quinta-feira, 10 de maio de 2012

Revolução Francesa & República Brasileira - La France

Quatorze de Julho - A data de hoje, que a República Brasileira comemora solenemente incluindo-a no seu calendário de festa nacionais, tem alta significação para o espírito de liberdade que domina a civilização contemporânea. Quaisquer que fossem os erros e os excessos que se seguiram a grande conquista de 1789, a histórica já consagra o estupendo legado que a humanidade recebeu dessa grande revolução, - o início da transformação política de todas as nacionalidades modernas, o berço fecundo de onde frutificou a semente generosa de todas as liberdades.
O Estado de São Paulo, ed. de 14/julho/ 1895; republicado em 14/julho/ 1995


A Constituição Francesa de 1791 proclamou uma série de direitos, ao passo ‘que nunca houve um período registrado nos anais da humanidade em que cada um desses direitos tivesse sido tão pouco assegurado - pode-se quase dizer completamente inexistente - como no ápice da Revolução Francesa.’ LEONI: 85

Entre a catarse francesa e a destituição do Imperador Dom Pedro II transcorreu exato século. Poderíamos ainda assim linkar aquele marcante movimento com o episódio brasileiro?  Perfeitamente; aliás, provado até mesmo pelo registro de abertura do approach.  Mas não seria a Revolução Francesa apenas formidável referencial político, assim como Roma está para o Direito? Negativo. Mais do que o Império Romano, que ao cabo legou a base do Direito Civil, a explosão franca logrou efeito nuclear,  alterando não apenas milenares concepções jurídicas, mas também relações filosóficas, científicas, políticas e comerciais, domésticas e internacionais. 
Se as comunicações interligam fatos em tempo real, e uma enxurrada de comentaristas e intelectuais esmiúçam os fenômenos para serem assimilados ou refutados por governantes e população em geral, naquela época era necessário muito tempo para deglutir qualquer inovação, que dirá um estupendo movimento sócio-político, ainda mais oscilando drasticamente, em variações esquizofrênicas. Pois se a Revolução Gloriosa também tardou cem anos para cruzar o Canal da Mancha, e no coração europeu tomar acentuada coloração, os mesmos cem para atravessar o Atlântico e aqui cumprir a missão sem maiores sobressaltos constitui performance e desempenho de equipe de Fórmula 1.
La France
Os sábios deverão dirigir.e os ignorantes deverão segui-los
Platão
Desprovida de sensacionalismo, e a rigor localizada, da Gloriosa poucos tiveram notícia; mas a queda da Bastilha, e a execução do Rei alarmou o mundo inteiro. "A Revolução Francesa produzira um impacto galvanizado sobre os vizinhos europeus da França, desencadeando as idéias utópicas que reinaram soberanas nos séculos XIX e XX." (BIGNIEW BRZENSK, A desordem, in Veja 25 anos - Reflexões para o futuro: 67)   "Quando a Prússia e os outros estados germânicos ingressaram no século XIX, encontraram a onda de nacionalismo e as demandas por participação popular estimuladas pela Revolução Francesa." (ALMOND, G. e POWELL JR., G.: 197)
 Os povos poderiam e deveriam ser senhores de seus próprios destinos, tudo assegurado pela filosofia e agora até mesmo pela ciência. E os cientistas estavam ali mesmo, a postos, despejando um cabedal de justificativas à insanidade: 
A filosofia francesa esteve sempre estreitamente ligada à ciência positiva. Os filósofos franceses não escrevem para um círculo restrito de iniciados; eles se dirigem à humanidade em geral. Mas a mais potente das influências exercidas sobre o espírito humano desde Descartes, - de qualquer maneira aliás, que a julguemos, - é incontestavelmente a de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) A reforma que ele operou no domínio do pensamento prático foi tão radical quanto havia sido a de Descartes no domínio da especulação pura. Ele também recoloca tudo em questão; ele quis remodelar a sociedade, a moral, a educação, a vida inteira do homem sobre princípios "naturais". Henri Bergson
Mesmo com a ascenção do Imperador Napoleão, a tornar a França ainda mais monárquica do que o Ancien Régime, portanto dispensando qualquer participação popular,  o êxito e o marketing revolucionário estimularam os emergentes "cientistas políticos" a encontrar, a partir do tumulto, a chance de se impor:
É representado pelas pressões exercidas pelo regime napoleônico sobre os estabelecimentos reorganizados de ensino superior do direito (as velhas Faculdades de Direito haviam sido substituídas pelas escolas centrais por obra da República, transformadas posteriormente sob o Império em Escolas de Direito e colocadas sob o contrôle direto das autoridades políticas) a fim de que fosse ensinado somente o direito positivo e se deixasse de lado as teorias gerais do direito o jusnaturalismo porque inútil e perigoso aos olhos do autoritário governo napoleônico. BOBBIO, N., 1995: 81. 
"O ideal seria uma ordem jurídica tão bem elaborada, leis tão claras e tão completas que, no limite, a justiça pudesse ser administrada por um autômato." (PERELMAN, C.: 69)  Desprezado o Direito Natural, aniquilada a tradição consuetudinária, à nova ordem surgiram notáveis sociólogos, economistas, juristas, antropólogos, jornalistas, historiadores, todos concordes em apelar à força leviatânica para satisfazer meras ambições:
No modelo proposto por Descartes e seguido pelo criador do Estado Leviathan , a geometria era a única ciência que Deus houve por bem até hoje conceder à humanidade. Retomava-se Galileu, para que a língua da natureza era a matemática. O pensamento moderno é assim marcado por este ritual do pensamento a que logo se opôs Pascal com o chamado esprit de finesse. A matematização do universo desenvolve-se com Newton e atinge as suas culminâncias em Comte. Respublica, JAM 
Com o declínio dos limites à ação do Estado, cujos fundamentos éticos haviam sido encontrados pela tradição jusnaturalista na prioridade axiológica do indivíduo com respeito ao grupo, e na consequente afirmação dos direitos naturais do indivíduo, o Estado foi pouco a pouco se reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência extrema do Estado total (total exatamente porque não deixa espaço algum fora de si.) .BOBBIO, N., Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política: 25. ....
A ideologia chega ao seu ponto máximo quando coloca o direito como instrumento acionado por uma “vontade”, a da maioria, através de seus ‘representantes’ - de ‘legisladores racionais.’ Jamais se questiona se os ‘representantes’ não estariam sujeitos as conveniências políticas. COELHO,L.F.:341
Em nome da ciência, e da justiça social, o mundo se fez inundado de espertalhões e psicopatas.  
A criação característica do século XIX foi precisamente o coletivismo, É a primeira idéia que inventa apenas nascido e que ao longo de cem anos não fez senão crescer até inundar todo o horizonte. Esta idéia é de origem francesa. Aparece pela primeira vez nos arquireacionários de Bonald e de Maistre. No essencial é imediatamente aceita por todos, sem outra exceção que não seja Benjamim Constant, um 'atrasado' do século anterior. Mas triunfa em Saint-Simon, em Ballanche, em Comte e pulula por toda a parte. Por exemplo: um médico de Lyon, M. Amard, falará em 1821 do collectivisme em face do personnalisme. Leiam-se os artigos que em 1830 e 1831 publica L'Avenir contra o individualismo .GASSET, José Ortega Y, Rebelião das massas; Prólogo aos franceses.
"Quanto mais facilmente os eleitores acreditarem nas forças mágicas do Estado, tanto mais estarão dispostos a votar a favor do candidato que promete maravilhas." (SOREL: 145) "Mas quando o legislador é finalmente eleito – ah! Então o seu discurso muda radicalmente [...] o povo que durante a eleição era tão sábio, tão cheio de moral, tão perfeito, não tem mais nenhuma espécie de iniciativa." (BASTIAT: 59)
A massa se rege por sentimentos, emoções, preconceitos, como a psicologia social já demonstrou exaustivamente. A opinião das massas formando a opinião pública será por conseqüência irracional. Não se iluda o publicista democrático a esse respeito, cunhando a expressão agora uso corrente no vocabulário político da propaganda: o ‘estereótipo’, ou seja o ‘clichê’, a ‘frase feita’, a idéia pré-fabricada, que se apodera das massas e elas, numa economia de esforço mental, como diz Prelot, aceitam e incorporam ao seu ‘pensamento’, entrando assim a constituir a chamada ‘opinião pública’. BONAVIDES, P, Ciência Política.:459.
O Estado, totalmente na sua génese, essencialmente e quase completamente durante os primeiros estádios da sua existência, é uma instituição social, levada a efeito por um grupo vitorioso de homens sobre um grupo derrotado, com o único propósito de regular o domínio do grupo vitorioso sobre o vencido, defendendo-se da revolta interna e dos ataques do exterior. Teleologicamente, este domínio não seguia outro objectivo que não fosse a exploração económica dos vencidos pelos vencedores. OPPENHEIMER, Franz (1861-1943), cit. www.farolpolitico.blogspot.com 
Faça a conta dos regimes que nos levam a codificar com um gesto nossas paixões do momento. Compensamos nossa inconstância através de visões eternas logo gravadas no mármore. Nossas revoluções passam primeiro pelo tabelião. Conseqüência: quinze Constituições em cento e oitenta se sucederam na França depois da Convenção: Diretório, Consulado, Primeiro Império, Restauração, Cem Dias, Restauração, Monarquia de Julho, II República, Segundo Império, III República, Vichy, de Gaulle, IV República, V República, ufaMITTERRAND, François, Aqui e Agora: 90.
Pois tudo começou, e ainda não terminou, na fatídica Revolução Francesa:
O consulado possuía características republicanas, além de ser centralizado e dominado por militares. No poder Executivo, três pessoas eram responsáveis: os cônsules Roger Ducos, Emmanuel Sieyès e o próprio Napoleão. Criavam-se instituições novas, com cunho democrático, para disfarçar o seu centralismo no poder.
Essa contradição de idéias reproduziu-se, infelizmente, na realidade dos fatos na França. E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias políticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governado, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a imposições e mais explorado de toda a Europa. BASTIAT, Frèderic, A Lei: 63
O liberalismo tornou-se inconcebível, insuportável para o mundo e especialmente para a França hoje. O velho liberalismo não é o caminho econômico e social para a França. A questão social tem de ser colocada em primeiro lugar. Os povos têm direito de dispor inteiramente de si, não para enriquecer oligarquias internas e externas. Para libertar o homem. DE GAULLE, Charles, Doctrine Politique (Ed. Rocheur)
"A França sempre foi assim: uma laranja de duas bandas, ao meio." (Porque Hollande) Le Brésil  bem soube aperfeiçoar  a esquizofrenia francesa.



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