domingo, 7 de agosto de 2011

O leitmotiv da Escola Austríaca



Depois das críticas conjuntas das correntes utilitaristas no Reino Unido, historicistas na Alemanha e positivistas na França, o jusnaturalismo perdeu seu prestígio como teoria da moral e foi quase completamente abandonado, salvo por algum reacionário retardatado. BOBBIO, N. Locke e o Direito Natural: 62  
O que ocorreu foi que as premissas tecnocráticas quanto à natureza do homem, da sociedade e da natureza, deformaram-lhe a experiência na fonte, tornando-se assim os pressupostos esquecidos de que se originam o intelecto e o julgamento ético. MISES, Ludwig von,1990: 112
Parece-me que essa incapacidade dos economistas em sugerir políticas mais bem sucedidas está intimamente ligada à propensão a imitar, o mais rigorosamente possível, os procedimentos das mais brilhantemente exitosas ciências físicas — tentativa essa que, em nosso campo profissional, pode levar a erros crassos. Esta é uma abordagem que passou a ser descrita como sendo uma atitude "cientificista" — uma atitude que, como defini há cerca de trinta anos. É decididamente não científica no verdadeiro sentido do termo, pois envolve uma aplicação mecânica e indiscriminada de hábitos de pensamento a campos diferentes daqueles em que esses hábitos foram formados Friedrich A. Hayek - A pretensão do conhecimento pronunciamento em ocasião do seu recebimento do Nobel de Economia, 1974 ¹,
Contrariamente à posição positivista da economia convencional - que defende que todas as teorias econômicas devem levar a previsões que podem ser testadas (ou seja, refutáveis) -, Ludwig von Mises acreditava que os teoremas econômicos só poderiam ser válidos se fossem deduzidos do axioma "os humanos agem".  A praxeologia, por outro lado, lida com as implicações lógicas do fato de que as pessoas têm objetivos (fins) e agem para atingi-los.  Por causa dessa diferença, pode ser inteiramente apropriado para os psicólogos testarem experimentalmente suas hipóteses, ao passo que seria um enorme equívoco se os economistas passassem a imitar o método utilizado pela física.  Da perspectiva austríaca, copiar os métodos da física significa deturpar completamente a natureza e o propósito da teoria econômica. Psicologia versus Praxeologia ¹
  Sobradas razões
Antes de Keynes os governos liberais temiam, com razão, perturbar os equilíbrios econômicos se manipulassem a moeda, o orçamento, o imposto, as taxas de juros. A partir de então, tendo justificativas para atuar nesta direção, a estatização se torna 'científica', 'intelectualmente respeitada'. SORMAN, Guy: 54
As Ciências Humanas se precipitavam sobre as teorias de Malthus, Darwin, Marx e Comte, entre parcas variações, porém todas calcadas nas elucubrações de Galileu, Descartes & Newton. Até mesmo a psicologia reduzia seu objeto a relações pretensamente mensuráveis; relações que poderiam ser representadas pelos desempenhos de um artefato mecânico. G. T. Fechner e Ernst Weber (1860) estendiam a “Psicofísica - a ciência exata das relações funcionais ou de dependência entre corpo e alma e, em geral, entre o mundo corporal e espiritual, entre o mundo físico e psíquico”. O Behaviorismo lograva pleno sucesso. Pela Sociologia, além de Comte vinham Benthan & Mill para assegurar que mesmo os incidentes iisolados podiam se repetir em circunstâncias similares, enquanto Durkheim confirmava o princípio da casualidade. "Bentham, mais do que qualquer outro pensador, que popularizou a noção de que as leis podem solucionar qualquer mal social." (PIPES, R.,: 270.).
As provas trazidas pela Seleção Natural emprestavam credibilidade à elucubração. Seu criador não entendia, e até advertia:  sua tese “nada tinha a ver com Economia.” (E muito menos com o Direito, e, francamente, sequer com a verdade, e por isso a consciência, mas isso é tema de outros artigos, já abordados.)  O secundino da Triste Figura se encarregou de elucidar: “Assim como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza orgânica, do mesmo modo Marx descobriu a lei da evolução na história humana.” (ENGELS, A sagrada família: 126; cit. BOBBIO, 1987: 38) Dessartes se garantia o sucesso da artimanha eminentemente platônica: "O que impulsionou o autor de O Capital a decretar ‘uma verdadeira capitulação da liberdade face à necessidade foi a ambição de erguer a sua ‘ciência’ ao nível da ciência natural, cuja categoria fundamental era ainda a necessidade." (ARENDT, A., On Revolution, 1963, cit. GIORELLO: 243) A consagração da estupidez estava reservada ao notável intelectual Vladimir Lenin (Materialisme et empiriocriticisme; cit. CHRÈTIEN: 131): “O universo é um movimento da matéria regido por leis, e nosso conhecimento, não sendo senão um produto superior ao da natureza, só pode refletir essas leis.”  TRÓTSKI (cit. FADIMAN, CLIFTON, org.: 318) relatou o êxito da performance leninista no concílio de Zurich:
Com base num profundo e abrangente estudo da ciência, Lênin provou que os métodos do materialismo dialético, tal qual formulados por Marx e Engels, eram inteiramente confirmados pelo desenvolvimento do pensamento científico em geral e pela ciência natural em particular.
E lá se vieram cantarolantes gregos e troianos, progressistas e reacionários, materialistas e espiritualistas, filósofos e cientistas, intelectuais e demagogos, republicanos e democratas, todos traídos na popular pretensão cientística
Os partidos de esquerda política - socialistas e comunistas - tiveram enorme influência sobre os padrões de cultura política que emergiram na Europa do século XIX. Pode-se observar o efeito dos partidos fascistas e comunistas na Europa, durante a depressão econômica mundial iniciada em 29, quando suas orientações monolíticas e seus poderosos símbolos políticos deram unidade e direção políticas a milhões de pessoas numa época de angústia e colapso social. ALMOND, G.A. e POWELL Jr, G.Bingham: 82.
Nos Estados Unidos, por exemplo, jamais houve resistência real contra a imposição de esmagadores fardos financeiros durante a última década ou contra uma legislação trabalhista que é incompatível com uma administração eficiente da indústria. O imposto sobre rendimentos regular, direto e progressivo é um subproduto do welfare state: ele passou a existir ao mesmo tempo em que este foi justificado como necessário para financiar os grandes gastos que os serviços sociais demandavam. JOSEPH ALOIS SCHUMPETER
Os americanos se resignavam na forjada dicotomia:
Uma grande quantidade de literatura e de resenhas de arte é veiculada através do poder jornalístico de Bloomsbury, com os Woolf, MacCarthy, Forster, Keynes e Strachey. Este último influencia a opinião pública com freqüentes publicações literárias nos mais influentes periódicos, enquanto Keynes, editor do Economic Journal, manipula a opinião pública com seus artigos de International Review e na Nation, esta reorganizada financeiramente e controlada por Keynes; MacCarthy escreve para o Sunday Times e é editor do New Statement (este também controlado por Keynes), para o qual colaboraram Virginia e Leonardo Woolf, Clive Bell e Roger Fry. GORI, E., cit. DE MASI, 2000: 156
"O welfare state não se originou de um projeto socialista, mas tornou-se cada vez mais atraído para a órbita do socialismo, pelo menos o de tipo reformista." (GIDDENS, 1996:170) .
Então Roosevelt, influenciado por Felix Frankfurter, pela Sociedade Socialista Intercongregada e por outros, fabianos e comunistas, maquinou uma revolução que colocou o país na senda que leva ao socialismo e, numa perspectiva mais distante, ao comunismo. Foi, contudo, a emenda do imposto de renda, levado em 1909, no Congresso americano, o início do socialismo. Então, o New Deal não foi uma revolução. Seu programa coletivista tivera antecedentes - recentes - com Herbert Hoover, durante a depressão; mais remotos, no coletivismo de guerra e no planejamento central que governaram os EUA durante a Primeira Guerra Mundial  ROTHBARD,  41
Eu não tinha a menor idéia de planejamento econômico no estilo moderno, implicando decisões macroeconômicas e monetárias. O planejamento no período em que trabalhei como planejador era o planejamento do Roosevelt, do Lillienthal, planejamento de obras e construções. (LOPES, Lucas, Ministro do Planejamento do Brasil nos anos 60, Memórias do Desenvolvimento: 114)
Tinha sim, e muito. Brasília foi construída na moldura de magestoso lago articial. Nele nadam milhões de patos brasileiros, ao gáudio do Alvorada.
"A despeito de três grandes reveses - em 1920, 1928 e 1937-8 - Keynes aumentou seu ativo líquido de 16.315 libras em 1919 para 411.238 - equivalentes a 10 milhões de libras em valores atuais - quando morreu." (SKIDELSKI: 35).  Estamos explicados? 
A Escola se postou frente a essas barbaridades, todas ensejadas pela panacéia social, um hocus pocus composto por dialética, e por completo desprovido da ética.
Em primeiro lugar, o conhecimento que estamos analisando, o mais importante para o exercício da ação humana, é um conhecimento subjetivo de tipo prático e não de natureza científica.  Conhecimento prático é todo aquele que não pode ser representado de uma maneira formal, uma vez que o sujeito o adquire através da prática, ou seja, da própria ação humana exercida nos seus contextos correspondentes.  Trata-se, como afirmou Hayek, do conhecimento relevante relativo a todo o tipo de circunstâncias particulares quanto às suas coordenadas subjetivas no tempo e no espaço (HAYEK, 1972: 51 e 91) ¹
Nada disso alcançou relevo:
O sucesso de Keynes foi tão devastador que a teoria econômica de Schumpeter foi pouco notada em sua época. Durante os anos 20 e 30, Keynes recebeu 200 citações em artigos publicados por outros cientistas, ficando em primeiro lugar. Já Schumpeter, no mesmo período, recebeu somente 22, ficando em 18º na classificação. GLEISER, I: 171 
Desde a publicação, em 1936, da primeira edição da Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, de John Maynard Keynes, a quase totalidade dos economistas passou a acreditar nas chamadas políticas de ‘sintonia fina’, isto é, em uma pretensa capacidade dos governos de, mediante intervenções na ordem espontânea de mercado, evitar flutuações ‘indesejáveis’ no emprego dos fatores de produção e, assim, impedir as oscilações na produção. SKIDELSKI: 5
As responsabilidades assumidas pelos governos centrais, bem como o poder de que se investiram para desincumbirem-se delas, aumentaram significativamente em todo o mundo depois da II Guerra Mundial. Em quase todos os países, sucessivos governos lançaram ou expandiram programas de assistência social, garantindo com isso que populações inteiras recebessem proteção contra desemprego, doença e velhice. Com base em exemplos estabelecidos pela Alemanha e pela Inglaterra antes da I Guerra Mundial, as nações ocidentais instituíram programas nacionais de crescente abrangência nas áreas de saúde e segurança social. Também os países socialistas e os do Terceiro Mundo procuraram minorar, em certos casos com notável rapidez, os problemas de pessoas às quais, durante gerações, fora negada a possibilidade de uma vida saudável e segura. Esse movimento, no sentido da expansão dos sistemas de bem-estar social, resultaram numa crescente tendência por parte dos governos para controlar seus cidadãos. Quais os resultados disso? Alguns observadores têm afirmado que o aumento, em todo o mundo, da autoridade dos governos centrais constitui sintoma de um declínio da ideologia política e econômica. BURNS, L. & STANDISH: 760
Depois das atômicas encerrarem a mais triste ária, Schumpeter voltou à cena, ainda mais enfático, perante a American Economic Association (1948): "Keynes está cego por sua ideologia da estagnação: a de que é necessário o estímulo governamental para eliminar o desemprego. O coração do sistema capitalista tem um dinamismo sem fim, bem o oposto do que defende." Não teve o menor efeito: "Os economistas passaram quase todo o século XX encantados com a pseudopanacéia keynesiana e com a venenosa serpente marxista." (IORIO: 134) O tempo passou, e provou o óbvio: "A asserção de que o marxismo-leninismo, ideologia basilar da União Soviética, tinha alguma coisa a ver com a verdadeira ciência foi um puro artifício retórico, um dos maiores logros deste século, embora propaganda deste tipo fosse ensinada a todas as crianças dos países comunistas." (DESCAMPS: 139) 
Poderíamos dizer que a ideologia foi o mal do século - contra o qual foi difícil imunizar-se Entre as ideologias, o marxismo sem dúvida teve a estrutura mais perfeita e a influência de maior alcance, causando um impacto profundo em gerações de intelectuais. Ideologia e literatura Nobel de 2000, Gao Xingjian
A cisma, todavia, o vírus platônico permanece impregnado. O mundo segue enrolado, pagando o mais alto preço, prenúncio do vertiginoso Declínio do Ocidente, mergulho apontado por Spengler já no primeiro quarto do XX: 
Muitas das reformas da década de 1930 permanecem entranhadas nas políticas atuais: distribuição arbitrária de terras, subvenção de preços e controles de mercado para a agricultura, ampla regulação de títulos privados, intromissão federal sobre as relações entre sindicatos e empregadores, governo fazendo empréstimos e atividades seguradoras, o salário mínimo, seguro-desemprego nacional, Previdência Social e pagamentos assistencialistas, produção e venda de energia elétrica pelo governo federal, papel-moeda de curso forçado - a lista é infindável.Robert Higgs
Mas por que, então, a correta Escola Austríaca até hoje não é capaz de sensibilizar maior gama de intelectuais, assim imunizando o globo contra a Hydra? E mesmo com natural derrocada socialista, e total descrédito ao gay de Bloomsbury, por qual razão ainda assim não logram os austríacos maior prestígio além de parcos e aristocráticos círculos acadêmicos? Coexistem duas candentes razões. A primeira se deve à faina dos governantes pelo máximo poder, mesmo nas chamadas democracias; mas isso poderia ser desfeito tal qual se dissipou o apelo  marxista, e como foi despido o Rei Divino: pela consistência científica, e não apenas praxeológica. A ciência, ao gáudio da Escola, hoje se faz paradoxal ao centralismo que até o raiar do XX enfeixou as melhores cabeças. Resta avisá-la. É o que veremos no próximo, penúltimo raid da série.
Nota
1. É preciso referir que devemos esta distinção entre os conceitos de "conhecimento prático" e "conhecimento científico" a Michael Oakeshott (Oakeshott, 1991: 12 e 15) e que a mesma é paralela à distinção hayekiana entre "conhecimento disperso" e "conhecimento centralizado", à efetuada por Michael Polanyi entre "conhecimento tácito" e "conhecimento articulado" (Polanyi, 1959: 24-25), e à estabelecida por Mises entre o conhecimento relativo a "eventos singulares" e o conhecimento relativo ao comportamento de toda uma "classe de fenômenos" (Mises, 1995: 130-137).  As abordagens dos diferentes pontos de vista destes quatro autores aos diferentes tipos básicos de conhecimento está resumida no quadro 2.1.

Dois tipos diferentes de conhecimento


Tipo A
Tipo B

Oakeshott
Prático (tradicional)
Científico (ou técnico)

Hayek

Disperso

Centralizado

Polanyi

Tácito

Articulado

Mises

De "eventos singulares?
De "classes?

 

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