domingo, 26 de junho de 2011

O quadro negro das democracias

 
Não existe tirania mais cruel do que a exercida à sombra da lei e com uma aparência de justiça, quando, por assim dizer, os infelizes são afogados com a própria prancha em que tinham sido salvos. MONTESQUIEU: 109
Quando Péricles, o ateniense, deu aos representantes da terceira classe o direito de serem “arcontes” (parlamentar, magistrado com poder de legislar e executor das leis); quando distribuiu dinheiro aos pobres para que também eles pudessem exercer funções públicas; quando deu aos indigentes o direito de irem ao teatro de graça, Péricles estava instalando a primeira constituinte democrática, fazendo a primeira Constituição democrática, criando a democracia, 2.500 anos atrás. O que estão fazendo no martirio da Grécia é uma traição a Péricles .O martírio da Grécia
De fato, é como as nações modernas estivessem repetindo cegamente o erro que foi fatal para as cidades gregas, dois mil e quinhentos anos atrás. Por mais incongruente que isso possa parecer, minha impressão é de que a peça que estamos encenando já foi montada na Grécia, na época do nascimento da filosofia socrática. É que, desde Platão, as coisas praticamente não mudaram. É como se a espécie humana não pudesse escapar da mediocridade de seu destino.  SAUTET, Marc, 2006: 15/86
Se no Oriente ecoa o canto de cisnes, no lado de cá assistimos o protesto generalizado contra os governos eleitos pela própria população. Em qualquer canto Leviathan tem demonstrado ser ele próprio o lobo do homem.
Sob o falso pretexto de defender os interesses do povo, esse gigantesco Leviatã consome a renda da população, gere mal os recursos e fecha a economia do país a seus desejos, inibindo investimentos internos ou externos. Com políticas econômicas frágeis e na maioria das vezes mal formuladas (dado o fraco entendimento dos governantes nesse assunto), o crescimento econômico pode se iniciar acelerado, mas ao longo do tempo mostra-se ineficiente e frágil, fadando o país a um atraso monstruoso em relação a regiões mais democráticas. VASCONCELLOS, D., A ameaça do 'Estado-pai' - O Globo, 27/8/2010
O despotismo já não é acatado, o nazifascismo é intolerável,  o comunismo ruiu por lhe faltar objeto, mas a democracia também mostra  incompetência para regular, tecer um ambiente estável onde as comunidades possam viver em paz. E não é de hoje.
Não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder. TOLSTÓI, Leon, A escravidão de nosso tempo, 1900, cit. WOODCOCK, G.:106
Infelizmente, com o passar do tempo, o intervencionismo estatal norte-americano foi se fazendo mais e mais presente, a ponto de aquele país hoje estar mais parecido com uma social-democracia, muito em parte devido à ação de grupos sindicais, formais ou informais, de trabalhadores e patronais, de tal forma que as recentes crises econômicas e o seu lento crescimento econômico retratam este estado de coisas. PIRES, Klauber, www.imil.org.br, 16/9/2010
 O homem se revolta, por demais enganado.
Menos de dois anos passados após o triunfo de Obama, a democracia nos EUA se vê confrontada por difíceis desafios que, na verdade, já estavam evidentes antes dos estragos causados pelos oito anos da era Bush - estragos que foram agravados por suas consequências... hoje é uma nação em relativo declínio, num mundo em que os novos atores emergentes não comungam os valores liberais nos quais se fundam a democracia americana. SOTERO, P., A América no espelho - Estadão, 13/9/2010
Certamente não se trata de má escolha ou heresia dos atores. Impossível todas as nações errarem. Seria, então, talvez, coisa da Nova Era? Internet? Consumismo desenfreado? Falta de educação, de discernimento do povo?  Seguramente o povo está muito mais informado, e por consequência mais educado do que o pessoal dos anos cincoenta; entretanto, no meado tudo fluia  naturalmente, sem maiores sobressaltos. As gerações mais velhas, quiçá por mais disciplinadas, estariam mais aptas, então, como percebe Sotero? Ou quem sabe, pela parca informação, tudo se passava ao léo?
Nesta perspectiva, os problemas de relação entre o homem e o Estado revestem um significado completamente novo. Não se trata mais de saber se a ditadura é preferível à democracia, se o fascismo italiano é superior ou não ao hitlerismo. Uma questão muito mais vital se coloca, então, a nós: o governo político, o Estado, será proveitoso à humanidade e qual é a sua influência sobre o indivíduo? GOLDMAN, Emma, O Indivíduo na Sociedade . - www.arteeanarquia.xpg.com.br
Criada em 1689 para acabar com a figura absoluta do rei, a democracia logo teve que enfrentar o totalitarismo revigorado  - fosse ditaduras nacionalistas, ou então constantes ameaças, algumas tragicamente concretizadas,  de ditaduras "democráticas" do proletariado.
A Constituição Francesa de 1791 proclamou uma série de direitos, ao passo ‘que nunca houve um período registrado nos anais da humanidade em que cada um desses direitos tivesse sido tão pouco assegurado - pode-se quase dizer completamente inexistente - como no ápice da Revolução Francesa.’ LEONI: 85
Com aqueles dois monstrengos catalizando as atenções, quem se atreveria a criticar a democracia tal como exercida pelos que se mantinham incólumes?  Mesmo os próprios envaidecidos já não cogitavam evoluir a perfeição. Uma das orações mais célebres emitiu o magnífico Churchill:  a democracia é o pior regime, com exceção de todos os outros. De fato, qualquer coisa  até uma anarquia completa não causaria tanto estrago como proporcionaram soviéticos e nazistas, por exemplo. Assim ´é que se mantém a genuína expressão do Leviathan, o guardião eleito pela comunidade, pela qual ela, a comunidade, se despe de seus desejos particulares  quase todos movidos por paixões, em prol  da "totalidade ética". O velho contrato social vem lavrado para todos poderem sobreviver,  asseverava Hobbes, caso contrário obteríamos uma guerra constante de todos contra todos.
O Estado prometia cuidar das crianças, da saúde da família toda, da água, da luz e até dos filmes que passavam no cinema”. Mulher dada a falsas esperanças, tia Sociedade apaixonou-se. E os dois firmaram um contrato. E se o Estado fosse da sua família?
O que colhemos do arranjo?
A democracia é como um horizonte que se dissipa à medida que nos aproximamos dele. É inatingível. Uma miragem brilhante do nosso futuro. É a busca incessante desse horizonte sempre em fuga que constitui a realidade, o ser, a fascinação, o gênio e a formidável fecundidade da ideia democrática. LAPOUGE, Gilles, Em busca de um horizonte inatingível. - ESTADÃO, 13/9/2010
A democracia favorece apenas aqueles que estão no poder, bem como todo o seu grupo de apoio. Ao contrário dos regimes absolutistas do passado, a democracia é a única forma de governo que fornece os meios mais consistentes para aqueles que estiveram no poder poderem dormir e morrer em paz. O mesmo se aplica para toda a nomenklatura e seus apparatchiks e cortesãos. Esses bajuladores, após a invenção da democracia, não mais precisam temer traições, assassinatos e o subsequente coroamento de um novo rei. A elite e sua burocracia podem se aposentar tranquilamente em suas fazendas e gozar o resto de suas vidas sem qualquer receio — suas riquezas e descendentes estarão seguros, pagos regiamente pelo contribuinte livre'. Richard Ebeling,
A pergunta que se impõe, então, é a seguinte: que diferença faz o governante ser democraticamente eleito, impor-se pelas armas, ou por herança, se cabe a ele, governante, a função primordial de zelar pela paz de todos, porém nenhum se mostra capaz?
Não pretendamos que as coisas mudem se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor bênção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar superado... A verdadeira crise é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios; sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la EINSTEIN, A.  
 O pessoal parece cansado da lírica perseguição. A gente tem mais o que fazer. Em vez da desbaratada corrida,  "a busca incessante desse horizonte" democrático, quem sabe parar com a metafísica, e remodelá-lo simplesmente de acordo com os motivos pelos quais a democracia se apresenta ?  É o que veremos, no próximo raid.

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