domingo, 15 de junho de 2008

As estréias de Garrincha, Vavá & Pelé


É Jubileu de Ouro. Há quem bem lembre, e quem detenha apenas uma silhueta; outros só ouviram falar, alguns leram, muitos esqueceram, mas a maioria do povo brasileiro, pela obviedade temporal, não presenciou aqueles instantes mágicos, lúdicos, marcantes.
A estréia da dupla Garrincha- Pelé ocorreu no dia 18 de maio de 1958, em amistoso realizado no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, preparação para a Copa do Mundo daquele ano, na Suécia. A seleção bateu a Bulgária por 3 a 1. Pelé marcou dois gols. No mes seguinte o público se aglomeraria nas praças, de ouvidos nos auto-falantes. Eles transmitriam a performance dos canarinhos lá daquele longínquo mundo, onde também havia seres humanos,, e dizem, ainda, mais desenvolvidos, vê só!
Havia apenas oito anos que o Brasil decepcionara o povo, em sua própria casa.
A delegação partiu sem muito crédito, malgrado recheada de craques., e com as novas e vistosas camisetas. As brancas de 50 vestiam jogadores de grande quilate técnico, mas o fracasso dizia que algo mais era necessário, além do talento. Se isso existia, ninguém sabia. A torcida rezava. O ceticismo promovia o catecismo.

15 de Junho: comunistas à vista!
Reputo esta data quiçá a mais importante do futebol brasileiro.
O jogo era contra os soviéticos, a melhor defesa do mundo, comandada pelo lendário Lev Yaschin, o maior goleiro do mundo.
Ainda que tivesse nas vésperas convencido, a seleção iria mudar meio time.
O centro-médio (center-half) Dino Sani, do São Paulo F.C, excelente orientador de campo, porém um tanto estático, machucara o joelho numa brincadeira. Zito, do Santos F.C., espreitava a oportunidade.
Na frente, contudo, é que se procederiam as decisiva alterações à vitória da Seleção de Ouro.
O centroavante era Mazzola, uma revelação do Palmeiras. A Itália não perdera tempo, e no meio da competição ofertara uma proposta milionária para levá-lo à Milão. Pronto. O que restaria ao craque, a não ser se preservar? Para ele, tudo de bom. Para a Seleção, contudo, não. Vavá, do Vasco da Gama foi chamado à ação. O Peito-de-Aço cruzmaltino possuia excelente presença de área. Se tivesse algum cruzador, estaria liquidada a fatura. Joel, agudo ponta-direita do Flamengo não tinha essa característica, mas um irresponsável no banco de reservas as detinha de sobra. Nilton Santos, o grande companheiro do Botafogo F.R., garantiu:
-Seu Feola, ele joga muito. Lá no Rio, quando estamos meio cansados, largamos a bola para ele, e pronto. Bicho garantido!
Joel estava com o joelho inchado, mas o doutor Hilton Gosling, atendendo ao maquiavélico pedido dos jogadores, concedeu-lhe licença para treinar. O resultado foi o agravamento da contusão. Garrincha iria estrear.
O meia-esquerda era outro flamenguista, Dida, até meio parecido com o recente Bebeto. Com Joel barrado, Mané na ponta e Vavá no meio, ainda assim Pelé ameaçava ir embora, com medo do ferrolho soviético, Feola decidiu: Pelé estréia hoje, querendo ou não!
Pelé, na ocasião com apenas dezesseis anos, nem tinha o corpo formado. Era franzino, e receoso de pontapés. Vavá sequer o conhecia, mas Zito, que desde a Vila Belmiro comandava o Rei dentro de campo, chamou para si a responsabilidade.
Com a equipe formada, pronta para entrar nas quatro linhas, Feola chamou Garrincha:
- Você fica lá na linha lateral, no meio-campo. O Didi (célebre armador do Botafogo, criador da folha-sêca, depois treinador da Seleção Peruana) o Didi quando pegar a bola tem ordens de mandá-la para você. Seu trabalho é muito simples: você primeiro dribla o ponta, que deve estar junto a você. Quando vier o lateral, passe por ele. Vai chegar a cobertura do quarto-zagueiro. Aí é só puxar a bola para a direita, como você sabe bem, e cruzar para a área. Se Pelé não alcançar, Vavá não vai deixar passar.
Garrincha lhe respondeu:
- Mas seu Feola, o senhor já comunicou isso aos russos?
* * *
O começo do jogo foi arrasador. Não são poucos os que se referem aos minutos mais empolgantes já presenciados por todas as torcidas. De fato, na primeira bola, a um minuto, Garrincha passou por dois e desferiu um torpedo que balançou a trave do Aranha-Negra, logo atordoado. No minuto seguinte, Vavá inaugurava o placar.
O desenrolar do jogo foi um festival de tabelinhas entre Vavá e Pelé, secundados pelo show à parte, na ponta-direita.
O resultado foi dois a zero, com facilidade, e a revelação dos dois maiores craques que já pisaram os gramados do mundo.
* * *
Com o prêmio pela conquista da batalha, Garrincha adquiriu um radinho à pilha, novidade desconhecida no Brasil. O massagista Mário Américo lhe aplicou o golpe:
- Mané, você foi comprar um rádio logo aqui? O que há de servir um rádio que só fale sueco? Vou te salvar. Compro ele pela metade do preço, para dar de presente a um chato.
Garrincha concordou, mas foi reclamar com o chefe-da-delegação:
- "Seu" Paulo, como é que me deixaram comprar essa porcaria, que só fala sueco?
- Calma, Garrincha. Sei de loja que vende um que fala em todas as línguas, até em português.
À noite Garrincha ganhou seu novo rádio.
* * *
"A Taça do Mundo é nossa. Com brasileiro, não há quem possa!" era o refrão nas avenidas.
Com Garrincha e Pelé no time, jamais a Seleção perdeu.
Infelizmente, isso faz parte desse distante passado.
No lugar de Pelé, hoje temos Josué.
No lugar de Zito, temos três volantes, e não chega.
Na ponta-direita, ninguém.
Na época, contávamos com flamante JK. Hoje tem mula lá.
Na ocasião, surramos a poderosa U.R.S.S..
Hoje sucumbimos, mansamente, perante apenas dez paraguaios.
Nesses dias, até jogadores de basebol venezuelanos tem no prato canarinho.
* * *
Por ironia, Garrincha faleceu quase abandonado, vítima do álcool; e graças a Pelé, e sua lei, nossos maiores craques foram alegrar inúmeros países, menos o nosso.
O Brasil tem mesmo avançado. Como rabo-de-cavalo. Em país de todos, portanto de ninguém, todo mundo mete a mão.
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Ficha do jogo:
Brasil 2 x 0 União Soviética
Data
: 15/06/1958
Local: Nya Ullevi, em Gotemburgo
Público: 50 mil torcedores
Juiz: Maurice Guigue (FRA)
Gols: Vavá, aos 2 minutos do primeiro tempo; Vavá aos 20 minutos do segundo tempo.
BRASIL: Gilmar; De Sordi, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagallo.
Técnico: Vicente Feola
URSS: Yashin; Kesarev, Kuznetsov, Voinov, e Krijevski; Tsarev e Alexander Ivanov: Valentin Ivanov, Simonian, Netto e Ilyin.
Técnico: Gravil Katchaline
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Veja:
Meu amigo Mané
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Um comentário:

  1. Então, César...

    Ótimo você colocar dedicar um post à essa histórica dupla. E não apenas quem viveu esses momentos, conhecem o talento deles. Pra dizer a verdade, mesmo os mais novos sabem muito de Garrinha. E sobre Pelé, nem se fale.
    Nossa, os dribles do Garrinhcha!11 Demais, né? Sem contar os certeiros e desconcertantes "jogos de corpo" que ele aplicou nos seus adversários (coitados!)e que não foram filmados.

    Por que nunca apareceu outro pelo menso parecido com o Garrincha, né? Temos hoje as pedaladas, invenções como aquele negócio "da foca",...mas nada tão original quanto os do Garrinha.

    Mas nem tudo é mar de rosas. Injusto, um gênio, craque, terminar a vida ocmo ele terminou. Depois de dar tanta alegria ao Brasil....Tá certo, a sua memória será sempre lembrada. Mas que duro ele não ter tido uma vida confortável,...a CBF devia ter cuidado dele, de seus vícios,...

    Mas é isso, vou parar, por aqui, rogando para haja mais equilíbrio nos contratos milionários dos jogadores, mais responsabilidade e honestidade dos jogadores e dirigentes com o clube que estiverem defendendo, para assim, fazer valer o verdadeiro sentido do futebol: EQUIPE.

    Lena

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