segunda-feira, 31 de março de 2008

As (o)velhas razões do XIX

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Como em Esparta, só à classe governante é permitido portar armas, só ela tem direitos políticos ou de outra espécie, só ela recebe educação, isto é, um adestramento especial na arte de manter em submissão suas ovelhas humanas, ou seu gado humano. Karl Popper (1)
ESTUDANTE de Direito, História, Economia e Filosofia, formou-se Max Weber (1864-1920) a bordo do equivalente trem racionalista-baconiano-positivista-comteano, para daí desenvolver o paradogma do “tipo ideal”, ilação trazida do admirado Bacon: “Podemos dominar tudo por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo.” (2)
Quiçá pela óbvia impossibilidade, o socio-logo viveu pelo menos metade da vida em contradições: “Em 1898 Weber apresentou sintomas de esgotamento nervoso e de neurose; até o fim de sua vida iria sofrer depressões agudas intermitentes.” (3)
A reativação do ódio e naturais desejos de vinganças (se é que se pode chamar “naturais” estas aspirações sem se cometer monumental heresia) não foi privilégio de ninguém. A corrupção e a criminalidade campeavam soltas, mesmo nos países mais cívicos. Governantes ofereciam dificuldades para oficiais venderem facilidades. Dedicando-se ao mundo contemporâneo, o que alcançava seu empirismo, Weber concluiu ser inevitável que as sociedades caissem, cada vez mais, sob a influência de burocracias crescentes e potencialmente totalitárias. Reconhecendo o grau em que isso poderia ameacar a liberdade humana, Weber postulou a idéia da liderança “carismática” como meio de fugir a mortífera tirania do controle estatal.
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Os números não mentem, jamais; só quem os traz
Nesta arquitetura de ordem econômico-sociológico-jurídico-positivista, nessa hierarquia de direito vilipendiado já não se observa a propriedade tão privada. Aceita e divulgada como capaz de decifrar o mapa da felicidade geral porque centrada na certeza numérica, a Economia, somada às concepções jurídico-positivistas e secundada na cumplicidade sociológica e psicológica, escoltou as elucubrações com tonalidades comunistas/marxistas e keynesianas/fascistas. Humanistas foram substituídos pelos novos práticos. Acordos e naturais divergências pessoais sofreram crescente participação dos usurpadores armados com esse racionalismo pragmático, numeral, por isso quantificável, enquanto o utilitarismo (sempre de fachada) ofuscava torpes atitudes.
Eis o novo norte, senso de Justiça - a repartição (da escassez, nunca da abundância) social, assim justificado pelos “cientistas” sociais, neste ato representado pelo grande Duverger (4):
A idéia de que a política é por um lado uma luta, um combate entre indivíduos e grupos, pela conquista de um poder que os vencedores utilizam em proveito próprio e em detrimento dos vencidos e, por outro lado, ao mesmo tempo, um esforço no sentido de realizar uma ordem social em proveito de todos, é o fundamento essencial de nossa teoria de sociologia política.
La Nave Vá:
Os cientistas políticos geralmente dão a impressão de estarem inclinados a considerar a política como uma espécie de técnica, comparável à engenharia, digamos, envolvendo a idéia de que as pessoas deveria ser tratadas pelos cientistas políticos mais ou menos da mesma forma com que os engenheiros lidam com máquinas e fábricas. A concepção engenheira da ciência política tem pouco ou nada em comum com a causa da liberdade individual. (5)
Von Mises reforça:
Na construção de sua utopia, o engenheiro social substitui a vontade das pessoas pela sua própria vontade. A humanidade se dividiria em duas classes: de um lado, o ditador todo-poderoso e, do outro, os tutelados, que ficam reduzidos à condição de meros peões de um plano ou engrenagens de uma máquina. Se isto fosse possível, o engenheiro social não precisaria preocupar-se em compreender as ações das demais pessoas. Teria ampla liberdade de lidar com elas, como a tecnologia lida com madeira e ferro. (6)
O embrulho do Direito
A “política”, “disfarçada” nessa ciência expressa pelos padrões exclusivos da maquinaria financeira do Estado, dispensou conceitos éticos, a “vã filosofia”, e o Direito Natural:
“O que ocorreu foi que as premissas tecnocráticas quanto à natureza do homem, da sociedade e da natureza, deformaram-lhe a experiência na fonte, tornando-se assim os pressupostos esquecidos de que se originam o intelecto e o julgamento ético.” (7)
Foi o mesmo que detectaram Jacques Attali e Marc Guillaume:
A teoria econômica veio a ser uma ampla empresa de terrorismo intelectual, cujo aspecto pseudo-científico serve, na realidade, de coerção para excluir todos os verdadeiros problemas da sociedade contemporânea. Seu exagerado profissionalismo, herdado de sua mitologia científica, e todo o aparato matemático que a rodeia, servem para mascarar seu objetivo ideológico, que transforma sua disciplina numa máquina para estabelecer as leis das relações de força que existem na sociedade, numa civilização materialista e produtivista, orientada totalmente para a acumulação de bens materiais. Seu dinamismo serve, na realidade, para legitimar a posse do poder em mãos daqueles que dominam o aparato produtivo, quer seja a tecnocracia, nos países ocidentais, ou a burocracia planificadora, nos países socialistas. (8)
O Direito desceu do pedestal. Ficou à mercê dos “engenheiros sociais”, como temia Roscoe Pound; (9) ou serviu de “instrumento”, na expressão querida de Rudolf von Ihering, em Teoria do Fim (10) :
Segundo o escritor pós-moderno David Harvey, a crença no 'progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais' engendrou 'uma celebração do poder burocrático corporativo e da racionalidade, sob o disfarce de um retorno à superfície do culto da máquina eficiente qual um mito suficiente para incorporar todas as aspirações humanas'. (11)
Isso tudo nem era novidade - desde Rousseau, Napoleão e Comte, o Direito assumira o caráter teleológico, por isso transformado em mecanismo ordenativo a realização das finalidades propostas pelo Estado; ou melhor, por e para seu jockey eventual:
“A racionalidade jurídica é uma imagem ideológica para legitimar o sistema jurídico positivo a partir de uma aparência de racionalidade, cujo fundamento é mais mítico do que racional, ou seja 'mitológico'.” (12)
É o que acontece com nossos hábitos, desde a proclamação da rês ex-pública.
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Notas
1. 1998, Tomo I, p. 60
2. Weber, Max, Ciência e Política, Duas Vocações, p. 30.
3. Berlinck, Manoel T. PhD, Notícias sôbre Max Weber, in Weber, M., p. 8.
4. Duverger, Maurice, Sociologia Política, p. 27. (
Esta concepção cartesiana parece-me bastante sofística. De plano se sabe que o detrimento dos vencidos é excludente; portanto, jamais o proveito poderá ser de todos. Ademais, o "proveito de todos" se circunscreve, em primeiríssimo plano, e de modo invariável, aos interesses personalíssimos dos reduzidos grupos vencedores.)
5. Leoni, Bruno, A Liberdade e a Lei, p. 19.
6. Mises, Ludwig von, Ação Humana - Um Tratado de Economia, p. 112.
7. Leoni, B., p. 66.
8.Guillaume, Marc e Attali, Jacques, cits. Goytisolo, J. V. , , p. 94.
9.Interpretations of Legal History, 1923; cit. Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito.

10.Ihering, Rudolf von, Teoria do Fim, cit. Nader, P., p. 55.
11.Harvey, D., cit. Zohar, D., 2000, p. 167.
12.Lenoble, Jacques e Ost, François, Droit, Mythe e Raison, cit. Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito, p. 128.

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A ilusão do Positivismo Lógico

A ciência é o que há de mais sublime no mundo. Ela é a nossa última instância. Nada há acima da ciência. Para os espíritos populares, ela é a mais elevada das deusas. Felizmente, para o gênero humano, o prestígio da ciência aumenta todos os dias. E, certamente, quanto mais avançar a civilização, mais ela avançará. Em primeiro lugar, porque a ciência fará descobertas sempre mais numerosas, mais profundas e mais surpreendentes; em seguida, porque os homens, libertados das concepções mitológicas e infantis, terão os espíritos melhor preparados para receber os ensinamentos provenientes de pesquisas positivas, precisas, exatas. Em breve, certamente, daremos o último passo, e a autoridade da ciência se imporá de modo completo no domínio dos conhecimentos sociais. Então, chegaremos a fazer uma política racional, como já fazemos máquinas elétricas racionais, porque construídas unicamente sobre dados positivos, e não sobre tendências subjetivas. A autoridade sem apelo da ciência já não é mais contestada pelo grande público em tudo o que diz respeito aos fatos físicos e biológicos. Novicow, 1910.
Nietzsche (cit. Matos, O., A polifonia da razão, 1997: 134) não viveu para se divertir com o advento da Quântica, da Relatividade, da Covariança, mas teve tempo de advertir sobre a falta de humildade que assolaria o desavisado Novikow, e principalmente os ´positivados
Em algum ponto perdido deste universo cujo clarão se estende a inúmeros sistemas solares, houve uma vez um astro sobre o qual animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o instante da maior mentira e da suprema arrogância da história universal.
Nietzsche morreu como louco; e os sensatos estenderam a ilusão.
Houve Augusto Comte. Pensava conhecer o futuro que estava reservado à humanidade. E, portanto, considerava-se o supremo legislador. Pretendia proibir certos estudos astronômicos por considerá-los inúteis. Planejava substituir o cristianismo por uma nova religião e chegou a escolher uma mulher para ocupar o lugar da Virgem. Comte pode ser desculpado, já que era louco, no sentido mesmo com que a patologia emprega este vocábulo. Mas como desculpar seus seguidores? VON MISES, Ludwig: 31
Enquanto coincidentemente o "que havia de mais sublime no mundo" estava, de modo cabal, sendo demolido pelos sensíveis telescópios que se instalaram no abrasador sertão nordestino, precisamente em Sobral, CE, (A queda) os sapientes teimavam na cadência marcial da “norma científica”, nos acordes da banda do neopositivismo. (2) Para celebrar o modesto intento, a capital austríaca concentrou formidável plêiade de intelectuais, cientistas, juristas, sociólogos, químicos, físicos e filósofos. Naquele fim-de-guerra, no ritmo da valsa, estava programada a grande ciranda lógica*. Embriagados nos louros, asnos com juba e papagaios em púrpura não perceberam que a efeméride desabrochava contaminada pelo vírus letal do gregório Midas:
No campo epistemológico, o positivismo é filho da lógica newtoniana. Ele estabelece para a ciência a intolerância teórica das disciplinas exatas da época, excluindo do campo da legitimidade científica tudo aquilo que não poderia ser conservado e verificado de acordo com o princípio platônico de separação radical sujeito-objeto. Ciro Marcondes Filho, www.eca.usp.br
Ao raiar o dia, restou a melancolia:"O Círculo de Viena que se empenhou em encontrar respostas... O conjunto das suas reflexões, que ficou na história com o nome de 'positivismo lógico', saldou-se num tremendo fracasso." António José de Barros Veloso, À cerca da pós-modernidade. http://cfcul.fc.ul.pt/equipa/2_cfcul_nao_elegiveis/antonio%20veloso/pos-modernidade%2021.doc.
A ciranda
De fato, o Círculo de Viena de positivistas lógicos era originariamente conhecido como Sociedade Ernst Mach. (RAY,, C.,:  175.)
Philipp Frank (1884-1966), Otto Neurath (1882-1945)**, Hans Hahn, Moritz Schilick e Rudolf Carnap (1891- 1970) encontraram Moritz Schlick no salão da Filosofia das Ciências Indutivas de Viena. No palco aristocrata  o show viria protagonizado pelos filósofos especialistas em danças sociológicas. Na media-luz os pares acompanhavam o ritmo da Física, como sempre. Pessoal caia bem na gandaia :
Mach também estimulou muita gente no mundo da filosofia: em particular os lógicos positivistas, formando um dos movimentos filosóficos mais influentes de meados do século XX, que às vezes se apoiava fortemente no positivismo de Mach para formular seu projeto filosófico.(4)
Weber, Kelsen & Wittgenstein
Sobre isto, Newton foi bastante claro: tudo que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado de hipótese; e as hipóteses, sejam as metafísicas ou físicas, digam respeito às qualidades ocultas ou às mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental. Thuillier>:69
 A mecânica sequer contém objeto; e sua extensão, nada além de ideológica:"Por mais que tenham sido ditas com orgulho, as palavras de Newton repousam num completo equívoco sobre a capacidade da mente humana para lidar com a natureza externa." (Alfred North Whitehead, Matemática, cit. Fadiman, p.333.)
Os desavisados Weber e Kelsen ingressaram no baile, juntamente com Ludwig Wittgenstein (1889-1951). O curioso é que o proeminente Ludwig provinha da Realschule, de Linz, escola que dava ênfase a disciplinas técnicas, cujo local também abrigava o astuto cabo Hitler. Os dois, com 14 e 15 anos respectivamente, podem ser vistos em uma fotografia escolar, juntos com outros 40 estudantes. Por três anos foram colegas. A presença de Kelsen ( cit. Bobbio, Norberto, A Teoria das Formas de Govêrno assegurava a certeza do sucesso:
A teoria do ordenamento jurídico encontra a sua mais coerente expressão no pensamento de Kelsen. Por isso podemos considerar este autor como o clímax do movimento juspositivista depois do que começa sua decadência, isto é (sem metáfora) sua crise.
Diletante de Direito, História, Economia e Filosofia do século mecanicista extremado, Max Weber (1864-1920) adentrou no ágape com o paradogma do “tipo ideal”, ilação trazida do admirado Bacon, além do admirado Newton: “Podemos dominar tudo por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo.” (5. Weber, Max, Ciência e política: duas vocações: 30.) Quiçá pela óbvia impossibilidade, o socio-logo viveu pelo menos metade da vida em contradições: “Em 1898 Weber apresentou sintomas de esgotamento nervoso e de neurose; até o fim de sua vida iria sofrer depressões agudas intermitentes.” (Berlinck, Manoel T. PhD, Notícias sôbre Max Weber, in Weber, M., p. 8.)
Como os precursores, os convivas continuavam desprezando o que não fosse concreto, palpável: "Uma das principais contribuições do Círculo de Viena reside na noção de verificabilidade. Esta compreende que o sentido de uma proposição está intrinsecamente relacionado à sua possibilidade de verificação." (Antônio Rogério da Silva, http://www.geocities.com/discursus/textos/viena.html8)
O anfitrião e o colega Wilhelm Oswald garantiam:“Não pode haver significado nas declarações referentes a uma suposta teoria atômica, já que não temos meios de verificar diretamente a existência de átomos e moléculas.” (cits. Coveney, P. e Highfield, R., p. 57)
A Concepção Científica do Mundo, de 1929, subscrito por Hans Hahn, Otto Neurath e Rudolf Carnap, prescrevia “rigorosa eliminação da metafísica do domínio do pensamento racional e o estabelecimento da ciência unificada por meio da redução lógica da ciência aos termos da experiência imediata foram anunciados” (Sauer, 1996: 799)
Max Weber condenava o exercício da tirania, e pensou compor um sistema impessoal, porém racional (vê se era possível isso!). Dessarte teceu uma boa razão, das mais candentes, aos sistemas administrativos nazistas e bolcheviques:
A administração burocrática pura, ou seja, a administração burocrático-monocromática aplicada ao expediente é, consoante a experiência, a forma mais racional de se exercer uma dominação. É racional nos seguintes sentidos: em precisão, em continuidade, disciplina, rigor e confiança; implica, portanto, para o soberano e os interessados, exercício de cálculo; pressupõe, também, aplicabilidade formalmente universal a todo o tipo de tarefas; pressupõe, outrossim, possibilidade de aperfeiçoamento técnico para atingir o melhor resultado. O desenvolvimento das formas modernas de associações em todo o tipo de terrenos (estado, igreja, exército, partido, exploração econômica, associação de interessados, uniões, fundações e quaisquer outras que possam ser mencionadas) coincide totalmente com o desenvolvimento e incremento crescente da administração burocrática: a sua aparição é, por exemplo, o germe do estado moderno ocidental. ( Webber, Max, cit. Rodríguez, Ricardo Vélez, A Democracia Liberal Segundo Alexis de Tocqueville,: 16)
Weber concluia ser inevitável que as sociedades caissem, cada vez mais, sob a influência de burocracias crescentes e potencialmente totalitárias. Reconhecendo o grau em que isso poderia ameacar a liberdade humana, ele findou por postular a idéia da liderança 'carismática' como meio de fugir a mortífera tirania do controle estatal. "O próprio Weber admitia os perigos, assim como as vantagens da autoridade carismática, perigos estes que as carreiras de Hitler e Mussolini logo tornariam gritantes.” (Cit. Burns, Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham: 710)
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A dispersão
A partir da década de trinta, o movimento começou a se diluir. Hitler e Mussolini já apavoravam todo mundo. Wittgenstein foi salvo por Bertrand Russel. Levado a Cambridge, "dedicou-se à desmontagem da filosofia do Tratactus, na qual passara a ver falhas graves, substituindo-a por um ponto de vista diametralmente oposto." (11) Witt teve que se explicar:
Quando pensamos no futuro do mundo, visamos sempre o ponto onde ele estará se continuar a seguir o curso que vemos seguir hoje; não prestamos a atenção no fato de que ele não segue em linha reta, mas segue uma curva, e que sua direção muda constantemente. (12)
Hans Kelsen viu que sua Teoria Pura Direito na verdade também ajudara a compor o justamente o que mais execrava - o recrudescimento da dialética, e do ódio. Restou-lhe a devida penitência, através de vários trabalhos, de excepcional fôlego, na faina de refutar a própria obra-prima, fato pitorescamente desconhecido para a grande maioria de juristas e socio logos deslumbrados com a possibilidade do status científico que tanto almejam.
Com a mudança para os Estados Unidos de Carnap e Kelsen, e de Wittgenstein à Inglaterra, aliada às mortes de Hahn, Schilick e Neurath, o Círculo de Viena perdeu o ímpeto. Aos recalcitrantes estava reservado o dantesco episódio: depois do quarto, Hiroshima e Nagasaki foram sacrificadas à verificação.
O clube nos legou o óbvio:"A burocracia excessiva, que encara as pessoas como unidades sem rosto a serem tratadas com regulamentos impessoais, tem sido vista cada vez mais como alienante e, ao mesmo tempo, ineficiente." (13)
Além de alienante e ineficiente ela foi, e ainda é, antes de tudo, cruel e desumana.
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Fim-de-festa
Diante daqueles festejos, Einstein (14) claramente já advertira:
Não me agrada absolutamente a tendência 'positivista' ora em moda (modishe), de apego ao observável. Considero trivial dizer que, no âmbito das magnitudes atômicas, são impossíveis predições com qualquer grau desejado de precisão e penso que a teoria não pode ser fabricada a partir de resultados de observação, mas há que ser inventada.
O pessoal, contudo, era refratário à percepção. "Nesse começo dos anos 1920, na hora em que Einstein anda pelas ruas de Viena contemplando a fachada e os jardins dos palácios, o espírito de guerra está atrás dele. Einstein olha ao longe com o coração leve. A América o aguarda." (SEKSIK, Laurent, Albert Einstein:108)
As discussões a respeito das fotografias de Crommelin e Eddington continuavam, às vezes acaloradamente. A teoria de Einstein, então extremamente difícil de ser entendida, não era aceita por muitos expoentes da ciência. Um deles, o eminente sábio Sir Oliver Lodge, abandonou o encontro em sinal de protesto.(15)
A prova primordial se evidenciara justamente no Brasil, mas por aqui também houve, (e ainda há) sérias resistências - um quarto desconhece; outro não acredita; o terceiro presume que não venha ao caso, e ao último, definitivamente, nada disso pode aflorar, sob pena de ficar nú: “O senhor Licínio Cardoso, na primeira fila, tinha o ar de quem, acompanhando a exposição feita, contrapunha mentalmente aos princípios da mecânica einsteniana os dogmas de Augusto Comte.” (16)
Assim lamentou Lincon Barnett (17):
Por isso não é de estranhar que muitos universitários ainda imaginem Einstein como uma espécie surrealista de matemático, e não como descobridor de certas leis cósmicas de imensa importância na silenciosa luta do homem pela compreensão da realidade física. Eles ignoram que a Relatividade, acima de sua importância científica, representa um sistema filosófico fundamental, que aumenta e ilumina as reflexões dos grandes epistemologistas - Locke, Berkeley e Hume. Em conseqüência, bem pouca idéia têm do vasto universo, tão misteriosamente ordenado, em que vivem.
Os alertas se multiplicam. Das mais proeminentes se destacam as ponderações de Bertrand Russel, Karl Popper (1902-1994), Gaston Bachelard (1884-1962) Thomas Kuhn (1922-1996) e Paul Feyerabend (1924-1994): a ciência não evolui segundo normas pré-estabelecidas.
Popper negava a afirmação positivista de que os cientistas podem provar uma teoria por indução [como queria, por exemplo, Carnap com sua lógica indutiva] ou por testes empíricos ou observações sucessivas [como outros defendem]. Nunca se sabe se as observações foram suficientes; a observação seguinte pode contradizer tudo o que a precedeu. As observações nunca são capazes de provar uma teoria; só podem provar a sua inverdade ou refutá-la. Popper costumava se vangloriar de ter ‘matado’ o positivismo lógico com essa argumentação HORGAN, 1998: 50.
A idéia de que o conhecimento progride através de uma luta de visões alternativas e que ele depende da proliferação foi primeiro aventada pelos (isso foi enfatizado pelo próprio Popper) e depois desenvolvida numa filosofia geral por On Liberty). A idéia de que uma luta de alternativas é decisiva para a ciência também foi apresentada por Mach (Erkenntnis und Irrtum) e Boltzmann (veja suas Populaer-wissensschajtliche Vorlesungen), principalmente sob o impacto do darwinismo. A necessidade de tenacidade foi enfatizada pelos materialistas dialéticos que objetaram a vôos "idealísticos" extremos da imaginação. E a síntese, finalmente, é a própria essência do materialismo dialético na forma em que este aparece nos escritos de Engels, Lenin e Trotsky. Pouca coisa a esse respeito sabem os filósofos "analíticos" ou "empiristas" de hoje, que ainda sofrem muito a influência do . Considerando esse contexto estreito, embora 'moderno', podemos falar, portanto, em 'descobertas' genuínas, se bem que muito atrasadas
FEYERABEND, Paul,, Consolando o especialista: apres.
Bachelard aborda o primeiro mandamento positivista: “Não postular nada que não possa ser verificado em laboratório”...mas rechaça-o categoricamente: 'As condições da verificação experimental das hipóteses não envolvem todo o problema da formação das hipóteses; e o positivismo, reduzido a sua própria doutrina, é bastante incapaz de coordenar a priori os pensamentos teóricos'.” (O atomismo positivista, cit. em Quillet, Pierre, p. 156.) Ele complementa: “O kantismo e o positivismo não são apenas uma compreensão errônea dos poderes da ciência; eles exercem um constrangimento efetivo sobre o espírito experimental e a pedagogia científica”. (Idem, p.35)
O positivismo lógico e seu método de construção da ciência é até infantil:
Ver para crer, este é o ideal desta estranha pedagogia. Pouco importa se o pensamento for, por conseqüência, do fenômeno mal visto para a experiência mal feita...em vez de ir ao programa racional de pesquisas para o isolamento e a definição experimental do fato científico, sempre artificial, delicado e escondido. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br
Prigogine (cit. Ferguson: 164.) endossa:
A natureza não tem um nível simples. Quanto mais tentamos nos aprofundar, maior a complexidade com que nos defrontamos. Nesse universo rico e criativo, as supostas leis de estrita casualidade são quase caricaturas da verdadeira natureza da mudança. Há uma forma mais sutil de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade. Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato, retornamos ao antigo paradigma* grego do mundo como uma obra de arte.
Com H. G. Wells (18), lembrado por Aldous Huxley, no fim daquela II Guerra, permanecemos aguardando também o fim da pretensão, da ilusão científica, da mediocridade humanista:
O cérebro do Universo é capaz de contar acima de dois. Os dilemas do intelectual-artista e do teórico-político tem mais de dois chifres. Entre a torre de marfim, de um lado, e a ação política direta, de outro, existe a alternativa da espiritualidade. Do mesmo modo, entre o fascismo totalitário e o socialismo totalitário existe a alternativa da descentralização e do empreendimento cooperativo - o sistema político-econômico mais natural à espiritualidade.
A ciência quântica, a teoria da relatividade, e constantes experiências afastam a possibilidade do conhecimento exato, absoluto, demonstrada nossa incapacidade à coleta das incidentais sobre sujeito e objeto, participantes e tabuleiros: “Beck acredita que estejamos vivendo num mundo cada vez menos previsível, no qual as conseqüências das decisões – econômicas ou outras – dos governos, das empresas e dos indivíduos são cada vez mais difíceis de calcular.” (19)
Qualquer movimento influencia todo conjunto, que retroage à parte, mas Soros garante: “Longe de serem desprovidas de sentido, sustento que as proposições cujo valor de verdade é indeterminado são ainda mais significativas do que aquelas cujo valor de verdade é conhecido.”
(20)
Ele confessa:
Quando cheguei a essa conclusão, considerei-a um grande insight. Agora que as ciências naturais não mais insistem numa interpretação determinística de todos os fenômenos e o positivismo lógico se desvaneceu nos bastidores, sinto-me como se estivesse açoitando um cavalo morto. (21)
Se quiser açoitar um vivo, basta dar um pulo no Brasil.
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Notas
* "O positivismo lógico incrivelmente permanece considerado pela maioria dos filósofos, em especial os formuladores sociológicos, econômicos, legislativos e seus braços executivos e judiciários, e geram graves problematizações justamente por causa das idéias artificialmente encadeadas. As competentes advertências de Kuhn (que estabelece o caráter paradigmático da ciência), Bachelard e Paul Feyerabend (demonstrando que na prática científica a ciência não evolui segundo normas pré-estabelecidas) permanecem ignoradas.
**Rudolph Carnap, filósofo, juntamente com o matemático Hans Hahn e o sociólogo Otto Neurath publicou em 1929 o manifesto intitulado Concepção Científica do Mundo - O Círculo de Viena.
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Citações

11. História do pensamento ocidental: a aventura dos présocráticos a Wittgenstein, tradução Laura Alves e Aurélio Rebello, Rio de Janeiro: Ediouro, 2001; Hacker: 8

12.Wittgenstein, Ludwig,(1889-1951) Tratactus Lógico-Philosphicus, publicado no Brasil pela Edusp, cit. Prado Jr., Bento, Folha de São Paulo, 8 /6/1997.
13.Zohar, D., p. 26.
14.Einstein, Albert, cit. Popper, K., A Lógica da Pesquisa Científica, p. 525.
15. Cit. Macdonald, Fiona, Albert Einstein, p. 7.

16. Cit. Moreira, Ildeu de Castro e Videira, Antonio Augusto Passos Org., Einstein e o Brasil, p. 124.
17. O universo e o Dr. Einstein, p.12.
18. Wells, H. G.; Huxley, Aldous, cits. Ferguson, M., p. 211.
19. Beck, Ulrich, professor de Sociologia na Universidade de Munique e da London School of Economics, entrevista a Javier Moreno, jornal El País, UR, cit. Folha de São Paulo, 27/10/2002, p.A13.
20.Soros, G., p. 81.
21. Idem, ibidem.


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Arte & ofício de Durkheim

 Digo: artifício de Durkheim
O estudo da sociedade é tão precioso porque o homem é muito mais ingênuo como a sociedade do que como indivíduo. A sociedade jamais considera outro modo a virtude senão como meio para atingir a força, a potência, a ordem. NIETZSCHE, F., Vontade de Potência, Parte 2 : 276
Que me perdõem os dedicados, mas ouso afirmar: a Sociologia carece de cientificidade; e talvez por isso, de autores. Seu sucesso, e nossa desgraça, está muito mais pela capacidade de disseminação de parcos intérpretes, do que o produto focado pela distorcida lente. A cátedra não tem caráter epistemológico. Impõe-se por tecnológica. Não lhe interessa a filosofia, porquanto se pretende lógica, exata, indiscutível. Ledo engano, evidenciado pela ciência de ponta, a mesma que outrora lhe deu guarida. 
Tão cartesiano quanto o "pai" positivista, e, como ele, justificando-se previdente, Durkheim* também não hesitou propor a cooptação do indivíduo ao polvo rotulado: “Essa tese durkheimiana prende-se, como é sabido, à sua concepção da consciência coletiva como 'repositório de valores', como algo transcendente às consciências individuais.” (1)
O sociólogo francês Durkheim proporciona um exemplo típico deste método que abandona gradualmente a esfera do conhecimento psicológico causal e penetra a das considerações ético-políticas ou jurídicas. Também ele insiste em estabelecer a sociologia como uma ciência natural, orientada segundo as leis da casualidade. Aceita o princípio de Comte de que 'as manifestações sociais são fenômenos naturais e, como tais, estão sujeitas às leis da natureza'. (2)
A leitura de Durkheim, tido por fundador da sociologia, servia como advertência de que a ciência social sempre aspirou submeter-se aos controles matemáticos da ciência física e que toda generalização deve estar apoiada numa série de repetições documentadas. FRIAS FILHO, Otávio, Revista Piauí, 23/11/2010
O problema social, todavia, vem por outra linhagem:
O valor de um ato deve ser medido segundo suas conseqüências - dizem os utilitaristas - avaliá-lo segundo sua origem implica uma impossibilidade: - a de conhecer a origem. Não se conhece a origem, não se conhecem as conseqüências - como então um ato tem em geral algum valor? (3)
O esperto estrategista, na esperteza dialética, e na cisma do sofisma, já assim contornara o empecilho, sustentando o óbvio: o indivíduo é produto da sociedade. Enfatiza R. Aron (2003: 464):“ [...] o indivíduo nasce da sociedade, e não a sociedade nasce do indivíduo”Tal premissa precipita o veredicto: a sociedade teria o precedente lógico sobre o indivíduo. Não podemos negar razão ao articulista das palavras. Somos, de fato, produtos de uma união social; aliás, do leito conjugal! Todavia, a procedência não significa propriedade; e a precedência não pode decretar a sujeição.
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A metodologia cartesiana
Grande parte da moderna sociologia, da pedagogia e toda a psicologia da pessoa derivam desta linha de pensamento, assim como nossa violência característica do século XX, uma reação natural diante de tamanha impotência. Foi igualmente afetada nossa atitude em relação à natureza e ao mundo material. Se nossa mente, nosso consciente é totalmente diferente de nosso ser material, como argumentou Descartes, e se a consciência não tem nenhum papel a desempenhar no Universo, como sugere a física de Newton, que relacionamento podemos ter com a natureza ou com a matéria? Somos alienígenas num mundo alienígena, situados à parte dele e em oposição a ele, nosso ambiente material. ZOHAR, DANAH: 191
Como a ciência navegava nos velhos vapores, o que se conhecia eram apenas os conceitos mecanicistas, coisificados, acessados através da "sapiência" cartesiana:
A sociologia pretende ser um estudo científico dos fatos sociais que Durkheim procurou estudar como coisas. Nessa perspectiva quem diz sabedoria diz amor fati, entendendo por isso, não uma cega submissão aos golpes de um destino incompreensível, mas compreensão de um determinismo suscetível de aplicações capazes de “nos tornarem senhores e possuidores da natureza”, como exigia Descartes. Brun, J., A sabedoria estóica e seu destino. www.consciencia.org
Almejando o reconhecimento, o platônico francês não titubeia em também tentar separar a alma do corpo, o ser do afazer, o sujeito do objeto que ele próprio, Durkheim (Da divisão do trabalho social. Tradução de Eduardo Brandão. - 2º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999: 28), projeta adornado: "É preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós."
Sempre de acordo com o vírus cartesiano, a faca de Durkheim tratou de retalhar seu objeto predileto.
Os sociólogos franceses da escola de Durkheim, impressionados com a importância das relações coletivas e dos fenômenos de consciência na vida social, tenderam a definir as classes por critérios de gêneros de vida. Opõe-se ao livre jogo da concorrência individual. (4)
Durkheim propunha as relações sociais ritmadas na marcha:



Sociedade de solidariedade mecânica Sociedade de solidariedade orgânica
Laço de solidariedade Consciência coletiva Divisão do trabalho social
Organização social Sociedade segmentada Sociedades diferenciadas
Tipo de direito Direito repressivo Direito restitutivo
Jéferson Mendes[1]
"Durkheim vê como uma lei na história a passagem da sociedade de solidariedade mecânica para a sociedade de solidariedade orgânica," e neste caso, mais uma vez, nada foi original. Hegel já havia propugnado o disparate, a junção do rebanho. Durkheim não teve tempo de ver Hitler invadir seu páteo, mas assistiu o ensaio da tragédia por Bismarck, e depois na I Grande Guerra. Por fim, em seu canto-de-cisne, por certo recebeu notícias das atrocidades leninistas. Morreu logo em seguida. Se não foi por remorso, algum arrependimeto deve lhe ter apressado a partida.


A insistência da assistência
Uma escola de antropologia, no início do século XX, de que Durkheim foi o principal representante, traçou um quadro do homem primitivo classificando-o como quase pertencendo a uma espécie mental e espiritual diferente da nossa. Esta escola apresenta o homem primitivo como sendo governado pela emoção conjunta da coletividade e não pelo processo racional do intelecto individual. (5)
Popper a condena...
“Este ponto não tem sido entendido por muitos sociólogos, tais como Durkheim, que nunca abandonou a crença dogmática de que a sociedade deve ser analisada em termos de grupos sociais concretos."(6)
.. mas Sigmund Freud e Carl Jung também estavam na carona da onda:
"Diante destes fatos devemos afirmar que o inconsciente contém não só componentes de ordem pessoal, mas também impessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas ou arquétipos.”
(7)
Semelhante apreciação, mas por ângulo contrário, Èmile Durkheim
(Épinal, 15 de abril de 1858 — Paris, 15 de novembro de 1917) expôs em seu mais famoso trabalho - “o suicídio era um fenômeno social, além de pessoal". (8)
Lacan protestou:
“Os programas que se esboçam como devendo ser das ciências humanas não têm outra função senão a de ser um ramo acessório a serviço dos poderes.” (9)
Mutatis mutandis, o Direito passa envergado; e a ciência, desvirtuada :
Nas ciências humanas, não basta, pois, como acreditava Durkheim, aplicar o método cartesiano, por em dúvida verdades adquiridas e abrir-se inteiramente aos fatos, pois o pesquisador aborda muitas vezes os fatos com categorias e pré-noções implícitas e não conscientes que lhe fecham, de antemão, o caminho da compreensão objetiva. (10)
A razão é trivial:
Para dizer a verdade, quando o número de fatores em jogo num complexo fenomenológico é demasiado grande, o método científico falha na maioria dos casos. Basta pensar no tempo atmosférico, em que a previsão até mesmo para uns poucos dias antecipados é impossível... As ocorrências nesse domínio estão fora do alcance da previsão exata devido a variedade de fatores em operação, e não devido a alguma falta de ordem na natureza. EINSTEIN, ALBERT, Einstein Por Ele Mesmo: 94
Pois "assim falava" J. LOCKE (Ensaios sobre a lei da natureza, cit. BOBBIO, N., 1997: 138):
a)Enquanto as idéias matemáticas podem ser expressas por meio de sinais sensíveis, imediatamente claros aos nossos sentidos, as idéias morais só podem ser expressas por meio de palavras, que são signos menos estáveis e exigem interpretação;
b) As idéias morais são mais complexas do que as matemáticas, daí a maior incerteza dos nomes com que são designadas e a dificuldade em aceitá-las todas de uma vez.
Os pesquisadores de sociedades ora se debatem pela reversão:
Do lado da sociologia, sabe-se que mesmo um autor como Luhmann acabou por se ver compelido a introduzir uma mudança radical no paradigma das relações entre a pessoa e o sistema social. Deixando de ser categorizada como mero ambiente do sistema social, a pessoa passa a valer, também ela própria, como sistema. Um sistema social, a figurar como seu (da pessoa) ambiente. A pessoa vê-se, assim, chamada - e legitimada - a desafiar permanentemente o sistema social, como fonte de 'contingência', 'irritação', mesmo desordem. De acordo com o 'novo paradigma luhmanniano', 'na construção de sistemas sociais, a complexidade opaca dos sistemas pessoais aparece como indeterminabilidade e contingência'. Não sobrando para o sistema social outra alternativa que não seja 'interiorizar a complexidade' irredutível, emergente da pessoa. O que bem justificara a pretensão de apresentar a nova teoria de Soziale Systeme (1984) como uma Zwang zur Autonomie. ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: Uma Perspectiva Jurídico-criminal: 26

Complemente:


O conto de Comte





.
.Notas

* Émile Durkheim nasceu em Épinal, no dia 15 de abril de 1858, região da Alsácia, na França.
Iniciando os estudos em Epinal posteriormente partindo para Paris, no Liceu Louis Le Grand e na École Normale Superiéure (1879). Considerado um dos pais da sociologia moderna. Durkheim formou-se em Filosofia onde começou a interessar-se pelos estudos sociais. Foi o fundador da escola francesa de sociologia, em 1887 quando é nomeado professor de padagogia e de ciência social na faculdade de Bordeaux, no sul da França. Suas principais obras são:
Da divisão social do trabalho (1893);
Regras do método sociológico (1895);
O suicídio (1897);
As formas elementares de vida religiosa (1912).
Fundou também a revista L’Année Sociologique, que afirmou a preeminência durkheimiana no mundo inteiro. Durkheim morreu em Paris, a 15 de novembro de 1917.
* * *
-
1.Durkheim, E. cit. Reale, M., Pluralismo e Liberdade, p. 79/80.
2.Kelsen, Hans, (1881-1973) A Democracia, p. 331.
3. Nietzsche, F. Vontade de Potência, parte 2, p. 195
4.Duverger, Maurice, p. 7.
5.Toynbee, Arnold J., Estudos de História Contemporânea - A civilização posta a prova, p. 217.
6.Popper, Karl, 1998, Tomo I, p. 191.
7. Jung, C.G., Jung Vida e pensamentos, p. 57.
8 Durkheim, E. cit. Reale, M, p. 79/80
9 Lacan, M., cit. Japiassú, Hilton, Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje, p. 37.
10. Goldman, Lucien, p. 33.

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O oportunismo do utilitarismo


Salve bravos carregadores,
'Mais longo o trabalho, maiores favores',
Sem ânimo ou vontade de sorrir,
sempre duros de cabeça e braço,
de originalidade nenhum traço
Sans géni et san esprit
NIETZSCHE, F.,
Acima do bem e do mal: 121
Nas décadas de 1830 e 1840, certos parlamentares da aristocracia e da classe média britânica tomaram a seu cargo a articulação de interesses das classes trabalhadoras. Nesse caso, eles não estavam respondendo a pressões e demandas encaminhadas de baixo, e sim agindo como guardiães independentes e voluntários desses interesses negligenciados ou suprimidos. ALMOND & POWELL (1)
Thomas Robert Malthus (1766-1834), amigo de David Hume e adepto de J.-J. Rousseau (cits. Fadiman Clifton: 197), afirmara e convencera: os recursos eram quase inflexíveis, porém a população cresceria de modo geométrico. .A “situação”, provável pela aritmética de Descartes, agora equacionada pelo reverendos, mostrava-se fatal e indiscutível - muitos estariam antecipadamente condenados a morrer de fome. Tal cascata engolfou não só Marx e muitos economistas, como vários pesquisadores de inúmeras outras disciplinas, a começar por Hegel e pelo próprio Darwin.
Na pole-position se postaram os lobos, famintos pelas ovelhinhas.
O “Direito Natural”, pelo esperto jogo de palavras, cedia a “reivindicação social”, “justa” e prescrita a partir das constatações do esperto reverendo, e assim o rebanho vinha cantarolante até o brete, para contribuir com sua lã, antes de ser carneado.
A existência na humanidade de uma tendência a crescer, na ausência de controle, além da possibilidade de um suprimento adequado de alimentos num território limitado deve conduzir, de imediato, a questão do direito natural dos pobres em pleno sustento numa situação social em que o direito de propriedade é reconhecido. A questão reduz-se, basicamente, portanto, a uma dúvida quanto à necessidade daquelas leis que estabelecem e protegem a propriedade privada. (Idem: 199)
Cabia ao governo, pois, "limitar o apetite individual natural", compelindo a que cada um sacrificasse uma porção de seus interesses, em prol da maioria, útil bandeira ao benefício do mentor, a meta verdadeira:
A ética dominante na História da Humanidade foi uma variante da doutrina altruísta-coletivista, que subordinava o indivíduo a alguma autoridade superior, mística ou social. Conseqüentemente, a maioria dos sistemas políticos era uma variante da mesma tirania estatista, diferindo apenas em grau, não em princípio básico, limitada apenas pelos acidentes da tradição, do caos, da disputa sangrenta e colapso periódico." (2)
As paixões seriam "úteis" se guiadas por interesses racionais; portanto, devidamente calculados. Nada melhor do que uma ciência arranjada à justificativa furada:
Foi portanto do utilitarismo do século XIX que nasceu a idéia de que se podia subordinar a atividade do legislador a uma teoria 'científica' da justiça, definida pela maximização do prazer, a um algorritmo que daria automaticamente a solução 'correta' e que permitiria fazer a economia do político. (3)
Bobbio apreciou as intenções de Jeremy Bentham, o pai do utilitarismo:
Deste modo revelava mais uma vez sua mentalidade tipicamente racionalista: um código unitário, coerente, simples, um código, pois, que pudesse valer como lei universal só podia ser obra de uma única pessoa, com princípios estáveis e idéias claras. 'O código deve ser completo ou, em outros termos, abarcar todas as obrigações jurídicas às quais o cidadão deve estar submetido.' (De l´organisation, p. 334.) Evidentemente pensava nele mesmo.(4)
Ancorado em Bacon, Helvetius e Hume, parafraseando Rousseau e Napoleão, utilizando-se do método cartesiano, lembrando Malthus e Hegel para municiar Comte, Mill e Marx, concluía Bentham que a glorificação feita em cima da Constituição Britânica e sua suposta divisão de poderes movia-se na esfera dos mitos. Os poderes legislativo e judiciário não poderiam mais ser limitados. Desse modo, Bentham, acabou aperfeiçoando os fundamentos positivistas no campo econômico, (5) era da “democracia social”, para delírio de John Maynard Keynes, aplicação do welfare state e dos totalitarismos fascistóides. Russell (2008:103) não perdoou: "Há cem anos, viveu um filósofo chamado Jeremy Bentham, universalmente conhecido como um homem muito perverso." Lacoste oferece a precisão de Rawls para demonstrar a razão do embuste benthamniano:
Esta teoria imagina uma espécie de espectador imparcial que, por dispor de todas as informações, seria capaz de determinar, por um balanço de perdas e ganhos, qual a regra de maior utilidade - total ou média - para o maior número. É claro que o utilitarismo pode servir para justificar - em nome da justiça e por uma espécie de ardil do 'bem-estar geral' - qualquer sistema de opressão geral. (6)
Claríssimo, até pela história de todos os países que caíram no conto.
Depreende-se que Bentham conhecia alguns aspectos da relatividade trazidos pelos trabalhos de Locke e Montesquieu. Em nuances que pode entender, interessasse, ou pelo menos não atrapalhasse, o astuto ofereceu respeito. Todavia, ao propugnar a contraposição direta ao individualismo preconizado pelos baluartes liberais, a máscara foi subsituída pela cara-dura da concordância com o Estado Leviathan, não escondendo, além dos aspectos éticos e jurídicos desvirtuados, o brutal instrumento que mirava - a intervenção direta da Coroa nas relações privadas, especialmente na economia: “A influência do governo se estende praticamente a tudo, com exceção do temperamento, da raça e do clima.” (7)  Este tipo de argumento, sempre presente também nas obras de Hobbes, Rousseau e em seguida nos trabalhos de Hegel, propiciou a perigosa e ladina experiência da escamoteação de interesses escusos através de oratórias ambíguas.
O que pode ocorrer com a civilização perante essa visão utilitarista que leva a descambar no interesse puro e simples, desprovida de valores de alçada superior, sem aquele ideal que possa significar a civilização plena baseada nos valores do homem indivíduo, da sociedade individual, da sociedade em geral, como somatória das unidades sociais que a compõem? BRAGA, Antonio Carlos, in NIETZSCHE, F., O livro do filósofo:8
No embalo se apresentou Mill, com a dialética de Bentham de tal odo aprimorada que não poucos chegam a confundi-lo como filoósofo da liberdade.

JOHN STUART MILL (18061873) foi um filósofo e economista inglês, um dos pensadores liberais mais influentes do século XIX. Foi um defensor do utilitarismo, a teoria ética proposta inicialmente por seu padrinho Jeremy Bentham.

Trata-se, contudo,  de grave equívoco, ainda que muito comum, confusão levada a cabo até mesmo por diletantes liberais. Liberalismo não casa com utilitarismo. São antíteses. Padrinho e afilhado formaram assombrosa dupla. Seus efeitos pirotécnicos ainda são divisados, e assim, por facilmente copiados, configurando uma progressão atômica de difícil reparação:
Stuart Mill tratava os indivíduos com a mesma crueldade socializante com que os termitas a certos de a certos de seus congêneres, os quais cevam para depois chupar-lhes a substância. ORTEGA Y GASSET, J., A rebelião das Massas: 12
O resultado de tão elevada  contribuição surtiu imediato efeito
A nova lei redigida por Edwin Chadwik, ex-secretário particular de Jeremy Bentham, e aprovada quase sem discórdia, refletia de modo claro a idéia burguesa e liberal sobre o propósito de 'alcançar o maior número defelicidade para o maior número de pessoas'. As depressões econômicas dadécada de 1840 mostraram ser falsa essa idéias e arruinaram os planos dos cuidadores das leis dos pobres. Novamente instituíram os donativos e novamente aumentaram os impostos. BURNS: 561.
Eis, no final da oração, a razão da instituição.Os pobres não tiveram acréscimo nenhum, mas seus administradores foram bem contemplados. Walter Lippmann (cit. POPPER, K., Sociedade Democrática e Seus Inimigos, p. 88) bem identificou os tipos:
Os coletivistas tem o empenho de progresso, a simpatia pelos pobres, o ardente sentido do injusto, o impulso para os grandes feitos, coisas que tanto vem faltando ao liberalismo nos últimos tempos. Mas sua ciência se baseia num profundo mal-entendido; e suas ações, portanto, são intensamente destrutivas e reacionárias. Assim, os corações dos homens são destroçados, suas mentes divididas e são apresentadas alternativas impossíveis.
A aparente obviedade do princípio colocava nas mãos do legislador hábil instrumento de aplicação universal. Isso era o que importava, conquanto a presunção de que a felicidade de todos até pode ser aumentada mostrava lógica de difícil desmonte, embora a obra de Adam Smith já fosse conhecida. Imperava a já velha crença do movimento da natureza sob o signo da engenharia mecanicista, linear e preconceituosa. Essas proposições emanadas no espírito geométrico, mensurações calculadas, não contempla nenhuma "alma", exceto a do propositor. Koyré (cit. MATOS, Olgária, Filosofia a polifonia da razão: Filosofia e educação. - São Paulo, Scipione, 1997:107) vai além: "Resulta daí que desejar aplicar as matemáticas ao estudo da natureza é cometer um erro e um contra-senso"
Ao tentar cultivar o tecido da felicidade com as mãos dessa razão ao direito, Bentham ensejou o desfile de vários porta-bandeiras da codificação jurídica, começando por John Austin (1790-1859) outro Pai do Positivismo (8):
“Enquanto Bentham concebia a codificação como um instrumento de progresso político-social, Austin a concebia como um instrumento de progresso puramente técnico-jurídico.” (9)
A desconsideração ao Direito Natural indicou o caminho a disposição dos assaltantes do poder: “Em 1791 nosso autor escreve para seus amigos da Assembléia Nacional um Ensaio de Tática Política, bem como um projeto de prisão moderna. Ao mesmo tempo em que criticava a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.” (10)
Como alimentador de demagogo, Bentham também se portou pioneiro. A aparente obviedade do princípio levava às mãos do Rei o poder total e sua índole seria “regulada pela necessidade humana”, constituindo sua satisfação a única justificativa. A idéia pode ser até bonita, mas é por demais pretensiosa, como toda a ciência arruinada. Objetiva dizer mais ou menos a definição político-tecnocrata agonizante:
Na tecnocracia os especialistas são aqueles que nos governam porque conhecem (com segurança) [quem será que lhes fornece tamanha segurança?] tudo quanto diz respeito a nossa sobrevivência e felicidade: necessidades humanas, a engenharia social, planejamento econômico, relações internacionais, invenção, educação, etc. (11)
Nietzsche não se furtou: “Os utilitaristas são ingênuos. E, no fim, teríamos em primeiro lugar que saber o que é útil; aqui novamente a visão deles não se estende além de cinco passos. Eles não tem idéia de nenhuma grande economia que não saiba lidar com o mal.” (12)
Ingênuo era Nietzsche. Utilitaristas sempre foram muito oportunistas, isso sim:
O Estado de bem-estar era um ardil político: uma criação artificial do Estado, pelo Estado, para o Estado e seus funcionários. É um eco irônico da democracia de Lincoln de, por e para ‘o povo’. Quando seus bem escondidos, porém crescentes, excessos e abusos no governo central e local foram revelados recentemente, havia se passado um século de defesa falaciosa. Seldon: 60.

Mas o dinheiro vai em grande parte não para os pobres, que ficam com as migalhas, mas para aqueles grupos de interesse poderosos o suficiente para subornar e fazer lobby a favor da redistribuição. O dinheiro real vai é para os 'pobristas"'- os reais defensores da pobreza -, para os consultores, para as empreiteiras que constroem as moradias populares, para os funcionários de hospitais públicos, e principalmente para os próprios membros da burocracia que coordena todo o esquema. Os pobres são maldosa e intencionalmente transformados em uma subclasse perpétua, dependente do governo, para que alguns parasitas possam viver confortavelmente bem à custa de todo o resto da sociedade. Graças ao estado assistencialista, praticamente não há mais uma genuína mobilidade social. Os degraus mais baixos da escada foram retirados em nome da compaixão.
ROCKWELL, Lew, Por que o estado cresce? (E o que podemos fazer quanto a isso)


Veja também:
O mau tom de Bentham

Mill e o hocus pocus* utilitarista

_______

Notas
1. Almond, G. e Powell Jr, G, p. 60.
2. Rand, A., p. 118.
3. Audard, Catherine, cit. Rawls, John, Justiça e Democracia, p. XXX.
4. 1995, p. 99

5. Bentham, Jeremy, cit. Hayek, F., Os erros do socialismo - A arrogância fatal, p. 78.
6. Rawls, John, cit. Lacoste, Jean, A filosofia no século XX, p. 139.
7. Bentham, Jeremy, cit. Gusdorf, Georges, As revoluções da França e da América, p. 378; idem in Falcon, Francisco José Calazans, p. 69.
8. Austin, John, cit. Reale, Miguel, O Direito como experiência, p. 181:
"Seu pensamento procedeu-se paralelamente a Escola Exegese francesa. O Direito foi concebido como reunião de normas que guiam o ser inteligente e impostas por outro ser inteligente e superior: o soberano. O Direito levaria sempre a chancela do Estado, pois as normas são criadas pelo soberano ou mediante sua autorização. Para Austin nada haveria de superior ao Estado, que não se subordinava sequer as regras jurídicas que criava. De outro lado, ele revelou-se adepto do utilitarismo (N. O que explica seu anseio de Estado) afirmando que a felicidade deve ser o alvo do govêrno. Na visão de alguns juristas, a adoção da filosofia de utilidade comprometeu a coerência lógica da doutrina austiniana."
9. Bentham, J. e Austin, J., cits. Bobbio, Norberto, 1995, p. 114.
10. Bentham, J., idem, p. 93.
11. Roszac, Theodore, A contracultura, p. 212.
12. Nietzsche, F., cit. Diggins, John Patrick, p. 162.

domingo, 30 de março de 2008

O mau tom de Bentham


Salve bravos carregadores,
"Mais longo o trabalho, maiores favores",
Sem ânimo ou vontade de sorrir,
sempre duros de cabeça e braço,
de originalidade nenhum traço
Sans géni et san esprit
F. Nietzsche 4
O aspecto ideológico da concepção juspositivista predomina em absoluto no pensamento de Bentham, cuja finalidade não é descrever o direito (especialmente o inglês) tal qual é, mas sim criticá-lo, para fazer com que seja modificado de maneira a corresponder às suas concepções ético-política
NORBERTO BOBBIO*
Robes
LATINOS ofereceram Maquiavel, Descartes, Rousseau e Comte; germânicos, Hegel, von Ihering, Marx e Weber; e anglosaxões, Bacon, Hobbes, Bentham e Mill:
Hobbes pertence, de direito, à história do positivismo jurídico: sua concepção da lei e do Estado é uma antecipação, verdadeiramente surpreendente, das teorias positivistas do século passado, nas quais culmina a tendência antijusnaturalista iniciada no historicismo romântico. (1)
O que o platônico Euclides (300 a.C.) fizera para a geometria**, Galileu para a física, Descartes para ambos, julga-se Hobbes, pupilo do último, à altura para revolucionar a política. A pretensa cientificidade reduziu a nação francesa à mera engrenagem, cujo dente era o o insignificante ser humano, na elucubração coadunada com a já clássica analogia do relógio, machina machinarum:
“Na própria introdução ao De Cive declara que, para se conhecer uma coisa, é preciso conhecer os elementos de que ela é constituída, dando o exemplo do relógio, cujo funcionamento só pode ser plenamente compreendido quando desmontamos.” (2)
Sua "ciência", todavia, só pode se impor pela força: "Hobbes combate a common law e afirma o poder exclusivo do soberano de pôr o direito, visto que isto é indispensável para assegurar o poder absoluto do Estado." (3)
Sucumbido o Leviathan na Revolução Gloriosa, o mecanicismo tentou retornar à Inglaterra pelos novos portões de David Ricardo, Malthus, instalados no "clube de engenharia político-econômica" de Jeremy Bentham, o fundador emérito da escola “utilitarista”.
Russell (2008:103) não perdoou:
"Há cem anos, viveu um filósofo chamado Jeremy Bentham, universalmente conhecido como um homem muito perverso."
Jeremy Bentham (17481832) vinha equipado com as indicações colhidas no continente, junto aos exitosos professores Holbach e Helvécio. Hayek conheceu as escalas:“C. V. Helvetius foi um racionalista cartesiano que se equivocou, de quem Jeremy Bentham teria reconhecidamente tirado suas conclusões.” (5)
Se as conseqüências de tão pernicioso equívoco permanecessem circunscritas às suas expensas, não teríamos experimentado tantas agruras e amarguras:
A lei era vista como imutável porque era ancorada na natureza, assim como a vontade da comunidade: os legisladores e juristas tinham meramente que averiguar o que ela era e como aplicá-la a situações concretas. O surgimento, no final do século XVIII, do 'historicismo', que dizia que as instituições humanas estavam sempre evoluindo, mudou essa visão tradicional da lei. Passou a se reconhecer que, como tudo o que se relacionava com o ser humano era resultado da vontade, tudo o que se relacionava com o ser humano era capaz de ser alterado - e aperfeiçoado - por meio da educação e da legislação. Na Inglaterra, que liderava o mundo nesses assuntos, foi Jeremy Bentham quem encabeçou o ataque às formas tradicionais de pensamento. Foi Bentham, mais do que qualquer outro pensador, que popularizou a noção de que as leis podem solucionar qualquer mal social. (6)
Von Mises sinalizou o desvio:
Com a Escola Histórica, a ciência política tornara-se uma doutrina de arte para estadistas e políticos. Nas universidades e em anuais, reivindicações econômicas eram apresentadas e proclamadas como 'científicas'. A 'ciência' condenava o capitalismo, tachando-o de imoral e injusto. Rejeitava como 'radicais' as soluções oferecidas pelo socialismo marxista e recomendava o socialismo estatal, ou, às vezes, até o sistema de propriedade privada com intervenção do governo. Economia não era mais questão de conhecimento e capacidade, mas de boas intenções. (7)
Pois não seria esta a configuração do partido nazista, do bolchevique e o mote do fascismo?

O desvio
Até as publicações de Bentham o utilitarismo carecia dos objetivos políticos. A partir de suas elucubrações, contudo, o legislador “sábio” deveria se utilizar de castigos e penalidades para harmonizar os interessesm especialmente o próprio. Estava inevitavelmente implícito, de novo, que o homem cujas convicções morais se chocassem com as da comunidade, ou melhor, com o interesse do governante, deveria ser coibido, suprimido banido do convívio.
O ideal nem era inglês, senão francês. Descartes foi o introdutor, professor direto de Hobbes, e indireto de Rousseau. Essas foram as asas da desatinada Revolução Francesa. Bentham assistiu o descalabro.
A comunidade francesa deixou de existir, em detrimento da representação governamental. Quem fosse contra o Governo, seria contra a Nação, merecendo, por isso, o calabouço, a guilhotina, ou o banimento. E o desdobramento, por Napoleão, ensinava quão trivial é domesticar o rebanho - basta ordená-lo.
Bobbio (De l´organisation, : 334) apreciou as intenções de Jeremy :
Deste modo revelava mais uma vez sua mentalidade tipicamente racionalista: um código unitário, coerente, simples, um código, pois, que pudesse valer como lei universal só podia ser obra de uma única pessoa, com princípios estáveis e idéias claras. 'O código deve ser completo ou, em outros termos, abarcar todas as obrigações jurídicas às quais o cidadão deve estar submetido.'
Evidentemente pensava nele mesmo. (8)
Importante é considerar os dramáticos instantes atravessados pela Grã-Bretanha diante daquelas peripécias napoleônicas. Necessitava a Coroa convencer seus súditos a se engajarem na luta total contra a França. Assemelhava-se ao período vivido pelo Príncipe; no caso inglês, mais recente, de Cromwell.
O liberalismo era "bonito, mas irreal"; não prometia imediata eficácia, sendo mister costurá-lo ponto a ponto, desde as elementares noções sobre educação e cultura.
A emergência das catástrofes empurravam governos a partirem para as soluções práticas, imediatistas e pouca conversa. Esta política pintada ética, científica, lógica e a psicologia baseada na associação de idéias pareciam formar eficaz simplificação da teoria política de Locke, na evidência aparentemente óbvia da justiça e da eficácia de se produzir a felicidade para o maior número possível de pessoas. No argumento de que toda a instituição, toda a lei justa deveria advir de sua utilidade social, naquela lei que produzisse ou dividisse a felicidade (entendida como escassa e materialmente divisível) para o maior número de pessoas, Bentham conseguia sensibilizar os pacatos cidadãos, como se a felicidade fosse um grande bolo que pudesse ser fatiado por algum justiceiro acobertado de nobres ideais. Ainda em nossos dias, por exemplo, Bentham seria levado à honra de alguma cadeira pública com seu slogan:
“A maior felicidade do maior número constitui medida do certo e do errado.” (9)
Note-se a linguagem numeral utilizada por Bentham já na pretensa “divisão” da felicidade e nas expressões pensadas cientifícas, exatas: “maior” por duas vezes, mais “número” e ainda “medida”, num parágrafo de apenas um verbo.
O espirituoso comentário de Pedro Demo poderia servir de resposta a Bentham:
“Felicidade não é lógica propriamente, porque é impossível ser feliz na forma. Felicidade é um fenômeno histórico, circunstanciado, ambientado, sem regras fixas, sem ritos inamovíveis. É surpresa. É só momento. Felicidade extensa é monotonia. Por isto, diz o poeta popular, o amor é eterno enquanto dura. Cientificamente isto é besteira, porque não cabe na lógica. Mesmo assim, é real, porque a eternidade do amor está na sua intensidade necessariamente momentânea e por isso de vibração avassaladora, por vezes paroxista, não na repetição monótona, chata, quadrada de algo que se torna rito. A ciência, por razões de método, apreciaria que a felicidade se debulhasse na monotonia repetitiva, porque nada mais mensurável é captável do que isto. Mas aí teríamos de preferir ciência à vida.” (10)
Não foram poucos os governos que optaram pela primeira. Os mais salientes foram os regimes bolchevique, nazista e fascista, e seus arremedos, mais ou menos fiéis.

Aprecie
O oportunismo do utilitarismo
___________
Notas
* Bobbio, N., 1995, p. 224.
** "Partindo de ideias platônicas universais como 'linha' e 'círculo', Euclides criou um sistema dedutivo para descrever as relações entre uma vasta série de figuras geométricas." Rohmann, C., p. 148.
1. Hobbes, T., cit. Bobbio, N., Thomas Hobbes, p. 101.
2. Idem, p. 76/77.
3. Hobbes, T., cit. Bobbio, N., 1995, p. 34.
4.
Acima do bem e do mal, p. 121
5. Helvetius, C. V., Bentham, J., cits. Hayek, F. A., Os erros do socialismo - Arrogância Fatal, p. 194.
6. Bentham, J., cit. Pipes, R., p. 269/70.
7. Mises, L., Uma crítica ao intervencionismo, p. 41
8. Bentham J., cit. Bobbio, N., 1995, p. 99/00.
9. Bentham, Jeremy, cit. Sabine, G., p. 595.
10. Demo, Pedro, Ciência, Ideologia e Poder, Uma Sátira as Ciências Sociais, p. 58.