quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A razão do Estado



Toda a política dos filósofos se resume em por a onipotência do Estado ao serviço da infalibilidade da razão, a fazer da razão pura uma nova razão de Estado. SOREL, Alberto, L'Europe et la Revolution Française, T.I, Cap.II, cit. em PRELOT, Marcel, Vol. II: 293
Nem toda, assim: 
Estado, chamo eu, o lugar onde todos, bons ou malvados, são bebedores de veneno; Estado, o lugar onde todos, bons ou malvados, se perdem a si mesmos; Estado, o lugar onde o lento suicídio de todos chama-se – 'vida'. NIETZSCHE, F., Assim falava Zaratustra
DESDE A TENRA IDADE  o ser humano aprende a clamar pela Justiça. O pai resolve as primárias; posteriormente, cabe ao Estado oferecer o conforto. Eis o carma ocidental:
O conceito de justiça é o primeiro conceito democrático mistificado por Platão. A justiça surgiria como uma propriedade do Estado. Seu totalitarismo é disfarçado sob a capa de 'verdadeira justiça', e se legitima teoricamente mediante a subversão doutrinária do humanitarismo em três frentes: defendendo o privilégio natural, postulando o coletivismo, advogando a tese de que o indivíduo existe para o Estado. Platão sutilmente instituiu uma sinomia entre individualismo e egoísmo: apelando para o sentimento humanitário, subverteu o conceito de individualismo, conceito que se opõe ao coletivismo não implicando, portanto, na adoção do egoísmo como padrão moral, tentando tornar a alternativa coletivista como a única moralmente compatível com o altruísmo. PEREIRA, J.C., Epistemologia e Liberalismo - Uma Introdução a Filosofia de Karl R. Popper:116
Na verdade, a política não mudou desde a sua invenção pelos gregos.
GALSTON, Willian, Brookings Institution, e ex-assessor da Casa Branca.
Mas que razão admite e até requer o uso desse instrumento das cavernas?
O grego e o romano, capazes de imaginar a cidade que triunfa da dispersão campesina, detiveram-se nos muros urbanos. Houve quem quis levar as mentes greco-romanas mais além, quem tentou libertá-las da cidade; mas foi vão empenho. A escuridão imaginativa do romano, representada por Bruto, encarregou-se de assassinar César - a maior fantasia da antigüidade  GASSET, Ortega Y, Rebelião das Massas.-.
Coincidentemente os papagaios nada produzem; apenas arrecadam, dividem os frutos do suor alheio, e curtem muito, muito turismo.
Politico é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaniquados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima…Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação.
DEMO, P, ,  Introdução à sociologia, :330.
Durante cinco dias, 40 chefes de Estado, cerca de 15 ministros de Finanças, 20 presidentes de bancos centrais e dezenas de dirigentes empresariais, assim como algumas ONGs -no total, 2.500 presentes-, estiveram em Davos formas de buscar soluções à "crise econômica".
E de que fontes se vale o Estado para prescrever a tábua?
A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões dos estrangeiros e das injúrias dos próprios comuneiros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio trabalho e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (...) Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes - com toda reverência - daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. HOBBES, T, The Leviathan, cap. 17.
Teria Leviathan a obrigação, ou pelo menos a intenção de ser justo, oferecer a Justiça por todos sempre invocada? 
Um governo fundado no princípio da benevolência para com o povo, como é o caso do governo do pai em face dos filhos, ou seja, um governo paternalista, no qual os súditos, como filhos menores que não podem distinguir entre eles o que lhes é útil ou prejudicial, são obrigados a se comportar passivamente, para esperar que o chefe do Estado julgue de que modo eles devem ser felizes, esse governo é o pior despotismo que se possa imaginar. KANT
O Estado Poder inverte a ordem dos fatores. Para ele a força do Estado é que confere liberdade e prosperidade aos cidadãos. Seu princípio prioritário é a autoridade. Ávido de tudo reger, sequioso de tudo regular, o Estado Poder absorve e centraliza um número sempre crescente de atividades. Apoiando-se num aparelho tecno-burocrático, ele dirige, comanda, ordena. O Estado Poder mantém a nação sob tutela. Para fazer a felicidade dos cidadãos a despeito deles, senão contra .(SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard, O Estado Espetáculo: 329)
Temos aí dois longos caminhos a percorrer. Um ruma descobrir um preciso conceito de Justiça. Missão impossível: a linguagem não dá para tanto. O outro, interpretar o espírito da lei, o que ela visa, além daquela impossibilidade. Escolhi esta, menos monótona. MONTESQUIEU foi meu primeiro guia; por cisma, conduziu-me àquela. Logo descobri que o globetrotter francês usava um mapa lavrado há século. No inglês a Justiça não era ideal, mas conseqüência da lei melhor formulada, adequada à Nação, porque feita por ela, não mais para atender o exclusivo e desmedido apetite do Rei.
Pois a moeda falsa circula apoiada na verdadeira. No fim das contas, o engano vem a ser um humilde parasita da ingenuidade. Tão logo a lei passou à cargo da Nação, ela tomou mais força, e com isso mais inquestionável, de modo que a filosofia, a tradição, o espírito da lei passou a ser mera expressão numérica - a vontade circunstancial de uma maioria eventual, esta invariavelmente regida por paixões e carências de toda ordem, porque não há ser humano sem sofrimento. Confundiu-se o que fosse sociedade - um fenômeno natural, nascido automaticamente da simples convivência, e cujos efeitos se vê na segregação de costumes, dos usos, língua, do direito consuetudinário, confundiu-se isso, dizia, com a estreiteza e objetividade da associação, praticamente o oposto, pois. Assim é que a sociedade regida por "contrato social" se constitui numa heresia semântica, mas aceita graças aos sofismas e manipulações dialéticas que toda palavra permite. Eis a matéria-prima ao novo e infinitamente mais agigantado condottieri: "Através da vontade geral, o povo-rei coincide, miticamente, de agora em diante, com o poder; essa crença é a matriz do totalitarismo." (COCHIN, Auguste, cit. FURET: 1989: 191)
Democracia e Lei eram sinônimos, convivência legal. A partir de então, assistimos o triunfo dessa hiperdemocracia de pretensa vontade-geral.

Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de limitar o poder - os direitos sociais exigem, para sua realização prática, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. BOBBIO, N. A Era dos Direitos: 72
Data Venia deste uno dei maggiori intellettuali del Novecento, por isso nosso TriPulante de proa, os direitos são necessariamente sociais, mas nenhum tem a ver com o Estado, porquanto prerrogativas individuais. Ele é apenas guardião. Se o voto é individual, como admiti-la deste modo retorcida? Pois foram os porta-bandeiras do regime democrático que retiraram justamente as principais estacas da democracia, daí permitindo que ele, Estado, edite normas ao arrepio do Direito, apenas conforme o interesse circunstancial de quem detém a condição manipulatória, tudo em nome daquela metonímia social, uma sociedade anônima sem conselheiros, nem compromisso com o menor desenvolvimento, apenas dotada de executivos totalmente irresponsáveis, quando não psicopatas. 
A trapaça, a má-fé e a duplicidade são, infelizmente, o caráter predominante da maioria dos homens que governam as nações. ( Frederico II   cit. CHALLITA: 156.)
A massa consagra, por isso supõe ser autora da lei que lhe é dada como melhor, e assim pensa impor suas aspirações e seus gostos.Lêdo engano, provocado pelo fetiche platônico
Sim: aprendam com os alemães! A história caminha em ziguezagues e por vias tortuosas. Acontece que são os alemães quem, agora, lado a lado com o imperialismo bestial, incorpora o princípio da disciplina, da organização, do trabalho sólido, conjunto, com base na maquinaria mais moderna, na mais estrita prestação de contas e controle. E isso é exatamente o que nos falta.
LENIN, W. On Left Infantilism
Não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder. TOLSTÓI, Leon, A escravidão de nosso tempo, 1900, cit. WOODCOCK, G.:106
Tudo depende, portanto, de se fazer com que os súditos acreditem que o governo é bom e justo, e de os cidadãos sentirem-se felizes em obedecer às suas ordens - daí todo conjunto de medidas draconianas, aniquiladoras de toda liberdade de pensamento, sugeridas por Platão tanto na República quanto nas Leis, a fim de produzir e conservar nos súditos essa crença. KELSEN, H.: 501
O característico do momento é que a alma vulgar, sabendo-se vulgar, tem o denodo de afirmar o direito à vulgaridade. Ser diferente é sinônimo de indecente. Sem nenhum pudor, ela busca atropelar o tomado egrégio, individual, qualificado, seleto.
A diferenciação teórica e prática entre democracia e autoritarismo nunca foi tão difícil de ser feita como hoje, na medida em que suas características antagônicas nem sempre se encontram separadas em regimes opostos, se não muitas vezes convivendo dentro do próprio regime democrático. Isto quer dizer que num sistema político onde seus dirigentes possuem impunidade para violarem a lei, não respeitando os direitos individuais ou das minorias, a vontade política da maioria expressada através do exercício eleitoral não pode ser considerada autenticamente democrática. O que garante a legitimidade democrática, em última instância, é o rigor do Estado de Direito. LEIS, Hector, O mandato democrático-autoritário do populismo contemporâneo. 28/1/2010
Nietzsche (Além do Bem e do Mal: 45) já entendia, e alertou:
Os niveladores... rapazes bonzinhos e desajeitados... mas que são cativos e ridiculamente superficiais, sobretudo em sua tendência básica de ver, nas formas da velha sociedade até agora existente, a causa de toda a miséria e falência humana... O que eles gostariam de perseguir com todas as suas foras é a universal felicidade do rebanho em pasto verde, com segurança, ausência de perigo, bem-estar e facilidade para todos; suas doutrinas e cantigas mais lembradas são 'igualdade de direitos' e 'compaixão pelos que sofrem' - e o sofrimento mesmo é visto por eles como algo que se deve abolir. NIETZSCHE, F., Além do Bem e do Mal: 45
Poder-se-ia apreciar pelo lado contrário: os de menor número é que mereceriam a defesa do Estado, coisa mais pertinente à chamada direita. Tanto faz. É a divisão, a formulação do antagonismo que enseja a presença do "justiceiro":

Com efeito, quase todos os vícios, quase todos os erros, quase todos os preconceitos funestos que acabo de pintar deveram seu aparecimento, ou sua duração, ou seu desenvolvimento à arte da maioria de nossos reis de dividir os homens para governá-los mais absolutamente! TOCQUEVILLE, A., 1997, cap. XII: 139
E por aí transcorre a  cada vez mais irracional razão estatal. 
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