóceis, porém ignorantes, de modo que incutir qualquer crendice seria suficiente não só para eliminar antipatias, ou antagonismos, como até para perfilar toda a gente em prol do interesse do introdutor. Não é nosso privilégio:
Mas a verdade é que não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder. TOLSTÓI, Leon, A Escravidão de nosso tempo, 1900, cit. WOODCOCK, G.:106
É mais fácil levar a manada do que uma unidade, justamente pela automática inconsciência que se abate sobre a coletividade: "O estudo da sociedade é tão precioso porque o homem é muito mais ingênuo como a sociedade do que como indivíduo." (NIETZSCHE, F., Vontade de Potência - Parte 2: 276) No conjunto há uma retroalimentação progressiva, enquanto o indivíduo preza pela dispersão.
Certa dia ouvi sábio conselho: se não quisesse ser protagonista, que ficasse na platéia; e não ousasse puxar o disfarce dos atores: seria expulso do recinto. Disse-me ainda,  o conselheiro   que persona significa máscara. A data é carnavalesca. Os salões estão repletos de palhaços.. Sinto-me despersonalizado. 
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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Um mundo sem número?

Em devaneio.....
A matemática surgiu da auto-alienação do espírito humano. A alma não consegue se encontrar na matemática. O espírito humano reside nas instituições humanas.  Giovanni Battista Vico (1668-1744)
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A má temática
Volta-e-meia a civilização é colhida por desastres ocasionados pelo sistema que ela própria inventou. Alguns muito faturam, mas milhões de famílias são arruinadas.
O homem ocidental civilizado vive num mundo que gira de acordo com os símbolos mecânicos e matemáticos das horas marcadas pelo relógio. É ele que vai determinar seus movimentos e dificultar suas ações. O relógio transformou o tempo, transformando-o de um processo natural em uma mercadoria que pode ser comprada, vendida e medida como um sabonete ou um punhado de passas- de-uva. E pelo simples fato de que, se não houvesse um meio para marcar as horas com exatidão, o capitalismo industrial nunca poderia ter se desenvolvido, nem teria contnuado a explorar os trabalhadores, o relógio representa um elemento de ditadura mecânica na vida do homem moderno, mais poderoso do que qualquer outro explorador isolado ou do que qualquer outra máquina. WOODCOCK, A ditadura do relógio, In A rejeição da política, 1972  
Suicídios, divórcios, falências, crimes de toda a espécie, guerras civis e mundiais, corrupção generalizada, foruns lotados, prostituição, cobiça, inveja, difamação, calúnias, a faina por remédios, pela religião, por psiquiatras e psicólogos, mesmo o afã pela educação,  tudo tem única origem, grosso modo: a obssessão pelo numerário..
O mundo barroco pode ser descrito também como um grande teatro, onde cada homem deve ocupar o seu lugar. O mais belo dos teatros é o centro do mundo católico romano: a praça de São Pedro em Roma. A literatura, as artes, a filosofia giram em torno de Deus, de suas exigências e da salvação. Os filósofos e os sábios da época, em sua compreensão do mundo, privilegiam o caráter de abstração e de esquematização. Por isso dão a máxima importância à física matemática. Assim o problema do método constitui o problema número 1 de todos os filósofos. Trata-se de descobrir um método universal de conhecimento. E o modelo é o conhecimento matemático (geométrico). (JAPIASSÚ, H., 1997: 81)
As descobertas científicas de Isaac Newton rapidamente tomaram conta da sociedade, tornando-se também um modelo de vida. A sociedade aproveitou-se desse conceito, aliou-se ao poder econômico capitalista e elegeu o dinheiro como sendo o sinônimo de felicidade. BIEHL, L. Volcanoglo, O mundo quântico: uma nova percepção da realidade: 16
Poderíamos passar pela vida simplesmente desconhecendo os números?
Perfeitamente. Eles não são naturais, mas apenas meios de se atingir um pretenso conhecimento antecipado.
Se desejássemos retraçar a história do Determinismo, seria preciso retomar toda a história da Astronomia. É na imensidão dos Céus que se delineia o Objetivo puro que corresponde a um Visual puro. É pelo movimento regular dos astros que se regula o Destino. Se alguma coisa é fatal em nossa vida, é porque uma estrela nos domina e nos arrasta. Há, portanto, uma filosofia do Céu estrelado. Ela ensina ao homem a lei física em seus caracteres de objetividade e de determinismos absolutos. Sem esta grande lição de matemática astronômica, a geometria e o número não estariam provavelmente tão estreitamente associados ao pensamento experimental; o fenômeno terrestre tem uma diversidade e uma mobilidade imediatas demasiado manifestas para que se possa neles encontrar, sem preparo psicológico, uma doutrina do Objetivo e do Determinismo. O Determinismo desceu do Céu à Terra. GASTON BACHELARD
Não há dúvidas que se trata de manifestação da inteligência, mas muitas vezes morre afogado quem sabe nadar. Quem não sabe, se contenta na beira do mar.
Com números podemos calcular grande distâncias, ministrar o que se designa justiça, mas corremos o risco de surpresas, de incalculáveis fatos surgirem no caminho.
"As teses de matemática não são certas quando relacionadas com a realidade, e, enquanto certas, não se relacionam com a realidade." (EINSTEIN, A., 1997: 15).
É a cientificidade talvez apenas um temor e uma escapatória ante o pessimisto? Uma sutil legítima defesa contra - a verdade? E, moralmente falando, algo como covardia e falsidade? E amoralmente, uma astúcia? Ó Sócrates, Sócrates, foi este porventura o teu segredo?, ironista misterioso, foi esta, por ventura, a tua - ironia? (NIETZSCHE, F., O nascimento da tragédia: 12)
Quadrúpedes sobrevivem na mais completa ignorância numeral. A águia não possui nenhum altímetro; no entanto, ao realizar o seu fulminante mergulho, alcança o máximo de precisão. Ela modula direção e velocidade a cada fração de segundo. Para a ave não há surpresa. DEMÓCRITO assim apreciava :
O animal é tão ou mais sábio do que o homem: conhece a medida da sua necessidade, enquanto o homem a ignora.
DEMÓCRITO até esteve em Athenas, mas ninguém tomou conhecimento.
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Deus geometriza! A geometria é o próprio Deus!
Johannes Kepler (1571-1630)
Ao examinarmos teorias e fatos, idéias e formas, para tomar o jargão da perfídia grega, elemento que impulsionou o insensato tour ocidental, delineamos o leitmotiv da insensatez. A valia materialista tomou relevância no estádio olímpico.Seus mentores subverteram a filosofia oriental ao distinguir o corpo da alma, esta intangível. Desde então - suprema ironia -  mergulhamos na ilusão. "Leia sobre Platão, Aristóteles e os matemáticos antigos e descobrirá como suas especulações e descobertas foram transformadas e ampliadas nos métodos e sistemas com que até hoje trabalhamos." (Jacques Barzun, A História, cit. Fadiman, Clifton org: 4)
Durante o Império Romano a parte corporal de Platão ganhou maior destaque. Para calibrar a justiça dos homens, números são relevantes. Quando ruiu a Legião, pintou a alma. Em vez do sabre, o amor tomou conta do salão:“Um conselho sem dúvida bem-intencionado, atribuído a Santo Agostinho, advertia os cristãos a manter distância das pessoas que sabiam somar ou subtrair. Era óbvio que haviam firmado um 'pacto com o diabo'.” (Toffler, A. e Toffler, H.: 41)
A "repactuação" se deve à família Medici. O acervo grego jazia num porão de Constantinopla. Os astutos religiosos não titubearam em contrabandeá-lo à Florença, e assim floresceu a Renascença. Eis a razão do sucesso de Copérnico, Galileu, Maquiavel, Descartes, Bacon e Hobbes, todos consagrados na sintética obra do famoso Newton.
O que estou tentando mostrar é que a ciência, por causa do seu método e de seus conceitos, projetou um universo no qual o domínio da natureza ficou ligado ao domínio do homem e que ela favoreceu esse universo – e esse traço de união tende a tornar-se fatal para esse universo e seu conjunto. MARCUSE, Herbert, Uma ciência sem domínio?; Points Seuil, 1970; cit. CHRÉTIEN: 212
A má temática de Platão & Pitágoras abalou todos os sistemas: vegetais, minerais ou animais, e mormente os políticos, jurídicos, econômicos, científicos, filosóficos, sociais e pessoais. Embora a mágica de esporádicos trechos incólumes, o retilíneo, desrespeitoso e por tudo grosseiro caminho passou por cima de tudo. Precedeu-lhe o medo introjetado, do trovão e da epidemia, da extinção da propriedade privada em prol do abstrato coletivo, gerado e gerido por um único artífice, invasões e chacinas, guerras frias e quentes, estratégias, ações e reações.
Hobbes, que havia freqüentado assiduamente a corte fazendo-se passar por matemático (mesmo que pouco soubesse dessa disciplina) se desgostou ali, regressou à Inglaterra nos tempos de Cromwell e publicou uma obra muito malvada, de título muito raro: The Leviathan. Sua tese principal era de que todos os homens atuam devido a uma necessidade absoluta, tese apoiada, aparentemente, pela doutrina dos decretos absolutos, doutrina de geral aceitação nesses tempos. Sustentava que o interesse e o mêdo eram os princípios fundamentais da sociedade.
BRETT, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII: 14
As aventuras “ferrocarris-ideológicas” conduziram a humanidade no rumo de Marte, digo, da morte, às covas comunitárias, massacres coletivos logrados por convocações realizadas pretensamente na defesa de ideais, mas efetivadas por mera ambição ao alheio, vileza camuflada na fé quase religiosa que hábeis condutores bem sabem incutir, no fito de captar seguidores de suas doutrinas de espoliação total.
Haverá uma nova classe, uma nova hirerarquia de verdadeiros e pretensos sábios e o mundo ficará dividido entre uma minoria que governará em nome da ciência e uma enorme maioria ignorante. Então essa massa ignorante que tome cuidado! Podemos ver como sob todas as fases democráticas e socialistas do programa do sr. Marx sobreviveriam no estado por ele criado e as características cruéis e despóticas de todos os Estados, seja qual for a forma de governo que se utilizam e que, em última análise, O Estado do Povo tão entusiasticamente recomendado pelo sr. Marx e o Estado aristocrático-monárquico mantido com tanta habilidade pelo sr. Bismarck são completamente idênticos tanto nas suas metas internas quanto nas externas. BAKUNIN, MICHAEL, Obras, 1910; cit. WOODCOCK: 128
O número (sinônimo de harmonia) passa considerado essência das coisas. Tudo coincide. Nossa perpetuação requer o par. A soma de pares e ímpares, noções apostas ou opostas, limitadas ou não  expressariam as relações (pouco amistosas) do Universo. O cosmos seria regido, e portanto entendido, apenas através da matemática. A coincidência é de fato impressionante. A própria “razão” provém de cálculo. Seu designativo vem de ratio, latim, significando ratear, contar, dividir, multiplicar. O grego adorava a numerologia, e jogou a bola para cair na bota de Galileu.
A idéia é originalmente devida a Platão, que, sem dúvida influenciado pelas concepções pitagóricas, foi o primeiro a afirmar que o círculo, cujas partes são todas iguais entre si, é por essa razão a mais perfeita figura geométrica, e, portanto, como os corpos celestes são eles mesmos perfeitos, o único movimento que lhes é possível é o movimento circular uniforme. A tarefa dos astrônomos a partir de então foi construir um modelo matemático que explicasse os dados observacionais da astronomia, e no qual os planetas seriam dotados de movimentos circulares uniformes.BEN-DOV: 19
O tal Epinomis prescreve: "A ciência dos números, dentre todas as artes liberais (?!) e ciências contemplativas, (ou seja, apenas especulações, isentas de responsabilidade porque improváveis) é a mais nobre e excelsamente divina."
Ao ser questionado porque o homem se diferenciava dos animais, a sapiência foi categórica: "Porque sabe lidar com números." 
A matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou a única forma de conhecimento."
Tanto o platonismo quanto o cristianismo distanciam os seres humanos do meio que os rodeia. A natureza e a experiência eram encaradas como o mundo das modificações perturbadoras, o mundo do erro e do caos. Para o cristianismo, a dúvida e a incerteza são obra do diabo. ZOHAR, D., O Ser Quântico, Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência, baseada na nova física: 188.
A numerologia, por teológica, assumiu a hegemonia. A má tese, ou a má temática ,a "quantofrenia", conforme Sorokin, ou a "aritmomania", como aduz GEORGESCU-ROEGENS, coroou o homo faber tal homo mathematicus. O universo que até a reencarnação platônica abrigava alguma alma, passou a ser visto como ‘um vasto sistema matemático de matéria em movimento’,um ‘universo material (onde) tudo funciona mecanicamente, segundo as leis matemáticas.’
Viajamos em picada por demais pedregosa:
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou- se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.
É todo esse número geométrico que comanda os melhores e os piores nascimentos. Se os guardiões não o conhecem, juntarão os jovens às noivas na época errada, fazendo com que seus filhos não sejam nem de boa índole nem felizes. PLATÃO, cit. KELSEN, H., 1998: 180
Os números balizam a Medicina, a Antropologia, Farmacologia, Zoologia, Zootecnia, Veterinária, a Botânica, e na História são primordiais; igualmente servem de Alfa e Omega à Economia, integram o Direito, e mesmo a Filosofia, de Platão a Descartes, de Kant a Marx. As engenharias devem sua existência aos cálculos, mas a Sociologia também só existe por esta prevalência. O tempo passa, e ele também é marcado pelo número. Enfim, não há ramo do conhecimento, nem vida social isenta dos métodos decimais.
Quando se concebeu a Terra redonda, então, e os navegantes se enveredavam ao além-mar, em busca de muita terra para explorar, os cálculos substituíram definitivamente quaisquer filosofias. Essas só remetiam aos sonhos. Era preciso tudo medir - dias no mar, quantidade de mantimentos, mas especialmente o tamanho das terras, a repartir. Sequer o Inferno escapou do crivo. (Palestra na Academia Florentina, A Geografia do Inferno de Dante Tratada Matematicamente, 1588; cits. GEYMONET, L., Galileu Galilei: 10; Galileu, cit. SCHWARTZ, J. : 28).
O russo naturalizado francês ALEXANDER KOYRÉ (1882-1964) confirmou a presença do vírus: "A grande idéia de Koyré, justamente, é que Galileu encarnava a herança do platonismo. Em outras palavras: Galileu acreditava que, graças à matemática, os físicos conseguiriam apreender a estrutura íntima da realidade."
A lógica científico-matemática vinha para o lugar de “lendas” filosóficas e religiosas.
O conhecimento anterior fora montada em cima de inconsistentes palavras. Agora, os números traziam mais segurança, tornavam as atividades concretas, mais lógicas e práticas; compõem os elos. A matemática é o cimento das ciências, garantia de sua coerência, defesa segura contra qualquer tentativa de acolher, “com distorções de palavras”, proposições de várias procedências, "incompatíveis entre si.”
A faculdade de conhecer o verdadeiro se resumia ao que os braços ou olhos podiam confirmar, mas o acesso ao ideal estava plenado: "A matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou a única forma de conhecimento." (FEYERABEND, P, 1991: 135)
O longo eclipse das ciências humanas se iniciou, justamente, na singela premissa: a matemática excluia a possibilidade de controvérsias:
A filosofia está escrita neste grande livro que permanece sempre aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. Esta linguagem é a matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas. GALILEI, Galileu, cit. CAPRA, F., 1991: 50
O vigário polonês COPÉRNICO (cit. CHATELÊT, F.: 49)  vendeu o primeiro bilhete:
E no meio repousa o Sol. Com efeito, quem poderia no templo esplêndido colocar essa luminária num melhor lugar do que aquele donde pode iluminar tudo ao mesmo tempo? Em verdade, não foi impropriamente que alguns lhe chamaram a pupila do mundo, outros o Espírito, outros ainda o seu reitor.
Tudo seria suscetível de explicação, desde que combinado com a explicação mecânica, matemática. O Verbo não mais teria nada a influenciar, a mistificar. Ou, por outra, conforme PLATÃO, confirmado por COPÉRNICO e seus descendentes, o Verbo se mostrava, logicamente, pelo número. “Hypoteses non fingo”: .
Agora demonstrarei a estrutura do Sistema do Mundo: todo o corpo continua no próprio estado de repouso ou de movimento uniforme numa reta, a não ser que seja impelido a mudar esse estado por forças que lhe forem aplicadas. A mudança de movimento é proporcional à força motriz aplicada e ocorre na direção da reta em que a força foi aplicada. Para toda ação existe sempre uma reação igual e oposta. NEWTON, I., cit. ROHDEN, H.: 169

Sobre isto, Newton foi bastante claro: tudo que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado de hipótese; e as hipóteses, sejam as metafísicas ou físicas, digam respeito às qualidades ocultas ou às mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental. THUILLER: 69
O o epitáfio de NEWTON, expresso na Abadia de Westminster, a mando sabe-se lá de quem, consagra a impostura: "É uma honra para o gênero humano que um tal homem tenha existido." Ironicamente, o que restam são lástimas: 
O raciocínio quantitativo tornou-se sinônimo de ciência, e com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política, histórica, social e até moral. GLEISER, M.: 164.
As teorias de Newton lançaram-nos em um curso que desembocou no materialismo que ora domina a cultura ocidental. Esta visão realista materialista do mundo exilou-nos do mundo encantado em que vivíamos no passado e condenou-nos a um mundo alienígena.BERMAN, MORRIS, cit. GOSWAMI: 31
A má tese, ou a má temática, a "quantofrenia", conforme Sorokin, ou a "aritmomania", como diz GEORGESCU-ROEGENS, coroou o homo faber tal homo mathematicus. O universo-máquina, que ainda tinha alma, passou a ser ‘um vasto sistema matemático de matéria em movimento’, um ‘universo material (onde) tudo funciona mecanicamente, segundo as leis matemáticas.’
A metafísica e a matemática são fontes auxiliares da ciência da natureza (subsidia), na medida em que elas são os princípios a priori que preparam esta ciência; mas, esta daqui (a ciência da natureza) deve, entretanto, ser uma ciência filosófica (philosophiae naturalis), afim de poder inspirar respeito através desta preparação que lhe trazem a matemática e a disciplina que caminha em seus passos (a metafísica), sob o nome de Philosophiae Naturalis principia mathematica. KANT, I., cit. COHEN, Hermann. La théorie Kantienne de l’expérience. Trad. Thiago Abrahão de S. Soares. - Paris: Les editions du Cerf, 2001.
Somente depois de séculos de engano tudo foi desvendado. EINSTEIN e muitos, como ALFRED NORTH WHITEHEAD, (Matemática, cit. FADIMAN, C.: 333.) perceberam o grave deslize:"Por mais que tenham sido ditas com orgulho, as palavras de Newton repousam num completo equívoco sobre a capacidade da mente humana para lidar com a natureza externa." O número, todavia, permanece sonhando, dispondo a ordem hierárquica, e tudo pretende determinar:

A obsessão em dominar a natureza esconde a verdadeira obsessão do homem: dominar o caos, ou, em outras palavras, ter previsões seguras que evitem a queda no abismo. Para isso, ele inventou a ciência e tratou logo de criar leis deterministas que dessem estabilidade aos fenômenos naturais. A física de Aristóteles, a mecânica de Newton ou a abóbada de Ptolomeu tinham a função primordial de ordenar os acontecimentos da natureza, explicando suas origens e tentando prever seus movimento, PENA, Felipe, Biografias em fractais: múltiplas identidades em redes flexíveis e inesgotáveis. - Revista Fronteiras – estudos midiáticos VI(1):79-89, janeiro/junho 2004
Como vimos até as núpcias se postam alvo de elucubrações matemáticas:
Quanto tempo pode durar um casamento? A matemática é capaz de dizer. Pelo menos é o que afirmam o psicólogo John M. Gottman e os matemáticos James D. Murray e Kristin R., da Universidade de Washington. Eles estudaram durante algum tempo o comportamento de vários casais e prognosticaram se continuariam juntos ou não por meio de uma equação matemática. O índice de acerto foi de 94 por cento. Para fazer suas previsões, Gottman e equipe analisaram vídeos em que 700 casais escolhidos aleatóriamente nas cidades de Seattle, Bloomington e São Francisco, discutiam seu relacionamento. MAGALHÃES, João S. www.reporternet.jor.br/matematica-diz-quanto-dura-um-casamento
O caso de MALTHUS é emblemático. Por suas contas, a população cresceria more geométrico, e os alimentos no máximo em progressão aritmética. Fatalmente o mundo entraria em colapso, mas guerras e epidemias poderiam "aliviar":
Bonar, o principal biógrafo, enaltece os pendores de Malthus, 'indivíduo que defendia a varíola, a escravidão e o infanticídio, que atacava a sopa econômica, os casamentos precoces e a assistência paroquial; que teve o descaramento de casar-se depois de pregar contra os inconvenientes de uma família; que achava o mundo tão mal governado que as melhores ações causavam o maior dano; que, enfim, tirou toda a poesia da existência'. DOWNS: 63
De nada tem servido a antiga lição do humilde cartesiano:

Todas as ciências têm relações entre termos ou relações com o objeto, que se podem expressar por linhas, e o cálculo infitesimal permite representações figurativas para quase todas as idéias. Só que, de tanta geometria, não se devem esquecer os fenômenos ou querer substituir o conhecimento de leis da natureza por manipulações geométricas MALABRANCHE, Filósofos do século XVII: 223
A certeza matemática enfeitiçou MALTHUS, DARWIN, MARX e KEYNES, brilhantes estrelas da via láctea platônica, mas também inúmeros outros cientistas sociais, filósofos e pesquisadores; e por fim, os políticos, e o povo em geral. WALLACE , A.R. & YOUNG, R. (Sciences studies, 1971: 184; cit. JAPIASSÚ, H, 1978: 56) identificam o rastro da intrusa:

Toda a teoria darwineana da luta pela existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva, da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população de Malthus.
A certeza do erro
Para garantir que o mundo esteja sempre no mesmo padrão de horário, 400 relógios atômicos foram distribuídos pelo planeta há anos. Mas, como a rotação da Terra não é sempre igual e pode ser afetada até mesmo por terremotos, esse horário absolutamente preciso marcado pelos relógios atômicos precisa ser corrigido uma vez a cada quatro ou cinco anos. Isso é feito adicionando um segundo a mais nos relógios, permitindo a sincronização do horário oficial mundial com o horário astronômico, que respeita a real rotação da Terra.
A matemática é incompleta; não pode, jamais, alcançar a certeza absoluta.
Matemático GÖDEL, Kurt, cit. STRATHERN: 243
O decantado matemático GEORG FRIEDRICH BERNHARD RIEMANN (1826-1866; cit. MINAZZI: 147) bem antecipara: “A linguagem matemática resultava demasiada pobre para captar a experiência.”
No raiar do XX veio à tona a nova ótica. Em toda a história da física nunca existiu um período de transição tão abrupta, tão imprevisto e de tamanha amplitude quanto o dos dez anos que separam 1895 a 1905. Em 14 de dezembro de 1900, Max Planck anunciou o nascimento da Física Quântica na Sociedade Berlinense de Física. A energia não é emitida e tampouco absorvida continuamente, mas sim na forma de pequeninas porções discretas chamadas quanta, ou fótons, cuja grandeza é proporcional à freqüência da radiação.
O salto conceitual que o físico alemão Max Planck deu em 1900, engendrando a base da mecânica quântica, reformulou de tal maneira a visão do mundo que, ao menos um historiador da ciência, não teria razões para supor que seu impacto já tivesse sido todo absorvido. CAPOZOLI, Ulisses, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) -
Na porta do último quarto (1975) outro famoso matemático - BENOÎT B. MANDELBROT (cit. CAPRA, F., 1996: 118) mostrou-se totalmente insatisfeito com a geometria euclidiana, aquela que varou milênios mapeando as trilhas aos catadores de ventura. Nascia o conceito do fractal, para substituir o que para ele era por demais evidente:
A maior parte da natureza é muito, muito complicada. Como se poderia descrever uma nuvem? Uma nuvem não é uma esfera. É como uma bola, porém muito irregular. Uma montanha? Uma montanha não é um cone. Se você quer fala de nuvens, de montanhas, de rios, de relâmpagos, a linguagem geométrica aprendida na escola é inadequada.
Por certo, ainda que desabem todos os "conhecimentos" empilhados ao longo dos tempos, e que se mostrem relações assimétricas em configurações isentas de regularidade, ainda assim o método matemático dificilmente se desprenderá. Mas poderá diminuir sua incidência, esta importância em progressão crescente, na medida em que verificarmos que ele não passa de mera limitação.
A Física Quântica trouxe no mínimo três conceitos revolucionários: movimento descontínuo, interconectividade não-localizada e, finalmente, somando-se ao conceito de causalidade ascendente da ciência newtoniana normal, o conceito de causalidade descendente, a consciência escolhendo, entre as possibilidades, o evento real, ou seja, a realização do desejo! Ele pode se fazer a cada instante, através de probabilidades, por cada um de nós, na unidade cósmica. Impossível calculá-lo, como de resto tudo o mais. Urge uma ReVerSão. Em vez de estéreis quantidades, que já temos de sobra, precisaremos aprimorar as qualidades. Estas não obedecem tabelas:
O que governa a dinâmica da natureza, inclusive em seu aspecto mais material, na física, não é uma ordem rígida, predeterminada. Nem tampouco uma dialética entre contrários em luta, que leve a síntese, até que se produza uma nova antítese, como na visão dialética marxista rechaçada também pela genética, segundo diz MONOD. É precisamente uma interação - que já existe nos níveis materiais mais elementares entre o aspecto onda e o aspecto corpúsculo - o que impulsiona a dinâmica da natureza. Assim o mostram as relações de mecânica ondulatória, que explicou LOUIS DE BROGLIE, síntese genial que tornou possível, como diz RUEFF, uma filosofia quântica do universo, aplicável não somente às ciências físicas, senão também a todas as ciências humanas. GOYTISOLO, Juan Vallet, Interações
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A Nav·s ALL aprecia viajar na proa do tempo. Cientistas norteamericanos vem paulatinamente certificando a certeza de suas heurìsticas composicoes
A ideia básica da teoria do Dr. Erik Andrulis, professor de biologia molecular e microbiologia da Universidade Case Western, nos Estados Unidos,.é que toda a realidade física pode ser modelada em redemoinho, ou giro. O modelo pretende nada menos do que unificar a física, a química e a biologia. A teoria trans-disciplinar demonstra que objetos supostamente inanimados e não-vivos - por exemplo, planetas, a água, as proteínas e o DNA - são na verdade animados, ou seja, vivos. Com o seu amplo poder explicativo, aplicável a todas as áreas da ciência e da medicina, este novo paradigma pretende catalisar um verdadeiro Renascimento. O  "giromodelo" retrata objetos-partícula, átomos, compostos químicos, moléculas e células, como pacotes quantizados de energia e matéria que oscilam ciclicamente entre estados fundamentais (não-excitados) e animados (excitados) em torno de uma singularidade, o centro do giromodelo.
Uma singularidade é ela própria modelada como um giro, totalmente compatível com a natureza termodinâmica e fractal da vida. Um exemplo dessa organização aninhada, auto-similar, pode ser encontrado nas bonecas russas Matryoshka. (Artigo de Jessica Studeny - 28/01/2012), â cerca da obra recem lancada:
Theory of the Origin, Evolution, and Nature of Life.
Erik D. Andrulis
Life
Vol.: 2(1):1-105
DOI: 10.3390/life2010001
http://www.mdpi.com/2075-1729/2/1/1/pdf



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Os graves prejuízos do mau-juízo darwineano



Se me perguntarem qual é a minha convicção mais íntima o nome que será dado a este século,  se será o 'século de ferro', 'do vapor' ou da 'eletricidade', responderei sem hesitar que será chamado o século da visão mecânica da natureza, o século de Darwin. BOLTZMAN, Ludwig, Populare Schriften Essay 1, theorethical physics and philosophical problems: 15; cit. COVENEY, P. & HIGHFIELD, R.: 135
O venerado permanece em cartaz:
Nascido no século 19, Charles Robert Darwin é o cientista mais conhecido e reconhecido no século 21, superando em notoriedade gigantes como o físico inglês Isaac Newton (1643-1727), o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), o neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) e o físico alemão Albert Einstein. RIOS, R. I., Depto. de Ecologia - Inst. Biologia - UFRJ - www.cienciahoje.uol.com.br
Nunca se vendeu tanta notícia sobre a origem das criaturas. Museus andam engalanados, e o turismo resplandece. Hotéis, transportadoras, bares, restaurantes, casas noturnas e governos agradecem. Trata-se de uma evolução natural produzida por fama artificial, mas neste caso nem vem ao caso. Encontros são sempre reconfortantes, tanto aos partícipes, como aos anunciantes e seus apoiadores.Todavia, o fulcro contém o dna da discórdia, da destruição como objeto, não como meio ou condição primária. Ele presume a concorrência vital, a competição, a comparação, o ganho e a perda. É espartano. É platônico; portanto, ficcional.
A biologia darwinista, quer em sua versão original bruta é determinista (a sobrevivência do mais forte), quer na versão neodarwinista com ênfase na evolução aleatória tem pouco a nos dizer acerca do porque de estarmos aqui, de como nos relacionamos com o surgimento da realidade material e muito menos a cerca do propósito e significado de qualquer evolução da consciência além da conclusão muito simples e utilitária de que a consciência parece conferir alguma vantagem evolutiva.  FEYNMAN, Richard P., cit. GLEICK, J.: 182
Se tal capricho ficasse circunscrito às estéreis discussões metafísicas, às incontáveis contradições bíblicas, se ele se colocasse apenas como uma alternativa religiosa justamente por propugnar a não-religiosidade e se ativesse somente no âmbito desse eixo, essa celeuma até poderia incorporar grandes exércitos, mas apenas ideológicos, como de fato assim tem acontecido. Tais discussões são de fato divertidas. Mas a "seleção natural" extrapola as concepções eclesiásticas e biológicas, indo encontrar abrigo no Direito, na Economia, na Sociologia, e em várias outras disciplinas. Por fim, o juízo darwineano compôs a justificativa, a mais útil munição aos massacres do século XX. Os resultados desta sapiência incutida e generalizada às medições de forças podem ser estipuladas pelos caracteres numerais:
"Os estados foram responsáveis por mais de 200 milhões de mortes cruéis apenas no século XX" (
A tentativa de construção, e o conjunto de técnicas que facultaria ao estatolatra moldar o tipo de sociedade que dispõe ideal, ipso facto em perpectiva antropológica, costuma perder seu sentido simplesmente diante da rebeldia metafísica da consciência humana. O Duce virou azeite de formiga, pendurado de cabeça para baixo, num posto de gasolina de uma praça de Milão, e as pedras do muro selaram o túmulo do mais famoso barbudo.
Poder-se-ia argumentar que a teoria atômica também foi responsável pelo descalabro, e nem por isso ela é desautorizada. Certo. Contudo, o que a bomba atômica provou é a existência e a potencialidade do átomo, enquanto as consequencias nazistas e comunistas demonstraram justamente que o darwinismo contém o germe da falsidade científica e ideológica.
A invenção criacionista e a creação de Wallace encampada por Darwin são desprovidas de fontes e objetividades. Nenhuma é provável. Crianças não deveriam ser molestadas.
* * *
As toscas concepções são adaptadas à física conhecida naquela época:
A natureza toda se transformou em um palco de impulsos e atrações, de dentes e alavancas, de movimentos de partes ou de elementos aos quais eram diretamente aplicadas às fórmulas de movimentos produzidos por bem conhecidas máquinas.
DEWEY, J.: 87
O edifício de Darwin ainda combinava com a grande maioria das obras políticas:
Toda a teoria darwineana da luta pela existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva, da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população de Malthus.
WALLACE, A.R. & YOUNG, R., Sciences studies, 1971: 184; cit. JAPIASSÚ, H. 1978: 56.
Isso a tornou digna de todo o crédito, mas não só isso. Como a mater, o princípio da sobrevivência do mais apto exigiu que as ciências humanas, em especial a sociologia, a filosofia, o direito e a economia, considerassem o princípio hegemônico, base onde se ergueriam as mais modernas edificações sociais.
Afinal, o que não aprende o homem, quando o elefante,
submetido a treinamento, vira acrobata, o urso fica
saltador e o asno dá-se em espetáculo?

ERASMO DE ROTERDÃ, De Pueris: 53
As constatações político-científicas, previamente colocados no fogo antagônico de Hegel, diante da escassez de recursos anunciada por David Ricardo, tendo a teoria da superpopulação alardeada por Malthus, bem como suas predições para salvar (?) a humanidade somados ao arsenal teórico justificante dos embates pela sobrevivência, de Darwin, no âmbito biológico, e de Marx, no âmbito "social", compuseram generosa carga para todos os sentimentos bélicos, de Bismarck a Lênin, de Mussolini a Hitler.
Quando o próprio mundo físico ainda não foi completamente sistematizado, pressupor ou 'descobrir' um sistema na História, sem os meios e a liberdade que a vida toma é não pensar nem como cientista nem como historiador. É de fato uma tentativa de remover dificuldade da história ao preço da destruição do seu único mérito e interesse.
HAYEK, F., Os erros do socialismo - A Arrogância Fatal: 76

* * *
Herbert Spencer (1820-1903) e Albert Schäffle (2) aceleraram o extenso comboio da insensatez. Principles of Sociology (1. vol, 1876) desenvolvem um paralelo entre a organização e a evolução dos organismos vivos e das sociedades; Social Statics fora publicado nove anos antes da Origem das Espécies, e The Man versus State veio em 1884.
Spencer (cit. SCHWARTZENBERG, R.-G: 143) mesclava a tradição racionalista dos economistas clássicos com a versão moderna da natureza - a evolução (3). Tal como Mill e Hegel, Spencer carreou ao liberalismo uma “inteligível confusão.” (SABINE, G.: 699)
Para completar, o extraordinário professor polonês Ludwig von Gumplovicz, utilizou esses conceitos em Die Sociologische Staatsidee (1892). O próprio Estado seria um produto social desse tipo de evolução, aperfeiçoado pela competição e pela luta nos embates tribais, firmando a hegemonia dos mais aptos, prisma igualmente aferido por Schäffle. (5) Em The Growth of Biological Thought, o grande biólogo Ernst Mayr critica esse essencialismo platônico, germe do idealismo de sua Alemanha. Não interessava. As relações sociais passaram a ser observadas pela “tal” lei de sobrevivência, entendida “lei do mais forte”, ou se preferir, "mais adaptável":
Depois de ter sido incorporada por Charles Darwin como uma metáfora para ilustrar o mecanismo evolutivo das espécies biológicas, foi reincorporada por sociólogos como uma confirmação oferecida pela história natural dos processos que atravessam a história humana'.
SCHWARTZ, J.: 57.

O sociólogo francês Durkheim proporciona um exemplo típico deste método que abandona gradualmente a esfera do conhecimento psicológico causal e penetra a das considerações ético-políticas ou jurídicas. Também ele insiste em estabelecer a sociologia como uma ciência natural, orientada segundo as leis da casualidade.... que 'as manifestações sociais são fenômenos naturais e, como tais, estão sujeitas às leis da natureza'.
KELSEN, Hans, (1881-1973) A Democracia: 331
* * *
O entendimento de que “da guerra da natureza, da fome, da morte, forma-se o mais nobre objeto que somos capazes de conceber: a produção de animais superiores” o menos avisado pensaria ser discurso nazista; porém, assim não o é. Esta eloqüente frase foi proferida pelo parente símio, nosso Charles (cit. CARVALHO, E.M.M.: 21).
O trem da alienação desceu a ribanceira, em desenfreada carreira. Tal como se vê na nuvem o desenho que se quer, a “força-maior” biológico-determinista encaixou no estudo de todas as ciências humanas. No parâmetro da nova moda, o universo social passou a ser descrito em ordem uniformemente acelerada. A esquerda “festiva”, por seu maior porta-voz, dedicou a edição inglêsa de O Capital ao autor da Origem das espécies:
“O livro de Darwin é muito importante e me convém como base da luta histórica das classes.” ( MARX, K., cit. JAPIASSÚ, H., 1978: 60)
Darwin recusou a homenagem, simplesmente por não entender o que teria a Seleção Natural a ver com o Socialismo. Na verdade era uma falsa modéstia. A expressão “podemos lançar um olhar profético ao futuro e ver que as espécies pertencentes aos grupos maiores e dominantes dentro de cada classe é que finalmente prevalecerão e darão origens a novas espécies dominantes” traduz a que se opõe o discurso dialético-comunista, mas é de Darwin (cit. CARVALHO, E.: 21) a autoria.
Reafirma o jurista Miguel Reale (p. 223):
“Alguns postulados fundamentais caracterizam a filosofia marxista: o primado do real sobre o ideal, a admissão da teoria evolucionista de Darwin, a concepção materialista da historia, a dialética hegeliana revisada.”
(Marx tanto se valeu do antropofágico curso que Turati e Kautsky ( cit. HAYEK, F.A: 83.) o identificaram como o “Darwin da ciência social”.
Acima dos conflitos, além do “bem” e do “mal”, pois, a teoria darwineana incitou a presença decisiva e protetora dos paladinos despóticos, do príncipe de Gramsci, ao reinado de Stálin.
Thomas Mann (cit. RICHARD, L.: 248) logo saudou a poderosa reunião da raça germânica. Seguiu-lhe, a partir de Darwin, Ludwig Woltmann (cit. JOHNSON, P.: 98):
“A raça alemã foi selecionada para dominar a Terra”.
Johnson (p. 4) complementa descrevendo a "meritosa contribuição":
“A noção de Darwin relativa a sobrevivência do mais adaptável foi elemento chave tanto para o conceito marxista da luta de classes quanto para as filosofias raciais que deram forma ao hitlerismo”.
Robert Downs (p. 8) já no início de sua magnífica obra confirma:
“Consciente ou inconscientemente o Mein Kampf, de Hitler, deve muito a Maquiavel, Darwin, Marx, Mahan, Mackinder e Freud.”
Downs ainda esqueceu do primordial Mussolini, mentor da hipócrita Carta del Lavoro, disseminada pela metade do globo.
A partir da direção do patrono comunista, nova leva embarcou no trem. Joseph Needham, (cit. HAYEK, F.A.: 83) em 1943, foi um dos arrastados:
A nova ordem mundial de justiça social e da camaradagem, o estado racional e sem classes, não é um desvairado sonho idealista, mas uma extrapolação lógica a partir de todo o curso da evolução, que não tem menos autoridade do que aquela que o precedeu é portanto de todas as crenças a mais racional.
Needham igualmente cometeu redondo engano, teórico e prático. Não se trata de programação ordenativa, de tática, de imposição:
“Em resumo, a evolução é um desdobrar-se de uma ordem interna existente. Mas, por ser ela inteligente e não um processo mecânico, há espaço aberto para variações criativas e respostas individuais às circunstâncias ambientais." (LEMKOW, A.: 174)

* * *
O falso sentido dialético baconiano-darwineano, entretanto, ainda se presta a extenso aplicativo:
A analogia sobre a crise financeira serve para mostrar que as teorias de Darwin - agrupadas no que se convencionou chamar de 'darwinismo' - foram mais longe ainda: extrapolaram os limites da biologia e colonizaram outras áreas da ciência, influenciando várias esferas do pensamento humano. Mais até do que uma analogia, a evolução por seleção natural é um elemento crucial da teoria econômica moderna, segundo o economista José Eli da Veiga. 'A ideia é que qualquer sistema evolutivo obedece às leis do darwinismo. E a economia é certamente um sistema evolutivo', afirma Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.
Estadão, 8 de Fevereiro de 2009
O falso diagnóstico só pode acarretar os piores remédios.
A idéia errada de que vivemos num mundo de recursos escassos tem feito mais que impedir a maioria das pessoas a atingir o sucesso econômico. Ao longo dos séculos esta visão negativa de escassez do mundo tem sido responsável por guerras, revoluções, estratégias políticas e sofrimento humano de imensas proporções.
PILZER: 14
Então os mosqueteiros puxam suas espadas protecionistas, nacionalistas, defendendo o que absolutamente não está sendo atacado, com isso ampliando os furos pelos quais são responsáveis:
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Ken Wilber (Up From Eden: A transpersonal view of human evolution: 304; cit. LEMKOW: 178) não permitiria que este fantasma fosse forte para selar o destino de todos:
“A teoria científica ortodoxa da evolução parece correta quanto ao 'quê' da evolução, mas é profundamente reducionista e/ou contraditória quanto ao 'como' (e porquê) da evolução.”
As palavras de Dorion Sagan (cit. DAWKING, R.: 288) igualmente apontam para a possibilidade de uma solução mais compatível com nossa espécie, não de acordo com Hobbes, ou Rousseau, mas com Locke e Smith:
A seguir, a visão da evolução como uma crônica competição sangrenta entre indivíduos e as espécies, um desvirtuamento popular da noção de Darwin da 'sobrevivência dos mais aptos', dissolve-se diante de uma nova visão de cooperação contínua, forte interação e dependência mútua entre as formas de vida. A vida não conquistou o globo pelo combate, mas por um entrelaçamento. As formas de vida multiplicaram-se e tornaram-se complexas cooptando outras, e não apenas matando-as.
De fato, a mais moderna ciência labuta com a metodologia que lhe é compatível:
Quando você compreende a requintada coexistência de opostos, entra em alinhamento com o mundo da energia, o caldo quântico, a substância imaterial, que é a fonte do mundo material. O mundo da energia é fluente, dinâmico, elástico, mutável, eterno movimento. Ao mesmo tempo é imutável, quieto, tranqüilo, silencioso, eterno repouso.
CHOPRA, Deepak
, As sete leis espirituais do sucesso: 23
A idéia cerne de Maquiavel, Hobbes, Lamarck, Malthus, Hegel, Darwin, Bentham, Marx e Sorel é furada. Que dirá seu transplante à sociologia:
Não é a adaptação bem sucedida a um dado ambiente que constitui o mais notável formador da vida, mas a teia de processos ecológicos em um sistema ambiental que forma os padrões psicológicos e comportamentais, os quais podem apoiar-se na genética. A evolução acontece não como resposta às exigências da sobrevivência, mas como um jogo criativo e necessidade cooperativa de um universo todo ele evolutivo.
LEMKOW, A. F.: 183
We can change. I hope.

Aprecie:

200 anos de Darwin. Para inglês ver.

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* Boltzmann defendeu o mesmo ponto de vista na palestra sobre a Segunda Lei da Termodinâmica, proferida em 1886, num festival da Academia Austríaca de Ciências.