terça-feira, 23 de agosto de 2011

A oportunidade da Líbia

"'São meus filhos, e meus bens'.
Com isso o tolo se angustia.
Como? Nem nosso 'eu' é nosso.
DARMAPADA: 55 
Ao longo dos séculos a enorme região foi palco de lutas sangrentas. Sua posição geográfica é estratégica, de passagem, interface entre o exótico continente africano e a glamourosa Europa. .Nas águas mediterrâneas  emergiu a civilização; , e com ela, disputas sem fim. .Por temor do risco, de perder a hegemonia,  do norte veio a ordem: Delenda Cartago! A Itália  deixou a Líbia ao cabo da II Grande Guerra, não sem reformar considerável estirpe.
O território abriga diversas etnias, espalhadas pelo imenso deserto. Comunicações viajam de camelo. Exceto a restrita casta dominante, ninguém mais tem noção de sistema político, que dirá democracia. Teoricamente ela oferece a liberdade, mas na Rússia  pouco se vê democrático, por exemplo. A razão é a mesma: não há cultura da democracia, em primeiro plano. E no segundo, a inviabilidade da democracia prosperar em países de grande extensão territorial. Contorna-se a restrição de Montesquieu se o país for dividido em estados federados, tipo reforma-agrária do poder, quando então as popúlações podem participar com afinco, sem perderem suas respectivas tradições.
Vejam com que arte, na comuna americana, tomou-se o cuidado, se assim posso me exprimir, de espalhar o poder, a fim de interessar mais gente pela coisa pública. O poder administrativo nos Estados Unidos não oferece em sua constituição nada central nem hierárquico; é isso que o faz não ser percebido. O poder existe, mas não se sabe onde encontrar seu representante. TOCQUEVILLE, 1998: 79
Somente através da união federativa a república, que durante os séculos posteriores à República Romana foi considerada uma forma de governo adequada aos pequenos Estados, pode tornar-se a forma de governo de um grande Estado como os Estados Unidos da América. MABLY, cit. BOBBIO, 1987: 103) reconheceu a eficácia da solução Observações sobre o Governo e as Leis dos Estados Unidos da América (1784):
Vencida a Secessão os EUA poderiam ter enfeixado radicalmente o poder, como fariam italianos e germânicos. “Se a Alemanha não tivesse sido vitoriosa em 1870, que tragédia para a raça humana teria sido evitada!”(EINSTEIN, A. New York Times, 23/6/1946; cit. PAIS, ABRAHAM, Einstein viveu aqui: 276).  Grosso modo os norteamericanos mantiveram a sabedoria dos bisavós. O Reino Unido se criou respeitando as peculiaridades dos locais onde estendeu o manto, a ponto até de se retirar pacificamente, como no caso da Índia, que preferiu enfrentar a miséria com a esperança oferecida pelo asceta Gandhi. Pela insensatez, de cara perderam um território imenso, chamado Paquistão. A Alemanha retornou ao seu princípio de regiões autônomas graças ao feliz gerenciamento que a tornou República Federal da Alemanha incomparavelmengte mais exitosa do que a vizinha tocada soviética - a  RDA - a República Democrática Alemã. Os germânicos ocidentais, e agora os próprios vizinhos, depois, então, de passadas todas as consequências trazidas pelo estupendo vendaval napoleônico, aquela valorosa gente pode retornar a viver  em paz. “Quem ler a admirável obra de Tácito sobre os costumes dos Germanos verá que é deles que os ingleses extraíram a idéia do governo político. Este belo sistema foi encontrado na floresta”. (MONTESQUIEU, Esprit des Lois, Livro XI, cap. 5) "As cidades da Alemanha são absolutamente livres: cercadas por pequenas campanhas, elas obedecem ao Imperador quando bom lhes parece, não o temem, como não temem nenhum de seus poderosos vizinhos.” (MAQUIAVEL O Príncipe, Quomodo omniun principatuum vires perpendi debeant, De que modo devemos medir as forças de todos os principados: 61)
Gorbatchev bem conhecia os percalços acarretados às nações pelos aventureiros messiânicos que se agadanham do Estado para escravizar o povo inteiro. Da Perestroika emergiu a Rússia federativa. O intento todavia  se frustrou diante do inesperado, da tocaia dos príncipes, sempre à espreita de povo aculturado pelo velho padrão. Nada de novo no front ocidental:  Brasil conhece a artimanha desde a proclamação da República, instante também de Bismarck. Nós ainda alternamos períodos mais ou menos democráticos, mas o par de gigantes - a Rússia e a Líbia - não tem a menor tradição no sistema que a civilização consagrou. Quando a Itália se enredou no fascismo, daí irradiando o método ao globo inteiro, começando pela nazista que lhe aperfeiçoou, nenhum deles tinha alguma experiência ou tradição democrática. Com um sistema que ninguém sabe como é, um governo ao léo é presa fácil a qualquer populista - o Eua bem sabe quantas vezes foi ludibriado, se bem que outras tantas era isso mesmo que almejavam as negociatas internacionais. Deram razão a quem poucas vezes teve razão: "Fazemos lembrar que as partes confrontantes na Líbia lutam pelo controle sobre jazidas de petróleo. O ouro negro é única fonte do bem-estar do país e quem controla a sua extração praticamente governa o país." Quem possui o petróleo, governa a Líbia: Voz da Rússia 
O primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, recebe em Milão o representante do Conselho de Transição da Líbia, Mahmud Jibril. A empresa petrolífera italiana - Eni - deve assinar um acordo com os rebeldes na segunda-feira de fornecimento de petróleo para suprir suas necessidades imediatas, sem pagamento imediato. A empresa vai receber em petróleo futuramente, segundo o presidente da companhia, Paolo Scaroni.
Muy amigo. Não é mesmo a hora do câmbio?
Por sua história e situação geopolítica, quase uma terra sem dono, a Líbia oferece grande oportunidade a qualquer aventureiro, porém igual chance para se tentar inovar um pouco além dos péssimos gerenciamentos encaminhados pelos norteamericanos no cenário internacional: Tem lá seus bons exemplos, mas o Eua parece sem paciência na função de professor. O antiquado Tio Sam  prefere atalhar caminho ao objetivo que persegue, mormente havendo algum  poço de petróleo para abastecer o gigantesco tanque do Leviathan yankee.  Deus-terreno conta com  presumível beneplácido  de boa parte do globo, porquanto age em nome da justiça, e enfrenta  a impostura, acrescido da elevada moral de restaurador. Desta vez, contudo, a Águia deverá ser no máximo coadjuvante. "Os desdobramentos aparentemente positivos da guerra na Líbia mostram que o envolvimento 'esperto' dos EUA pode ser mais eficiente do que as intervenções à moda antiga, das quais o governo Bush é o exemplo mais recente." Obama está levando a sério a teoria do 'poder esperto' Marcos Guterman, Estadão, 25/8/2011.
O princípio da relatividade deve ser mais geral ainda - devemos procurar a diferença de tempo nas realizações biológicas e sociais, - o tempo local das espécies e dos grupos humanos. Isto nos poderá explicar muitos fenômenos que resistem às explicações atuais. Mas para conseguir tais fórmulas muito terá que lutar o espírito humano contra os preconceitos que o rodeiam e contra as obscuridades da matéria que irá estudar. MIRANDA, Pontes de, cit. MOREIRA: 103
Para chegarmos até aqui, nesta proa do EspaçoTempo, já cruzamos intempéries inimagináveis. De tudo quanto já experimentado  não se sabe bem o que é certo, sempre conservamos dúvidas, mas colhemos a certeza do que é errado, prejudicial, desastroso.  Pode até levar um cartão cor-de-rosa pelo excessivo romantismo, ainda mais pelos formidáveis interesses materiais em jogo, e não poucas alcatéias, mas ou se adota os preceitos mais fundamentais da liberdade, ou veremos em seguida uma ditadura aviltada pelo espírito religioso, ou coisa que o valha. Esta possibilidade se minimiza se as cuturas divergentes conservarem suas divergências com o máximo de autonomia que puder ser oferecida sem risco de partir o país, claro,  para que cada região seja capaz de se auto-determinar..
O federalismo é o princípio mais profundamente inovador da era contemporânea... Quando se diz que o federalismo marca o rumo da história contemporânea, no sentido de uma efetiva ação de liberdade, significa dizer que o federalismo executa, no âmbito da sociedade civil, o acordo entre o poder central e os grupos periféricos, com um maior respeito às autonomias das partes individuais do que se refere ao todo, e com um menor fortalecimento do todo no que se refere às partes, levando-se em conta o que ocorreu nos sistemas históricos até aqui conhecidos. BOBBIO, N., 2001:16
Por esta estratégia de abrangente desenvolvimento  a Nação  distancia o risco de concentrar tudo em torno de uma paixão, evidentemente platônica, e por fim destruidora. A equipe da ONU encarregada da transição pode e deve organizar o povo dentro dos critérios do próprio povo. Ela tem a melhor equipe de costureiros constitucionais para uma vestimenta compatível com a época, aspirações, carências, e conhecimentos  dos habitantes das tres grandes regiões que compõem o país dos líbios.
"Cada qual tem seus próprios matizes, mas estão conectados por suas implicações gerais. O que se precisa é de uma economia nova, orgânica, com um toque leve, suficientemente sofisticado para permitir a interação - que, para os propósitos deste livro, chamo de 'O efeito borboleta'." (ORMEROD, Paul, 2000: 16)
."A superioridade dos sistemas auto-organizadores é ilustrada pelos sistemas biológicos, em que produtos complexos são formados com uma precisão, uma eficiência, uma velocidade sem iguais." (Biebracher, C., Nicolis, G.; Schuster; Self Organizations in the Physico-Chemical and Life Sciences; Relatório EUR 16546, European Commission, 1995; cit. Prigogine: 75).
Pela não-ação tudo pode ser feito
Lao-Tze 
Razão do Estado Mínimo. "Onde quer que vejamos vida, de bactérias a ecossistemas de grande escala, observamos redes com componentes que interagem uns com os outros de maneira tal que toda a rede regula e organiza a si mesma." (CAPRA, F.,  1996: 176) 

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