terça-feira, 7 de julho de 2009

O Carma Ocidental - 52. A importância do diabo


Aí está a fera que, com sua afiada cauda, trespassa as montanhas e derruba as muralhas e as armas; aí está a que corrompe o mundo inteiro. ALIGHIERI, Dante, A divina comédia: 63
Mais de dois mil anos já se passaram desde o dia em que Platão ocupava o centro do universo espiritual da Grécia e em que todos os olhares convergiam para a sua Academia, e ainda hoje se continua a definir o caráter da filosofia, seja ela qual for, pela sua relação com aquele filósofo.
JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego: 581
Belzebú é típica e eficaz criação da interesseira mitologia .
No homem primitivo era o medo, acima de quaisquer outras emoções, que o levava à religião. Esta religião do medo – medo da fome, de animais selvagens, de doenças e da morte – revelava-se através de atos e sacrifícios destinados a obter o amparo e o favor de uma divindade antropomórfica, de cujos desejos e ações dependiam aqueles temerosos sucessos. EINSTEIN, A., cit. GABERDIAN, H. GORDON: 314
O arranjo ora toma o rótulo de "filosofia", ora de "ciência", até Teologia, como se tivese alguma lógica no absurdo, e dessartes se mantém convincente
Contemporaneamente o mito vai se identificando com a ideologia política: é que o processo mitológico sempre coloca suas crenças a serviço de uma ideologia. Barthes, coincidindo com este entendimento, afirma que através do mito consegue-se transformar a história em ideologia. WARAT, Luiz Alberto, Mitos e Teorias na Interpretação da Lei: 128
O fantasma foi elaborado como estátua - com todos os detalhes complementares, e por vários ângulos coincidentes.
Não foram nem Montaigne, nem Locke, nem Bayle, nem Spinoza, nem Hobbes, nem Lorde Shaftesbury, nem o Senhor Collins, nem o Senhor Tolland, etc., que trouxeram à pátria o facho da discórdia; foram, na maioria das vezes, os teólogos que, tendo primeiramente tido a ambição de serem chefes de seita, bem depressa ambicionaram ser chefes de partido. Que digo! todos os livros dos filósofos modernos em conjunto não farão tanto barulho no mundo quanto outrora a disputa dos Franciscanos sobre a forma da manga e do capucho. VOLTAIRE, «13.ª carta», Cartas Filosóficas, Lisboa, Editorial Fragmentos, 1993: 55
A artimanha remonta àquela Grécia. :“Assim Platão constantemente estabelece o contraste nos seus diálogos.” (DEWEY, J.: 43). A platéia autoalimentada consagra a performance. O carma vem revigorado por inumeráveis gerações, num crescente uniforme, malgrado vivermos na Era do Conhecimento.
E como se desce, desse mundo de ironia e razão e veridicidade, ao reinado do sábio de Platão, cujos poderes mágicos o elevam muito acima dos homens comuns, embora não tão alto que dispense o uso de mentiras ou despreze o triste mercado de cada curandeiro, a venda de feitiços, de encantamento e criadores de raça, em troca de poder sobre seus concidadãos! PEREIRA, J.C., Epistemologia e Liberalismo - Uma Introdução a Filosofia de Karl R. Popper: 153.

Diz-se que religião não se discute. Concordo. Viver é melhor que sonhar. Não fosse a implicação direta com todas as leis, com a História Geral, e com a insanidade mundial, não me preocuparia nem discernir essa raíz. Pela teimosia GIORDANO BRUNO morreu imolado. SPINOZA demonstrou a irracionalidade cristã, e naturalmente foi excomungado. NIETZSHE se meteu a enfrentá-la. Foi internado como louco. Nada vale desgaste. Foi por isso que COPÉRNICO & GALILEU, ficaram quietos. O curioso é que DARWIN & MARX até hoje se tem como heróis.
.GORE VIDAL (cit. MENDOZA, P. A.,  207) junta-se ao diagnóstico. O renomado autor atribui o desastre das Américas Central e do Sul ao espírito de um rei católico,
totalmente beato e totalmente não inteligente de nome Felipe Segundo, seguido de um estúpido regime que suprimiu culturas regionais, florescentes naturais, preenchendo o vazio de sua falta com os piores elementos da cultura arcaica, de mausoléu.
O cleptomaníaco Coronel JUAN DOMINGOS PERÓN (Perón y el justicialismo) deu a tudo razão:
A diferencia de los otros, el movimiento justicialista era ideológicamente cristiano, y tanto lo era, que por diez años consecutivos el clero argentino, desde su más alta jerarquía, hasta el más humilde cura de campaña, apoyó al Peronismo, ta nto en sus campañas electorales como durante su gestión partidista en el gobierno
Mercê de tanto descalabro, e não menores desventuras, urge enfrentar a chicana.
Durante o século IV a.C., verificou-se, no mundo grego, uma revivescência da vida religiosa. Segundo alguns historiadores, um dos factores que concorreram para esse fenômeno foi a linha política adotada pelos tiranos: para garantir seu papel de líderes populares e para enfraquecer a antiga aristocracia, os tiranos favoreciam a expansão de cultos populares ou estrangeiros. Dentre estes cultos, um teve enorme difusão: o Orfismo (de Orfeu), originário da Trácia, e que era uma religião essencialmente esotérica. Os seguidores desta doutrina acreditavam na imortalidade da alma, ou seja, enquanto o corpo se degenerava, a sua alma migrava para outro corpo, por várias vezes, a fim de efetivar sua purificação.
Wikipédia
A principal característica de Deus seria sua infinita inteligência, conjugada com não menor bondade. No entanto, o primeiro ato da estratégia grega foi demonstrar que ele era justo. Desse modo, pouco importava a compreensão divina, mas sim sua sanção - justamente o contrário. O desígnio do trabalho vem do próprio latim, tripaliare, significando uma tortura através de um instrumento chamado tripalium:
“Na concepção cristã, o trabalho representava o pagamento do pecado, um ato de expiação que sugere necessidade, aflição e miséria.” (ROHMANN, C: 122)
“Para os católicos, o trabalho é uma sentença condenatória, como reafirma a Rerum Novarum, em 1891.” ( DE MASI, D.: 47)
Esta encíclica foi a ponte fascista. GAETAN PIROU (Introduction a l'etude de Economie Politique, Paris, : 280, cit. HUGON, P., História das Idéias Econômicas: 352) tentou explicar o execrável liame:
“O catolicismo considera a corporação um meio de assegurar a ordem sem matar a liberdade, escapando, a um tempo, da anarquia liberal e da coerção socialista”.
Não é frequente o caso em que a manipulação ideológica da religião com fins políticos é o catalisador real de tensões e divisões e, às vezes, da violência na sociedade?
PAPA BENTO XVI, Folha de São Paulo, 9/5/2009
MUSSOLINI agradeceu, e montou o teatro solicitado.
O castigo à ADÃO & EVA enseja volumosa obra crítica, mas o núcleo, o leitmotiv é flagrante.
No Paraíso não havia discordância, que dirá algum confronto:.

Na língua dos pássaros uma expressão tinge a seguinte.
Se é vermelha tinge a outra de vermelho.
Se é alva tinge a outra dos lírios da manhã.
É língua muito transitiva a dos pássaros.
Não carece de conjunções nem de abotoaduras.
Se comunica por encantamentos,
E por não ser contaminada de contradições
A linguagem dos pássaros
Só produz gorgeios.
Depois da maçã, vestimos preto-e-branco, de listas horizontais, e numerado.

Então veio, parece, um sábio astuto,
o primeiro inventor do medo aos deuses...
Forjou um conto, altamente sedutora doutrina,
em que a verdade se ocultava
sob os véus de mendaz sabedoria.
Disse onde moram os terríveis deuses das alturas,
em cúpulas gigantes, de onde ruge o trovão,
e aterradores relâmpagos do raio aos olhos cegam.
Cingiu assim os homens com seus atilhos de pavor
rodeando-os de deuses em esplêndidos sólios,
encantou-os com seus feitiços, e os intimidou –
e a desordem mudou-se em lei e ordem.
CRÍTIAS,
tio de PLATÃO, e líder dos Trinta Tiranos
Sem a venenosa não haveria religião. Mas ninguém faturaria:

A criação de necessidades repressivas tornou-se há muito parte do trabalho socialmente necessário; necessário no sentido de que, sem ele, o modo de produção estabelecido não poderia ser mantido. Não estão em jogo problemas de psicologia nem de estética, mas a base material da dominação ideológica.
MARCUSE, apud. MAAR, 1998: 69
"Os padres Fábio de Mello e Marcelo Rossi lideram o ranking dos que mais venderam CDs em 2008, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Discos." (Folha de São Paulo,16/4/2009)
E lá vem a estorinha do Paraíso, a demonstrar que fomos nós, e não ele, os culpados pela separação.

O mundo barroco pode ser descrito também como um grande teatro, onde cada homem deve ocupar o seu lugar. O mais belo dos teatros é o centro do mundo católico romano: a praça de São Pedro em Roma. A literatura, as artes, a filosofia giram em torno de Deus, de suas exigências e da salvação.
JAPIASSÚ, H., 1997: 81
A perfídia tem o primaz objeto: justificar a presença dos "religantes":
"As Cruzadas não diziam respeito apenas à libertação do Santo Sepulcro, mas antes a saber qual dos dois venceria na terra." (SAID, EDWARD, Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente: 180)
"Uma ilusão geral constitui uma força social, que serve potentemente para cimentar a unidade e a organização política de um povo, como de uma inteira civilização." (Scritti politici - Teorica dei governi-elementi di scienza política, vol.II, 633; cit. RÊGO, W.D.L.: 88)
Mesmo os ateus estão de acordo acerca de que não há coisa que mais mantenha os Estados e as Repúblicas do que a religião, e que esse é o principal fundamento do poderio dos monarcas, da execução das leis, da obediência aos súditos, da reverência dos magistrados, do temor de proceder mal e da amizade mútua para com cada qual; cumpre tomar todo o cuidado para que uma coisa tão sagrada não seja desprezada ou posta em dúvida por disputas; pois deste ponto depende a ruína das Repúblicas.
BODIN, JEHAN, cit. CHEVALLIER, Tomo I: 55
Na verdade, jamais houve qualquer legislador que tenha outorgado a seu povo leis de carácter extraordinário sem apelar para a divindade, pois sem isso estas leis não seriam aceitas... O governante sábio sempre recorre aos deuses. MAQUIAVEL, N., Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília : Editora UnB, 1994: 58; tb. cit. BOBBIO, 2002: 164
O florentino  considerava a religião e sobretudo o temor a Deus, eram essenciais ‘para comandar os exércitos, para estimular a plebe a manter os homens bons, para fazer os reis se envergonharem.’ Escrevia ele também que o culto divino e o temor a Deus são necessários sobretudo nas repúblicas: ‘e como a observância do culto divino é origem da grandeza das repúblicas, também o desprezo daquele é origem da ruína destas. Porque onde falta o temor a Deus, convém ou que aquele reino desabe, ou que seja sustentado pelo temor a um príncipe que supra os defeitos da religião.’.
MAQUIAVEL foi apenas um clone. Cabe a PLATÃO a primazia da separação. Primeiro, cingiu o corpo da alma, com isso objetivando em primeiro plano nos desconectar da divindade apregoada, como se isso fosse óbvio, e por isso possível. Eis a razão primaz da religião, que significa religar: antes, mister desligar.

A interpretação religiosa assenta nessa mesma ambiguidade: una est religio in rituum varietate, proclama Ficino, que, na Teologia Platônica – título revelador – desenvolve o acordo entre o platonismo e o cristianismo. ‘Eis a razão porque, quem quer que leia seriamente as obras de Platão, nelas encontrará, evidentemente, tudo, mas em particular essas duas verdades eternas: o culto reconhecido de um deus conhecido e a divindade das almas, onde reside toda a compreensão das coisas, toda a regra de vida e toda a felicidade. E tanto o mais que, sobre estes problemas, a maneira de pensar de Platão é tal que, de entre outros filósofos, foi a ele que Agostinho escolheu para modelo, como sendo o mais próximo da verdade cristã, afirmando que, com pequenas alterações, os platônicos seriam cristãos.’
Ora, se Deus existe, obrigatoriamente tem o privilégio da compreensão infinita. Portanto, de plano bem poderia tudo entender, sem necessidade de pagar para ver. Não chego a tanto, mas Sir BERTRAND RUSSELL (No que acredito: 21) detonou:
“Se houvesse um Deus, ele (ou ela, aquilo, ou eles) deveria ser julgado por crimes contra a humanidade.”
Admiro RICHARD DAWKINS, que anda por Paraty, mas que ainda não li: Deus é um delírio. (Companhia das Letras: 2007) Mas se não é, nem vem ao caso, a não ser para nos alertar sobre a necessidade de nos livrarmos da fé: ela nada mais é do que uma flagrante manifestação de preconceito, ainda que possa ser tomado genuinamente virtuoso.
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