segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Carma Ocidental - 45. A faina pela igualdade

Feliz aquele que ainda esperança pode ter, e desse mar de equívocos emergir! O que não se sabe, é o que mais se precisou saber, E do que se sabe, não se pode mais servir.
FAUSTO, à WAGNER, por GOETHE.
O AVATAR do marxismo e da democracia mora na igualdade. Aquele buscou atingi-la com fuzis. Não deveria nem ter tentado: se E=Mc2, o materialismo não tem, sequer, objeto! Até o muro desapareceu. Não há o quê abordar.
A aferição consensual tem por princípio “cada cabeça, um voto”. Às controvérsias dos imperfeitos humanos, basta equacionar contendores em eleições, agora eletrônicas.
Em todos regimes somos “iguais perante a lei”, mas no Estado de Direito a maioria é mais igual (?!), e por isso supõe ser a fonte da lei. A voz do povo deve ser a voz de Deus. A maior soma expressa a Vox apregoada, mas será mesmo ela, vibrante com os gladiadores, histérica na queima das bruxas e aguda na praça da guilhotina, originária ou expressão celestial?
Pois especialmente a partir da Revolução Francesa o ser humano vem se exterminando, em prol do igualitarismo:
"O socialismo nasceu da dissolução do Ancien Régime, da mesma forma que o conservadorismo foi criado a partir da tentativa de protegê-lo.” (GIDDENS, A.: 64).
A Constituição Francesa de 1791 proclamou uma série de direitos, ao passo que "nunca houve um período registrado nos anais da humanidade em que cada um desses direitos tivesse sido tão pouco assegurado - pode-se quase dizer completamente inexistente - como no ápice da Revolução Francesa." (LEONI: 85)
"A Revolução Francesa produziu um impacto galvanizado sobre os vizinhos europeus da França, desencadeando as idéias utópicas que reinaram soberanas nos séculos XIX e XX." (BRZENSKI, ZBIGNIEW, A desordem. - Veja 25 anos - Reflexões para o futuro: 67)
Ora até os míseros coreanos se arvoram assombrar o mundo, empunhando a tocha da escuridão. De fato, a sete-palmos somos todos iguais.
Se os seres humanos houvessem de inspirar-se nos exemplos da Natureza,
fazendo deles normas de conduta, a anarquia, a independência, o individualismo
e o princípio do menor esforço passariam a ser os ideais humanos.

GARBEDIAN, H. G.: 161
A obssessão por igualdade é mais uma cruel patologia decorrente do vírus platônico. Como todas as outras, ela se projeta por dupla incidência, tal qual a presa da cobra.
A marca da filosofia platônica é um dualismo radical. O mundo platônico não é um mundo de unidade, e o abismo que, de diversas formas, resulta dessa bifurcação, surge em inúmeras formas.
KELSEN, H., 2001:81
Por um lado, a possibilidade é matemática. Se dois e dois são iguais, a igualdade é perfeita e facilmente atingível. Por outro, outro artifício: a imperiosidade da Justiça, consubstanciada na divulgação que somos todos filhos de Deus; portanto, iguais. O mais lamentável é a Justiça Social, exterminadora da imprescindível sincronicidade entre o indivíduo e a sociedade, em nome da mais completa abstração, para não dizer alienação.
Seriam científicas tais plataformas? Suas disposições são aplicáveis aos seres humanos? A resposta é negativa, para todas.

O leitmotiv da Justiça
A Justiça depende de polos digladiantes. Somente a promoção da discórdia pode lhe consagrar. Os arautos subsistem da desintegração social, e isto é perfeitamente provável. Quanto mais gente é atirada na arena, mais se deliciam aqueles promotores, os empresários dos dantescos espetáculos. Embora digam que exista a Divina, e não poucos o Direito Natural, na Terra vinga a justiça pelo que o legislador entende que deva ser, ou melhor, a que lhe convém. Destarte, conforme o agente ou as circunstâncias, novos dispositivos são constantemente introjetados. Mesmo prêt-à-porter, são obsoletos. De sua confecção à utilização, a Terra e seus atores já tem disparado anos-luz:
Querer encerrar todo o direito de um tempo ou de um povo nos parágrafos de um código é tão razoável quanto querer prender uma correnteza numa lagoa. Cada um desses códigos estará superado necessariamente pelo direito vivo, no momento em que estiver pronto, a cada dia ainda mais antiquado.
ERHTICH, EUGEN, cit. COELHO, LUIZ FERNANDO, Teoria Crítica do Direito: 286
Leis primam pela burocracia, embora o telos da eficácia. Elas se pretendem claras, insofismáveis, inequívocas, precisas, exatas. A natureza é nebulosa, objeto de tantas interpretações quantas forem os passageiros; e, por tudo, move-se de maneira caótica, ainda que meio definidas estações. Mostra-se incerta pela nossa incapacidade de identificar a enorme quantidade de vetores incidentais. Impossível contabilizá-los, ainda mais sob o crivo de uma razão proporcional que tal empreitada exigiria. Toda sentença per se faz-se injusta. Eis a razão primaz para que os processos só findem em último grau de recurso. No entanto, as prescrições ou ideologias, sempre estanques, põem-se universais, e apresentam moral para designar o rumo da gente. Pode haver maior pretensão?

Da faina pela igualdade
Ela não é mister, pelo contrário: foi pela diversidade atômica que se manifestou o Big-Bang:
"Um universo físico requer diversidade. A matéria não pode se formar sem diferenças." (SHELTON: 170)
Mas lá se foi o homem, no apito da flauta mágica:
"A doutrina da igualdade!... Mas não há nenhum veneno mais venenoso: pois ele parece estar sendo pregado pela própria justiça, enquanto é o fim da justiça." (NIETZSCHE: 106)
BASTIAT (P:33) não ficou atrás:
"A lei só será um instrumento promotor da igualdade se tirar de algumas pessoas para outras pessoas. E nesse momento ela se torna instrumento de espoliação."
“O planejamento em escala abrangente é uma impossibilidade epistêmica” (GRAY, J., cit. GIDDENS, A.: 80), mas, pela extensão, pelo somatório de conhecimentos empilhados nas obras, ambiciosos players se punham competentes:
“No Século XIX os positivistas incidiram em tal erro ao reivindicarem a generalização do método experimental que se aplicava eficazmente nas ciências naturais, para estendê-lo também as ciências humanas.” (HUGON, PAUL, História das Doutrinas Econômicas: 128)
ALEXIS DE TOCQUEVILLE nunca duvidou - sob a capa do “governo igualitarista” é que nasceria o monstro totalitarista.
BOBBIO (1993: 57) pondera:
Tocqueville se revela um escritor liberal e não-democrático. Jamais demonstra a menor hesitação em antepor a liberdade do indivíduo à igualdade social, na medida em que está convencido de que os povos democráticos, apesar de terem uma inclinação natural para a liberdade, tem ‘uma paixão ardorosa, insaciável, eterna, invencível’ pela igualdade e embora ‘desejem a igualdade na liberdade são também capazes’, se não podem obtê-la, de ‘desejarem a igualdade na escravidão’.
O Nobel AMARTYA SEN (2001: 29) reconhece:
"A idéia de igualdade é contrariada por diversidades de dois tipos distintos: 1) a heterogeneidade básica dos seres humanos e 2) a multiplicidade de variáveis em cujos termos a igualdade pode ser julgada."
NIETZSCHE (Além do Bem e do Mal: 45) já entendia, e alertou:
Os niveladores... rapazes bonzinhos e desajeitados... mas que são cativos e ridiculamente superficiais, sobretudo em sua tendência básica de ver, nas formas da velha sociedade até agora existente, a causa de toda a miséria e falência humana... O que eles gostariam de perseguir com todas as suas foras é a universal felicidade do rebanho em pasto verde, com segurança, ausência de perigo, bem-estar e facilidade para todos; suas doutrinas e cantigas mais lembradas são 'igualdade de direitos' e 'compaixão pelos que sofrem' - e o sofrimento mesmo é visto por eles como algo que se deve abolir.
Malgrado a enorme contribuição, o alemão foi taxado louco. Ninguém lhe deu ouvidos, muito menos os olhos. A dezena de obras permanece desconhecida, especialmente entre os fervorosos latinos, um rebanho conduzido célere há milênios, à tosa em prol do feitor. A grande sociedade preferiu o pretenso bem-estar da maioria, preparo e educação para a democracia de massa, à magna sociolatria. Direitos pessoais se tornaram insignificantes, porque “nossas idéias e até o próprio egoísmo nasciam da sociedade.” O homem é obrigado a se resignar, adaptar-se ao meio social até perder a personalidade, pelo todo absorvido, ao usufruto da casta. Nada de novo ora no front:
A Rússia atual foi transformada por uma oligarquia oportunista, corrupta e sanguinária em um lugar aonde as políticas fascistas vêm sendo esticadas ao limite, com intensidade multiplicada se comparadas com as ofensivas anti-povo empreendidas em outras partes do mundo, em especial naqueles países que os papagaios da pirataria financeira costumam chamar de 'emergentes'. Ali mesmo, onde um dia bateu o coração da União Soviética revolucionária. Para nós, tomar conhecimento da realidade dos trabalhadores russos é sim uma questão de solidariedade, mas também de saber bem até onde podem chegar os esforços de aniquilação movidos pelos inimigos do povo. Ainda mais agora, que os demagogos do lado de cá do mundo, como Chávez e Lula, estão convidando gente como Dimitri Medvedev e toda a máfia russa para fazer negócios na América do Sul.

SOUZA, H.R.C., Um preocupante retrato da Rússia atual. www.anovademocracia.com.br
O jogo continua, vedada mudança na regra; mas de antemão sabemos que ela sofrerá o desvio, sutileza de quem está com as cartas:
A massa se rege por sentimentos, emoções, preconceitos, como a psicologia social já demonstrou exaustivamente. A opinião das massas formando a opinião pública será por conseqüência irracional. Não se iluda o publicista democrático a esse respeito, cunhando a expressão agora uso corrente no vocabulário político da propaganda: o ‘estereótipo’, ou seja o ‘clichê’, a ‘frase feita’, a idéia pré-fabricada, que se apodera das massas e elas, numa economia de esforço mental, como diz Prelot, aceitam e incorporam ao seu ‘pensamento’, entrando assim a constituir a chamada ‘opinião pública’.
BONAVIDES, P.:459.

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