sábado, 12 de julho de 2008

Estranhos no ninho


O dramático reality show traz à ribalta a completa distorção, para não dizer subversão, pela qual a democracia foi reintroduzida no Brasil.
Atraído por slogans e cantorias, o povo presumiu que sairia de um estado de excessão para o de direito,
onde tudo pode ser previsível,
e apenas isso lhe indicava que tudo iria melhorar.
De fato, muito tem melhorado, especialmente àqueles atores. Ao eleitor, contudo, não. De plano ele viu que a constituição lavrada em nome da democracia era mais autoritária que a anterior. "Legalmente" ela concede ao Executivo a prerrogativa de legislar e escolher os membros do judiciário. Desse modo o torna infinitamente poderoso; por conseqüência, o cidadão ficou sem nenhum poder. Ademais, em que pese recém elaborada, a base logo foi reformada, mercê de mensalões,
para o estender o usufruto do príncipe.
O povo presencia os torpes capítulos,
cuja gravidade vem se acentuando.

O espetáculo vem em paulatino crescimento,
mas o público decresce.

Com o Estado entortado, os três poderes fazem mal.
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O enredo é antigo, e freqüente. Os atores se vestem na moda, usam neologismos, mas objetivo e desenrolar são sempre os iguais. A predisposição desagrada a galera. Ela não costuma ter muita paciência. Eu tive, e ainda tenho. Enquanto construiam o palco da magia, e reluzentes trombetas convocavam o gado ao rodeio, eu via a troca de roupa nos camarins.
De antemão tomei ciência da farsa.
O pano democrático era para encobrir o midiático.
Os fundilhos não recomendavam, por isso pensei que o programa não fosse apropriado a longa metragem. Sentei-me na praça, para dar milho aos pombos, enquanto os artistas faziam todos de tontos. O elenco chegava de macacão, alguns vermelhos, outros cinzas. Graduado aparecia com o tricolor, importado da França. Dizia-se Féliz. Denominador comum era o roteiro. De tão encantador, os astros sequer cogitavam folhear as últimas páginas para terem certeza do sucesso. O elenco era unânime: a glória seria inevitável.
Como o epílogo não interessava, já que cada um poderia escolher o que melhor lhe conviesse, o script ficou à mercê. Eu vi as páginas finais. Meus cabelos se arrepiaram.
De fato nada de novo havia, e por isso fiquei pasmo.
Os entusiasmados protagonistas só mostravam alegria. Para a gente, eram feiticeiros; mas subiram porque enfeitiçados, dominados pela cobiça, cegos pela obssessão tão ardentemente cultivada por longo período de jejum. O ingresso no palco era singelo e festivo, e a abertura já lhes prenunciava o desfecho. Lêdo engano, o mais crasso dos equívocos!Ao diretor da peça interessa a platéia. Não lhe apraz consagrar nenhum ator, e aos figurantes, nem por favor. É ela, e não eles, quem lhe garante a bilheteria.
* * *
Maquiavel era meio sádico, bem o sabemos, e definitivo. Ele compôs a trilha sem admitir variação: reservou um final melancólico, senão trágico, aos malvados atores principais, justamente para agradar o povo.
Pode algum desavisado se queixar da cilada armada pelo maldito diretor a quem nele acredita, mas ele sempre foi bastante claro: os fins justificam os meios.
A película é longa. De início não me dera conta, mas quando lembrei dos vinte anos de Mussolini, Hitler, Getúlio, Franco e Stálin, percebí que os pombos iriam engordar ainda iriam engordar por mais tempo.
Então, sento, descanso, e dou milho aos pombos.

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