quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Muito além dos jardins de esquerda & direita

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PARIS estabeleceu o clássico.








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NA VERSÃO francesa do
Festival de Parintins*
os animais ficavam nas arquibancadas:

Na França, desde 1789, ou se era vermelho ou branco,
padre
ou leigo, burguês ou socialista, reacionário ou progressista.
E entre os dois grupos inimigos, as pessoas se estripavam,

cortavam-se em pedacinhos, insultavam-se, desprezavam-se.
Giles Lapouge
Na falsa impressão da busca pelo branco da paz, o estúpido confronto entre o bleu e o rouge se expandiria pelo mundo afora, à infelicidade geral da civilização.
Sobre o tapete-verde da esperança, o Gre-nal * * da Cidade-Luz catalizava as tochas, porque naquele tempo não havia refletores. Do lado direito, com o tradicional uniforme azul, postava-se a aguerrida equipe girondina;
por conseqüência, na esquerda os jacobinos. Envergavam modernas jaquetas, de vibrante vermelho.
As porfias vinham precedidas de enorme cartaz, promoção e ampla cobertura da imprensa, de modo que tricoteuses e sanscullotes acorriam em massa à Place de La Concorde.

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Le jour de glorie est arrivè!

Pensava-se que a síntese da dialética, o resultado de campo pudesse consagrar o campeão,
por isso o mais adequado para representar o povo nos combates internacionais:
Essa contradição de idéias reproduziu-se, infelizmente, na realidade dos fatos na França. E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias políticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governado, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a imposições e mais explorado de toda a Europa.
(GUSDORF,
Georges, As Revoluções da França e da América: 59
)
Enquanto os players se digladiavam, a torcida exultava a cada penalty, especialmente quando acompanhado da expulsão do adversário. "Menos um", diziam.
Mercê de uma arma secreta denominada guilhotina, os escarlates lograram a primeira vitória;
na revanche, os azuis vieram com novo capitão, e recuperaram a taça borbulhante de sangue.

De fato, o campeoníssimo Napoleão inflingiu derrotas pelo mundo afora, e o mundo se quedou no mesmo esporte, com os mesmos contendores.
Na Alemanha, na Rússia, na Itália, Espanha, Polônia, até em Portugal, o clássico monopolizou as atenções, daí se espraiando pelas américas, África, Ásia, mas não atingiu esquimós, ou os nórdicos, por muito frios,
nem a Oceania, repleta de cangurús.

O torpe embate exigiu a contratação de tiranos treinadores; de conseqüência, milhões de inocentes
torcedores foram jogados em tumbas coletivas, por duzentos e cincoenta anos.
A renda auferida foi de tal intensidade que até hoje, em confins, tentam resgatar o programa, mas o êxito é improvável, embora em reinos tropicais, dominados por cobras, macacos e aves bicudas, venha logrando o sucesso, em virtude das artimanhas desenvolvidas. Como tais, tem validade prefixada. Nas praças o pessoal aguarda o desenlace dando milho aos pombos.

Naquela época vingava o amadorismo, e os afixionados supunham que os jogadores eram movidos por ideais. Raros cogitaram que o intuito das esquadras visasse apenas o bicho da vitória, valor logrado das rendas dos espetáculos, e dos despojos dos vencidos.
Os canibais comemoravam os feitos com opulentos banquetes. Os restos eram oferecidos ao povo faminto,
o qual, por tão esquálido, não lhe abatia saber da procedência da carne servida.
Passado pouco mais de século, em algumas cidadelas, inclusive brasileiras, os duelos aconteceram combinados. O dirigente do azul era o mesmo do vermelho, o jogo marmelada, mas ninguém se dava conta. Até hoje! Desse modo, o bicho continua repartido entre os protagonistas, e a torcida, a lamber-sabão:
Lula tem dito que a aliança formal com o PMDB, feita no segundo mandato, lhe deu paz congressual. Em episódios do passado semelhantes ao atual caso do grampo no Supremo, sempre surgia um movimento de coleta de assinaturas para CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). E o governo era obrigado a agir para abafar ou, muitas vezes, aceitar a criação da CPI por falta de força. Com o PMDB a favor do Planalto, as CPIs deixaram de ser um problema.
(www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/brasiliaonline/ult2307u444635.shtml)
* * *
A MOROSIDADE das parcas comunicações outrora disponíveis - sinais e palavras diretas, mensagens por cavalos, camelos, trens e navios, também com fumaça e tambor - relegou o ser a viver sem saber para o quê, muito menos a serviço de quê, limitado à sobrevivência. Agora, mesmo com rádios, televisões, computadores, telefones, fax, telex, cds, tapes, livros, filmes, jornais, revistas, Internet, e-mails, correspondências, escolas de toda sorte, diversas e infinitas provas alcançadas na vida quotidiana, ainda assim tropeçamos em freqüentes barreiras, sutis relevos de tantas minas socadas. Estamos acostumados, desde a infância, a raciocinar sobre a idéia de um ambiente mecânico, puro e estéril, determinista e, por isto, consumado. Felizmente não precisa ser assim. O futuro é composto por cada ser, na unidade cósmica. Impossível determiná-lo, sequer conduzi-lo.
Destino e horário o que tem é trem. Navegar é preciso, mas viver, não.
* * *
Na ciências, mormente nas políticas, que a tudo envolve, é flagrante o fio-de-Ariadne que vem nos enrolando:
Independentemente do que vier a ocorrer, direita e esquerda têm hoje uma vida autônoma com respeito à matriz em cujo interior foram originariamente desenvolvidas. Conquistaram o planeta. Tornaram-se categorias universais da política. Fazem parte das noções de base que informam genericamente o funcionamento das sociedades contemporâneas.
(GAUCHET, M., Storia di una dicotomia. La destra e la sinistra, Milão: Anabasi, 1994, orig. La droite e la gauche, Paris: Gallimard, 1990; cit. BOBBIO, N. 1995: 14/5 )
Vero. Ambas, de envergonhadas, se imiscuem travestidas, ora de neoliberal, ora de social. Tudo mentira, fantasia de pirata. Não há como sobreviver:
O que chamamos ‘democracia’ consiste tão somente numa enquete de opinião pública na qual se pede a uma amostra ‘causual’ que diga sim ou balance a cauda em resposta a um conjunto de alternativas pré-fabricadas, geralmente relacionadas aos fatos consumados dos governantes, que sempre podem dirigir as enquetes em seu próprio beneficio.
(ROSZACK, T. : 29)
A ciência (técnica) e o interesse político (ideológico) produziram os arquétipos coincidentes:
"A tendência natural das ideologias racionalistas é, desde esse momento, crer que o mundo é previsível, 'em princípio', em todos os seus aspectos e elas são hostis à idéia de 'criatividade' (no sentido bergsoniano). O determinismo é aliado natural do racionalismo. "(KOLAKOWSKI: 50)
* * *
A vida não é uma peça de teatro; tampouco a luta para ganhá-la se restringe ao Maracanã, ou em alguma passarela de samba. Nossos filhos não merecem ser perfilados em meras torcidas, admirando os artistas. As cortinas se fecham:
"A política dos blocos acabou. Não há mais nem direita nem esquerda na Suécia.” (INGVAR CARLSSON, chefe dos social-democratas, cit. O Estado de São Paulo, 25 /9/1995., A13)
Não é só a Terra, nem os planetas, tampouco o Sol, que estão a girar. Nem o universo é estático, como pensavam os corifeus da bestialidade.
Longe de ridicularizar os aspectos irracionais do comunismo e do fascismo, devemos antes criticar estes credos políticos pela sua falta de conteúdo sensível e estético, pela pobreza de seu ritual e sobretudo pelo fato de que nenhum deles chegou a entender o papel que a poesia e a imaginação desempenham na vida da comunidade.
(HERBERT, Read, O anarquismo e o impulso religioso, 1940, cit. WOODCOCK, 1971: 68)

Não são poucos os que reconhecem, até se penitenciam.
Sir James Lightill (cit. COVENEY e HIGHFIELD: 242) foi dos mais célebres:
Hoje em dia todos nós estamos profundamente cônscios de que o entusiasmo que nossos precursores tinham em relação aos feitos maravilhosos da mecânica newtoniana levou-os a fazer generalizações nesta área de previsibilidade, na qual de modo geral talvez tenhamos tendido a acreditar, antes de 1960, mas que hoje reconhecemos que era falsa. Queremos nos desculpar coletivamente por haver confundido o público instruído em geral, fazendo-os acreditar em idéias sobre o determinismo de sistemas que satisfazem as leis de movimento de Newton, as quais, a partir de 1960, foi provado serem incorretas.
Alvin Toffler (Previsões e premissas: 96) e Francis Fukuyama ( O fim da história e o último homem.) consideraram os efeitos iminentes daqueles feitos imprudentes, e definiram:
E o mesmo pode ser dito da maioria dos ‘direitistas’. Na verdade, quase todas as pessoas, não importando seus credos políticos, vêem o futuro como uma simples linha, reta, um prolongamento do presente. Acho que a eles está reservada uma grande surpresa. Chegamos ao fim de uma era - e nesse ponto todas as apostas são suspensas.
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A época moderna pode ser considerada como fim da história, se tomarmos ‘fim’ no sentido de ‘telos’ coletivo da humanidade. Cumprindo esse ‘telos’, não haveria outros fins universais e sim individuais ou particulares. Isso representaria a possibilidade da multiplicação indefinível dos fins.

Ainda que não faltem críticas, especialmente à Fukuyama, Japiassú (Um desafio à Filosofia : pensar-se nos dias de hoje: 10) os compreende, com facilidade:
Pois o chamado ‘fim da história’ nada mais é do que a emancipação da multiplicidade dos horizontes de sentido. Um desses desafios é o de repensar o pensamento científico, libertando-o de sua ganga positivista, de sua mania contábil, a fim de instalar em seu seio a argumentação filosófica capaz de regular as relações do conhecimento científico com as demais modalidades de pensamento e ação. Outro, não menos importante, é o de pensar a modernidade. Porque esta não é um momento datado da história, definindo uma época. É o nome de uma ruptura, de uma crise relativamente à tradição. Estamos diante de uma nova episteme: da indeterminação, da descontinuidade, do deslocamento, do pluralismo (teórico e ético), da proliferação dos projetos e modelos, da ampliação de todas as perspectivas e do tempo da criatividade.
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Notas

*www.parintins.com
** Gre-nal - Wikipédia

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