domingo, 28 de dezembro de 2008

Viver navegando?


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O imaginário popular é pródigo em precipitações.
Algumas são engraçadas; outras imprimem drásticas conseqüências. Foi por causa das dubiedades, dos dous lados, como gostava Machado,
ou dos marotos trocadilhos, ao sabor de Pessoa, que Descartes
, por
tosco e desprovido de fair-play, abandonou o estudo da Filosofia.
Bobagem.
A interpretação às vezes não, mas a letra bem lançada
per se é
mais exata, porque mais ampla do que o número. Ela não usa decimais; projeta
ao alto, a subir mais. E não é necessário nenhum cálculo; e ao contrário empregada, diverte. A palavra pode ser precisa; e, além do mais, preciosa.
Nosso TriPulante Fernando Pessoa se faz incomparável. Recomendo sem reservas. Sua capacidade de articular coincidências, duplo sentido, não encontra concorrente. Das mais célebres é a definição do poeta, um fingidor tão competente que finge não sentir a dor que deveras sente. Elejo como a mais desconcertante sua magistral sentença:
NAVEGAR É PRECISO; VIVER NÃO É PRECISO.
Não são poucos os que não conseguem entender. O português estaria a pregar uma ode à fatalidade? Navegar seria mais imprescindível do que simplesmente viver? Tem gente que pensa em suicídio; mas como navegar sem viver? Ou será que a vida se restringe em navegação? De certo modo todos concordamos, pode ser encarada como uma grande navegação, um rally, mas nesse caso teria que ser bem calculada. Nao pode ser isso. Seria excessiva metáfora, e de difícil compreensão. Entao, o que quis dizer o poeta?
Sutilmente a poesia não se vale da metáfora, mas de memorável pegadinha. A resposta pode ser apreciada pela conotação que a genialidade legou à eternidade: "navegar é preciso", mas no sentido de precisão, de correção de rumo, de tempo e espaço, não de necessidade. Se a nau andar à deriva, o destino ser-lhe-á fatal.


"Viver não é preciso" denota a impossibilidade de alguém
passar pela vida de acordo com um planejamento inicial, e
cumpri-lo à risca. Diverge da navegação. Navegar e viver são contrastantes, não somente pelo negativa de um. Incidentes se abatem sobre a vida de todos, mas ao navegar são evitados pelos mapas e controles.
À vida acorrem milhões de vetores externos, até internos, qque contribuem para alterar o curso individual, e mesmo social..Definitivamente, viver não é preciso. É incerto.
Na trajetória do ser humano
aparelhos não tem serventia.

A versão corriqueira da malícia de Fernando Pessoa demonstra que o "tradutor"
merece a piada. Os portugas, todavia, não. Eles riem. Como de resto, o globo.

Um comentário:

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