segunda-feira, 29 de junho de 2009

Honduras: exemplo de Estado de Direito

Se o governo se exceder ou abusar da autoridade explicitamente outorgada pelo contrato político torna-se tirânico e o povo tem então o direito de dissolvê-lo ou se rebelar contra ele e derrubá-lo. 
LOCKE, J., Second treatise of civil government: 184
Talvez por causa da falta de tradutores, mas também pelo interesse eclesiástico, até recentemente ninguém tinha ouvido falar desse inglês, casualmente o  mentor da democracia, este hábito governamental praticado pelo mundo afora, na Inglaterra desde 1689, e no Eua exato século posterior. E por causa desse lapso, não poucas ditaduras deitaram e rolaram em cima dos povos, completamente inertes ao descalabro. Depois de decapitarem reis e imperadores, os ditadores tomaram conta de preciosos salões. França, Itália, Espanha, Portugal, Romenia, toda a América Latina, boa parte da África, e também da Ásia quedaram-se escravizadas por impostores, geralmente em conluiu internacional. Os danos impingidos excederam essas fronteiras, atingindo praticamente o globo inteiro. Malgrado Mussollini ter sido trucidado pelo próprio povo por  ele humilhado, e dezenas tomarem o mesmo destino, o fito exclusivo de viver às custas de todos ainda leva seus aspirantes a buscar  as mais criativas soluções. Não poucas vezes obtém sucesso, e isso encoraja que outros incautos também tentem a jornada. Atualmente veta-se o uso das armas, apenas, isto é, apenas para ascender ao poder, porque para mantê-lo as nações, por medo, ou desídia,  frequentemente toleram até mesmo massacres populares.  O Oriente Médio é o caso mais flagrante. Casualmente, também é lá que a moral religiosa senta praça, e em nome dela qualquer protesto leva chumbo. Como enfrentar baionetas e metralhadores? Pois com Honduras se sucedeu ao contrário. No entanto, pelo fato do oportunista não contar com as forças armadas para satisfazer seus exclusivos interesses, e, claro, por extensão os interesses escusos dos demais participantes nacionais e internacionais, os atrelados buscaram confundir a opinião pública internacional.  Tendo em vista a reduzida participação financeira no contexto mundial, o motivo da maioria desses apoiadores foi justamente o receio de que o glorioso exemplo fosse capaz de emular o pessoal de seus respectivos potreiros. Suas ações e declarações até obtiveram relativo êxito, porém não o suficiente para dobrar o próprio povo hondureño. Honduras se manteve consciente,  fiel aos princípios que consagraram sua bem formatada Carta Magna. Infelizmente a ombriedade demonstrada não foi forte para atingir a América do Sul. 
De acordo com os parlamentares hondurenhos, a deposição de Zelaya foi aprovada por suas 'repetidas violações da Constituição e da lei' e por 'seu desrespeito às ordens e decisões das instituições'. Folha de São Paulo, 29/6/2009
Não poucos distintos  governantes estrangeiros criticam o que chamam de Golpe Militar:
O ditador aposentado Fidel Castro, que nomeou seu irmão sucessor, sem eleição, reapareceu em artigo condenando o golpe em Honduras.
Para nosso jardineiro muito além do jardim o ato hondurenho é deplorável, pois "pode até virar moda", no que é acompanhado pelo intrépido venezuelano, que ameaça com invasão, por OBAMA, exímio diplomata, e de resto pelos retransmissores.

Zelaya foi derrubado do poder, neste domingo (28), em um golpe orquestrado pela Justiça e pelo Congresso e executado por um grupo de militares, que o expulsaram para a Costa Rica, provocando uma condenação mundial unânime. O golpe foi realizado horas antes do início de uma consulta popular sobre uma reforma na Constituição que tinha sido declarada ilegal pelo Parlamento e pela Corte Suprema. Folha de São Paulo, 29/6/2009
Perfilo-me incontinenti aos que ousam afirmar: Honduras promove a menina-dos-olhos da razão democrática, e tomara, mesmo, que sirva de exemplo, posto estarmos totalmente cegos, e por isso por demais necessitados:
Às vezes, o mundo todo prefere uma mentira à verdade. A Casa Branca, a ONU, a Organização dos Estados Americanos (OEA), e grande parte da mídia condenaram a deposição do presidente hondurenho Manuel Zelaya, no domingo, como um golpe de Estado. Isso é um absurdo. Na realidade, o que aconteceu aqui é simplesmente o triunfo da lei. SANCHEZ, OCTÁCIO, in Terra, 5/7/2009
Se formos falar em "moda", foi mesmo um bem trajado e bem-sucedido sociólogo e ex-presidente brasileiro que adotou o prêt-à-porter legalizante, ao alterar nossa constituição para seu proveito pessoal, às custas de mensalões. O engraçado é que todos os presidentes juram obedecer suas constituições. Mais bizarro, ainda, tem sido a paradoxal posição norteamericana contra seus próprios preceitos:
Durante grande parte da história da humanidade, governante e lei foram sinônimos — a lei era simplesmente a vontade do governante. Um primeiro passo para se afastar dessa tirania foi o conceito de governar segundo a lei, incluindo a idéia de que até o governante está abaixo da lei e deve governar através dos meios legais.
www.embaixada-americana.org.br/democracia/law.htm

O propalado golpe, se militar, não deveria vir "orquestrado" por comando militar, e o poder exercido por líder fardado? Não é o caso. Os militares foram convocados, como a justiça convoca as forças públicas para fazer valer a lei, ora! No diminuto rincão o poder permanece nas mãos civis, em caráter interino, até se restabelecer a normalidade eleitoral. O novo governante não se apresentará como candidato nas eleições gerais de 29 de novembro e entregará o poder ao ganhador em 27 de janeiro de 2010.

Dos pilares da democracia
Ela se sustenta pelo tripé Legislativo, Executivo e Judiciário:
A separação dos poderes é pré-requisito essencial para o funcionamento tranquilo do Estado baseado no preceito do Estado de Direito. Ela age como um mecanismo protetor, que previne que o poder seja concentrado nas mãos de poucos e erroneamente usado. Em tal Estado, ninguém está acima da lei e toda ação estatal é balizada por ela. http://ffn-brasil.org.br/novo/Temas%202008-2011/Tema3-2008.htm
Uma ação, ainda que radical, de dois poderes contra um pode refletir justamente a preservação do sistema:
A continuação da autoridade num mesmo indivíduo freqüentemente tem sido o fim dos governos democráticos. As repetidas eleições são essenciais nos sistemas populares, porque nada é tão perigoso como deixar permanecer um mesmo cidadão por muito tempo no poder. O povo se acostuma a lhe obedecer, e ele se acostuma a mandar, de onde se origina a usurpação e a tirania. BOLIVAR, S., Discurso de Angostura, de 1819.
A êxito da fórmula encontrada por LOCKE no fito de quebrar a hegemonia absolutista recebeu o reconhecimento dos franceses, e ampliada por MONTESQUIEU:::

A Nação inglêsa é a única da terra que chegou a regulamentar o poder dos reis resistindo-lhes e que de esforço em esforço, chegou, enfim, a estabelecer um governo sábio, onde o príncipe, todo-poderoso para fazer o bem, tem as mãos atadas para fazer o mal; onde os senhores são grandes sem insolência e sem vassalos, e onde o povo participa do governo sem confusão.
VOLTAIRE, cit. CHEVALLIER, tomo II: 67
O Estado Absolutista virou Estado Democrático, Liberal, ou de Direito, critério tão bem explicado por MABLY (Doutes Proposes aux Philosophes Economistes sur l'Oredre Naturel et Essentiel des Societes Politiques; cit. Bobbio, 1992:144):
Em política, os contrapesos são instituídos não para privar o poder legislativo e o executivo da ação que lhes é própria e necessária, mas para que seus atos não sejam convulsos, nem irrefletidos, apressados ou precipitados. Criam-se dois poderes rivais para que as leis tenham poder superior ao dos magistrados, e para que todas as ordens da sociedade tenham protetores com quem possam contar. Forma-se um governo misto a fim de que ninguém se ocupe só com seus próprios interesses; para que todos os membros do Estado, obrigados a ajustar-se aos interesses alheios, trabalhem para o bem público, a despeito das suas próprias conveniências.
Das artimanhas totalitaristasInfelizmente entre venezuelanos, bolivianos, e nosotros, macaquitos brasileños, não há distinção entre os poderes constituídos. Provavelmente Mr. OBAMA desconhece a sutileza.
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor. O totalitarismo aspira ao extremo oposto da democracia: ele luta para pulverizar a sociedade e estabelecer um controle completo sobre esta [...] PIPES, R., 2001:251
Dir-se-á: mas no caso hondureño, tal como foi proposto na Bolívia e na Venezuela, o presidente visava permanecer dentro da lei, mercê de referendum popular. Portanto, sua iniciativa foi democrática, e não poderia ser deposto. Nada mais falso.
A facilidade que se tem de mudar as leis e o excesso que se pode fazer do poder legislativo parecem-me as doenças mais perigosas a que nosso governo está exposto.
MADISON, J., Federalist, n. 62. cit. TOCQUEVILLE, A., A Democracia na América, Leis e Costumes: 237
Eis a receita de todas as tiranias e ditaduras: "Através da vontade geral, o povo-rei coincide, miticamente, de agora em diante, com o poder; essa crença é a matriz do totalitarismo." (COCHIN, AUGUSTE, cit. FURET: 1989: 191)
A capacidade legislativa, especialmente em se tratando de alteração constitucional, não pode ser levada á maniqueísmos, a simples manifestação pelo sim pelo não, ainda mais se proposto por quem detém o poder executivo. É trivial concluir que a massa pode ser facilmente emocionada, porque passional, quando não obter resultados fraudados, como evidentemente aconteceu na Bolívia e na Venezuela. E no Brasil, que a instituição do mensalão foi forte para levar todos de roldão.
Nem sequer um doutrinário da democracia como Rousseau, com a concepção organicista da volonté générale, princípio tão aplaudido por Hegel, pode forrar-se a essa increpação uma vez que o poder popular assim concebido acabou gerando o despotismo de multidões, o autoritarismo do poder, a ditadura dos ordenamentos políticos. BONAVIDES, P. : 56
Igualmente não cabe ao Executivo produzir nenhuma lei. Aliás, já no berço da democracia, na Revolução Gloriosa de 1688, a lei foi instituída justamente para barrar os abusos, o apetite do Executivo. E como tampouco pode ser tarefa do povo, diretamente, produzi-la, a democracia é representativa. O Governo, ao desprezar a contrária posição do Congresso, age ao arrepio da lei, do Estado de Direito, e da própria democracia, e neste caso, nada mais justo do que destituí-lo. O que lhe importa, de fato e tão-somente, é o usufruto do poder, às custas de todos..
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O sistema de Honduras
Poder executivo: Presidente eleito por votação popular para um período de quatro anos, sem possibilidade de reeleição. Em assessoria ao presidente existe um gabinete de ministros.
Poder legislativo: Unicameral, com 128 deputados eleitos por sufrágio direto.
Poder Judiciário : Composto pelo Tribunal Supremo de Justiça, 9 tribunais de recurso, 66 tribunais de primeira instância e 325 de paz. Integram o Tribunal Supremo 9 magistrados eleitos pela Assembleia para um período de quatro anos, podendo ser reeleitos.


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