terça-feira, 25 de maio de 2010

3. O interesse de Platão



A cisão é a fonte da exigência da filosofia

HEGEL, Differenzschrift.
Toda a política dos filósofos se resume em por a onipotência do Estado ao serviço da infalibilidade da razão, a fazer da razão da razão pura uma nova razão de Estado. 
SOREL, A. L'Europe et la Revolution Française, T.I, Cap.II, cit. em PRELOT, Marcel, Vol. II: 293
 Com efeito, quase todos os vícios, quase todos os erros, quase todos os preconceitos funestos que acabo de pintar deveram seu aparecimento, ou sua duração, ou seu desenvolvimento à arte da maioria de nossos reis de dividir os homens para governá-los mais absolutamente! TOCQUEVILLE, A., 1997, cap. XII: 139
Vou direto: o fito primordial de PLATÃO se resumia em vingar a prisão e a morte do afeto SÓCRATES. A tanto forjou a magnífica  cabeça-de-ponte para os Trinta Tiravnos capturarem a Acrópole:
Então veio, parece, um sábio astuto,
o primeiro inventor do medo aos deuses...
Forjou um conto, altamente sedutora doutrina,
em que a verdade se ocultava
sob os véus de mendaz sabedoria.
Disse onde moram os terríveis deuses das alturas,
em cúpulas gigantes, de onde ruge o trovão,
e aterradores relâmpagos do raio aos olhos cegam.
Cingiu assim os homens com seus atilhos de pavor
rodeando-os de deuses em esplêndidos sólios,
encantou-os com seus feitiços, e os intimidou – e a desordem mudou-se em lei e ordem.
CRÍTIAS, tio de Platão, e líder dos Trinta Tiranos
PLATÃO propalava a composição bipolar do Universo, em especial do ser humano, flagrante nas distinções de masculino-feminino, corpo e alma. SÓCRATES errara em preferir o rumo sem volta, atrás de um amor platônico, em detrimento do seu presente. Não sei bem quem seria o feminino neste romance, mas cogito que PLATÃO o fosse, ou os dois, quem sabe, em rodízio. O certo é que esta dualidade se resolvia pela síntese física, mas a olímpica disputa entre o corpo e alma somente  se extingue no estádio metafísico.
Como seu mestre Sócrates, Platão busca descobrir as verdades essenciais das coisas. A alma humana enquanto perfeita participa do mundo perfeito das idéias, porém este formalismo só é reconhecível na experiência sensível... Também o conhecimento tinha fins morais, isto é, levar o homem à bondade e à felicidade. A obtenção do autoconhecimento era um caminho árduo e metódico. Wikipédia
"Daí a vingança de Platão. Colocando os homens sob a terra, A República apanhou os humoristas em sua própria armadilha. Por não ter dado ouvidos às colocações de Sócrates, o público não pudera observar tal qual era a hierarquia conveniente dos dois mundos. Porque era prisioneiro dos seus sentidos."  (SAUTET, M., Café com Sócrates: 255) A tecnologia para construção do formidável distrito industrial já estava disponível no mercado:
Pitágoras apreciava a tal ponto a teologia órfica que dela fez modelo para plasmar a própria filosofia. Em decorrência disso, as sentenças de Pitágoras passam a ser chamadas sacras na medida em que são derivadas dos esquemas órficos. PICO DELLA MIRÀNDOLA, A dignidade do homem:73
SÓCRATES embarcou, mas PLATÂO logrou escapulir da pura solução pitagórica  colocando em xeque a vantagem da precoce viagem da alma. A tanto jogou ao ostracismo o malvado especialista da recepção aos mortos ao invocar, diretamente, o Presidente do sistema - o Pai de HADES:
Para Platão, (Timeu. 26a) a ordem e a beleza que vemos no Cosmo resulta de uma intervenção racional, intencional e benigna de um divino artesão, um 'demiurgo' (gr. δημιουργός), que impôs uma ordem matemática a um caos preexistente e, assim, produziu um Universo divinamente organizado, a partir de um modelo eterno e imutável
Questionado de onde ele tirou um ZEUS assim tão calculista, o astuto formulador minimizou. Eram os fins que estavam em jogo.

Platão admite que a crença em Deus não pode ser demonstrada, nem sua existência; mas fala que ela não faz mal, só bem. O mal para Platão é apenas a ignorância do bem, e ele procura demonstrar que o mal inexiste, e ninguém opta por ele de forma voluntária.
O intuito de puxar a brasa para o seu assado não dispensava engatar o vagão na maior locomotiva do mundo. Os passageiros foram ocupando seus lugares, à longa viagem com destino ao além. Estavam em boas mãos. O condutor sabia muito, e nem precisou de MERCÚRIO. De acordo com a vox que se tornou populi, o procedimento do Grande Arquiteto do Universo se mostrava coerente, por ordenado, cadenciado pelos dias, "essa matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou a única forma de conhecimento." (FEYRABEND, 1991: 135)
A idéia é originalmente devida a Platão, que, sem dúvida influenciado pelas concepções pitagóricas, foi o primeiro a afirmar que o círculo, cujas partes são todas iguais entre si, é por essa razão a mais perfeita figura geométrica, e, portanto, como os corpos celestes são eles mesmos perfeitos, o único movimento que lhes é possível é o movimento circular uniforme. A tarefa dos astrônomos a partir de então foi construir um modelo matemático que explicasse os dados observacionais da astronomia, e no qual os planetas seriam dotados de movimentos circulares uniformes. BEN-DOV: 19
Devaneios platônicos não eram do agrado de PLATÃO. Tinha que ser prático, se não quisesse seguir o caminho suicida.
O que caracteriza os primeiros estudos sobre a sociedade é, precisamente, um ponto de vista finalista e normativo: finalista, isto é, tendo unicamente em consideração o ideal a realizar, a investigação do que deve ser a "melhor" organização social e política; normativo, quer dizer, a preocupação imediata de estabelecer normas, regras de ação para a vida coletiva. É este, particularmente, o ponto de vista dos filósofos. Bastará recordar, quanto à antiguidade, a República (1) e as Leis de Platão, a Política de Aristóteles. CUVILLIER, A., Introdução à Sociologia – OS PROBLEMAS SOCIOLÓGICOS
"É necessário que tal cidade não seja una, mas dupla, a dos pobres e a dos ricos, habitando no mesmo solo e conspirando incessantemente uns contra os outros."
Tres cruzes! Qual norte poderia guiá-los?
PLATÃO
tinha resposta para tudo. “Os sábios deverão dirigir e governar, e os ignorantes deverão segui-los.” Com esta conversinha os Trinta Tiranos solenemente encilharam Atenas, e vingaram a  morte do amado e injustiçado SÓCRATES.
No céu, a intuição do Pai-nosso prepondera, mas na Terra, o homem é senhor; portanto, tem que agir de acordo com a lei por seu melhor representante estipulada. A inspiração divina pode e deve ser materializada em códigos de conduta, em vez de ficar apenas na presunção e moral religiosa. Embora ninguém saiba defini-la,  a justiça tem que prevalecer.  Reparemos na justificativa de PLATÃO para dispor das leis, precisa coincidência que seria resgatada não no ano zero, mas por volta dos 350 d.C., quando a receita dos sábios se mostrava catastrófica. Ao se refugiarem mais à leste, na tomada de Constantinopla, veio de lambuja a obra inteira. Foi só verificar o ponto da variante, e oferecer justamente esta projeção em princípio descartada pelo próprio compositor.

Se o justo aparecer na terra, será açoitado, atormentado, posto em cadeias, cegado de ambos os olhos, e, finalmente, depois de todos os martírios, pregado numa cruz, para chegar á compreensão que o importante neste mundo não é o ser justo, mas parecê-lo.
PLATÃO, República: 361
Dessarte PLATÂO retirara, pelo menos até a morte, a administração da Justiça das mãos divinas, ofertando-a para a entidade mundana, os próprios fihos de DEUS, a quem não interessavam verbos, mas sim os números:
O conceito de justiça é o primeiro conceito democrático mistificado por Platão. A justiça surgiria como uma propriedade do Estado. Seu totalitarismo é disfarçado sob a capa de 'verdadeira justiça', e se legitima teoricamente mediante a subversão doutrinária do humanitarismo em três frentes: defendendo o privilégio natural, postulando o coletivismo, advogando a tese de que o indivíduo existe para o Estado. Platão sutilmente instituiu uma sinomia entre individualismo e egoísmo: apelando para o sentimento humanitário, subverteu o conceito de individualismo, conceito que se opõe ao coletivismo não implicando, portanto, na adoção do egoísmo como padrão moral, tentando tornar a alternativa coletivista como a única moralmente compatível com o altruísmo. PEREIRA, J.C., Epistemologia e Liberalismo - Uma Introdução a Filosofia de Karl R. Popper:116
Até hoje é fácil embrulhar a massa para presente. Eis, flamante, o LEVIATHAN, para alívio do povo.
É o Estado quem deve educar os cidadãos para a vida civil, tornando-os conscientes de sua missão, e convidando-os à unidade; harmoniza-lhes os interesses na justiça; transmite as conquistas do pensamento, nas ciências, nas artes, no direito, na humana solidariedade; conduz os homens, da vida elementar da tribo, à mais alta expressão humana de poder, que é o Império; conserva para os séculos o nome dos que morreram pela sua integridade ou para obedecer às suas leis; indica como exemplo, e recomenda às gerações que vierem, os capitães que o acresceram de território e os gênios que o iluminaram de glória. Quando declina o senso do Estado e prevalecem as tendências dissociadoras e centrífugas dos indivíduos e dos grupos, as sociedades nacionais se dirigem para o ocaso.
MOURA, G. de Almeida, O Fascismo Italiano e o Estado Novo Brasileiro.
www.ebooksbrasil.org/eLibris/fascismoit.
E assim falava o secretário do Tirano de Siracusa:
Quer se suceda que governem com a lei ou sem a lei, sobre súditos voluntários ou forçados; quer que purguem o estado, para bem deste, matando ou deportando alguns de seus cidadãos... enquanto procederem de acordo com a ciência e a justiça e preservarem o estado, tornando-o melhor do que era, esta forma de governo pode ser descrita como a única que é certa. PLATÃO. cit. PEREIRA, J. C, R., Epistemologia e Liberalismo - Uma Introdução a Filosofia de Karl R. Popper: 116
Poetas, historiadores, pintores e cantores, sacerdotes ou pitonisas não tinham vez com o mestre do chato ARISTÓTELES. Para o preto no branco, PLATÂO apresentava esse bem de capital importado diretamente do sítio de Metaponto - o ultramístico ferramental de PITÁGORAS- um eficiente demonstrativo das provas, em vez de ter que se matar para provar.
"A sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la ou amá-la tornando-se filósofos-matemáticos." (PITÁGORAS)
As mútuas relações entre Platão e a filosofia pitagórica constituem, de fato, um eixo fundamental para a crítica: se a filosofia pitagórica influencia o platonismo, é verdadeiro também o contrário... Aqui Platão estaria evidentemente utilizando os princípios (archaí) pitagóricos para fundamentar, do ponto de vista da dialética dos princípios supremos, sua teoria das Idéias.
CORNELLI, Gabriell, CAMINHOS DE DUAS MÃOS: TROCAS FILOSÓFICAS ENTRE PITAGORISMO E PLATONISMO. - www.puc-rio.br
E o novo Reitor colocou o aviso no pórtico:
Que não adentre quem não queira se manifestar pela linguagem matemática.
ARISTÓTELES até sabia, mas recusava as idéias pitagóricas, em prol da instauração de um método mais qualitativo. Mas Ari era um pirralho, um aluno, isto é, sem luz.
E assim nasceu e se firmou, oficialmente, a mais famosa escola da face da Terra de todos os tempos - uma filosofia anunciada por números, tal qual presidiária.
Os niveladores... rapazes bonzinhos e desajeitados... mas que são cativos e ridiculamente superficiais, sobretudo em sua tendência básica de ver, nas formas da velha sociedade até agora existente, a causa de toda a miséria e falência humana... O que eles gostariam de perseguir com todas as suas foras é a universal felicidade do rebanho em pasto verde, com segurança, ausência de perigo, bem-estar e facilidade para todos; suas doutrinas e cantigas mais lembradas são 'igualdade de direitos' e 'compaixão pelos que sofrem' - e o sofrimento mesmo é visto por eles como algo que se deve abolir.
NIETZSCHE, F.,
Além do Bem e do Mal: 45
Vai ser de segunda classe assim lá para aquela Coréia!

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