Quando alguém nos pergunta o que somos em política, ou, antecipando-se com a insolência que pertence ao estilo de nosso tempo, nos adscreve simultaneamente, em vez de responder devemos perguntar ao impertinente que pensa ele que é o homem e a natureza e a história, que é a sociedade e o indivíduo, a coletividade, o Estado, o uso, o direito. A política apressa-se a apagar as luzes para que todos estes gatos sejam pardos. GASSET, José Ortega Y, A rebelião das massas: 15
Afirma-se categoricamente que a democracia é construída e mantida por tres poderes. Ela se origina, entretanto, no Poder Legislativo, de onde derivam os braços que lhe garantem a efetividade: o Executivo, e o Judiciário. Sem consenso popular, representado em Congresso Nacional através dos parlamentares eleitos, não há regime democrático, em nenhum lugar do mundo.
O antigo direito não é obra do legislador; o direito, pelo contrário, impõe-se ao legislador. COULANGES, Fustel: 100
Em sua nascente a Democracia prescindiu do Judiciário. Para livrar o povo da tirania, Locke e Shaftesbury simplesmente deslocaram o poder de editar leis. A prerrogativa legislativa descia do Palácio Real em direção ao povo, concentrado no Parliament. Daí em diante jamais uma cabeça coroada sentou sobre a multidão inglesa. Coube à Revolução Francesa solapar a obviedade, primeiro elevando a Justiça como supremo ideal, no fito de decepar o Direito Consuetudinário e a tradição sem maiores delongas; e depois, para guilhotinar os adversários do regime que se queria impor.
Devorando seus próprios agentes, a 'ciência do poder' constitui uma terrível unidade. O terror é aí regulamentado minuciosamente por um partido que detém as chaves 'científicas' do futuro. Aqui a história não passa de um imenso canteiro - Brejnev gostava muito deles - onde os cadáveres são desprezíveis em vista do grande desígnio da locomotiva burocrática. LEFORT, Claude, cit. DESCAMPS, C.: 75
Lograda a faxina no imenso banho de sangue, desmontaram-se os andaimes. A justiça retroagiu a sua insignificância, e o legislativo se dispôs ao serviço imperial. O consulado possuía características republicanas, além de ser centralizado e dominado por militares. No poder Executivo, três pessoas eram responsáveis: os cônsules Roger Ducos, Emmanuel Sieyès e o próprio Napoleão. Criavam-se instituições novas, com cunho democrático, para disfarçar o seu centralismo no poder. Pronto: eis a França livre, aderida à igualdade e fraternidade, toda disposta às patas do fogoso cavalo branco.
A Constituição Francesa de 1791 proclamou uma série de direitos, ao passo ‘que nunca houve um período registrado nos anais da humanidade em que cada um desses direitos tivesse sido tão pouco assegurado - pode-se quase dizer completamente inexistente - como no ápice da Revolução Francesa.’ LEONI: 85
Pois o país mais bem situado no globo, com uma extensão invejável e população naturalmente bem distribuída, livre de tormentas, vulcões, sinistros, tsunamis, tufões; com temperatura amena, quatro estações climáticas bem definidas; possuidor de terras férteis, dono de uma história que apenas os primos do sul podem lhe fazer companhia,; com índice de analfabetismo irrisório e alta taxa de crescimento econômico e social, pois com tudo isso a Vaca Leiteira, como Hitler lhe chamava, segue embretada entre a esquerda e a direita, batendo a cabeça tal qual pêndulo, jamais alcançando o equilíbrio tão ansiosamente buscado.
Por duas décadas o Corso brilhou sobre a civilização, enquanto sua queda em Santa Helena foi apenas o dia do alívio - portanto, desprovido de sensacionalismo. Por se manter na ribalta pelo longo período, assim fixando na mente popular a certeza de sua conduta, e principalmente pelo galardão da Revolução Francesa, tornada ícone da Democracia por causa de seu paradoxal e impossível lema, o canhestro método francês se espalhou pelo mundo, de tal maneira que a Democracia ainda é configurada através do astuto molde costurado pelo infausto Robespierre.
Não existe tirania mais cruel do que a exercida à sombra da lei e com uma aparência de justiça, quando, por assim dizer, os infelizes são afogados com a própria prancha em que tinham sido salvos. MONTESQUIEU: 109
Le Brésil
O Supremo Tribunal Federal autorizou ontem o envio do inquérito que investiga o senador Demóstenes Torres (GO) à CPI do Cachoeira. As informações vão ser compartilhadas com o Conselho de Ética do Senado e com a comissão de sindicância da Câmara que investiga o suposto envolvimento de deputados com o empresário Carlinhos Cachoeira. Com o envio do inquérito, os parlamentares passam a ter acesso à íntegra das Operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal, que apontaram o elo entre Cachoeira, parlamentares e os negócios conduzidos pelo empresário. A decisão, tomada pelo ministro Ricardo Lewandowski, determina que os membros das três comissões mantenham os dados em sigilo, uma vez que o inquérito tramita em segredo de Justiça.
"A população começa, então a perceber que todos têm algum podre a esconder. Isso repercute muito mal no inconsciente do povo, que passa a entender que todos são iguais na gatunagem do dinheiro público. " (Rompe-se a fronteira entre o público e o privado)
Entre nós e infelizmente, o sigilo visa manter distante do conhecimento público falcatruas apuradas por poderosos e potentes que gozam de foro privilegiado. Por evidente, as increpações,– contidas no inquérito policial e se objeto de ação penal–, ficam sujeitos à confirmação no devido processo legal, que tem na ampla defesa a sua pedra angular e na presunção de não culpabilidade (não se confunde, como já escrevi milhões de vezes, com a presunção de inocência, não acolhida na Constituição brasileira) uma garantia fundamental. Wálter Maierovitch
Absurdos sigilos de uma CPMI
O temerário transplante da exceção técnica do sigilo processual ao âmbito político - que lhe é muito mais amplo - atenta contra o próprio regime. "A questão do direito, do fundamento ou da fundação do direito, não é uma questão jurídica. E a resposta não pode ser nem simplesmente legal, nem simplesmente ilegal, nem simplesmente teórica ou constatativa, nem simplesmente prática ou performativa." (DERRIDA, J.: 36).Para o Judiciário, analfabeto em economia, um marco era um marco, independentemente de quantos zeros aparecessem na nota. Levenson: 325
Finalmente o país está tomando consciência do nível de imoralidade de seus parlamentares, que ferem a vida pública. Vejo a divulgação destas denúncias com muito otimismo, principalmente levando em conta que a prosperidade do país depende do trabalhador. O trabalhador deve acompanhar a vida pública, já que é essencial à nação e está no cerne do desenvolvimento do país e cobrar seus parlamentares CÉLIO BORJA, ex-ministro do STF
O Poder Judiciário parece disposto apenas a turvar, a prestar desserviços à democracia. “Onde quer que impere a autoridade, o pensamento é tido como duvidoso e nocivo.” (DEWEY, J.,: 144.) E o que dizer da submissão desse congresso, um agrupamento composto por não poucos neófitos, mas a grossa maioria mal intencionada mesmo? O parlamento se sujeitar à esdrúxula exigência do STF para manter segredo dos atos que por ex officio deve ser exercidos na Casa Parlamentar, a ponto das tarefas serem destinadas e guardadas no porão, trancafiadas em cofre à prova de explosão nuclear corresponde a eximi-los de quaisquer responsabilidades, ao tempo em que impede 200 milhões de pessoas de acompanhar o destino dos recursos que lhes são subtraídos, em nome da sociedade. Eis o paradoxo e a ilegalidade divisados pela competente jornalista Dora Kramer:
O 'Poder mais aberto da República' só instalou a comissão de inquérito para esmiuçar o alcance das relações de um "capo" do jogo ilegal com agentes públicos e privados por causa da divulgação dos grampos telefônicos feitos pela Polícia Federal, na Operação Monte Carlo, a despeito do sigilo de Justiça. Se a imprensa não tivesse publicado o conteúdo de telefonemas entre o contraventor Carlos Augusto Ramos, vulgo Cachoeira, e o senador Demóstenes Torres, não haveria nem CPMI nem abertura de processo no Conselho de Ética contra o parlamentar. No Brasil ninguém está obrigado a fazer nada que não seja por determinação de lei. E a lei maior, a Constituição, em seu artigo 37, obriga a administração pública a seguir os princípios da probidade, da impessoalidade, da eficiência e da publicidade. Segredo de polichinelo
Para Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) o cerceamento “é incompatível com a imunidade e a inviolabilidade parlamentar” E fulmina: “Monitorar a sala quebra a inviolabilidade de uma forma tão brutal que nem a ditadura o conseguiu nesta Casa”. Isto é o que interessa à maioria dos integrantes de ambas corporações:
De fato assistimos hoje um entrelace dos membros do judiciário com os dos partidos políticos, isso se deve a principio pela aproximação no “jogo de interesses”, pela aprovação de leis e emendas no Congresso, já que em lugar algum do planeta nunca se viu tamanha gula por conquistas materiais para os quadros do judiciário. É por isso que nos causa estranheza a desenvoltura com que dirigentes se relacionam com o mundo da política partidária. Roberto Monteiro Pinho, 07 de maio de 2012 | 19:24 Politização do Judiciário e a Divina Comédia
Com o naufrágio da política, as lutas tornaram-se subterrâneas, quase clandestinas. Por trás de tudo, nada mais que cargos, poder e dinheiro. Os rumos do País não interessam nem estiveram na mesa de debates. Grande parte da energia é gasta nos bares e nos corredores, onde circulam queixas, ameaças e recados. A política fechou-se nela mesma, despojou-se de suas características históricas e virou uma corporação que cuida dos próprios interesses. Ex-guerrilheiro Fernando Gabeira, em Política e naufrágio
“Em nome do sigilo, estamos criando um ambiente de constrangimento ao parlamentar. Imagine se todo funcionário do Poder Público tivesse que passar por essa situação para trabalhar”, disse o deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF), o terceiro a chegar à sala, a qual classificou de 'sala da verdade'.” Em nome do sigilo? Mas quem é este gajo? Do que estamos tratando? "O presidente da CPMI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), mandou adaptar uma sala de 15 metros quadrados, com três computadores e câmeras de segurança para tentar impedir o vazamento de dados." Mas onde se localiza tamanha preciosidade? Dentro da Casa do Povo? Tomada assim de assalto?
Acho lamentável. Lembro de uma frase do (filósofo italiano) Norberto Bobbio, que diz que a regra da democracia é a publicidade e não o segredo; a luz, não a escuridão. Me parece que (as sentenças proibindo jornais de abordar certos assuntos) são decisões muito complicadas, que comprometem muito o regime democrático. Isso me assusta muito. ABREU, Alzira Alves, Pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, Censura e crise podem levar a autoritarismo, Estadão, 9/8/2009
"Nesse aspecto está se desenhando um cenário preocupante de lentidão e confusão no tocante às investigações em contraste com a agilidade para a montagem de uma casamata para o abrigo das informações." O senador Pedro Taques (PDT-MT), na qualidade de membro da CPI, chamou de “ridículos” o procedimento imposto aos congressistas. Em referência ao comando da CPI, o matogrossense não poupou adjetivos: "Alguns parlamentares parecem dotados do complexo de vira-lata”. Por fim, lançou a suspeita no plenário: “Será que é temor de alguma coisa? Será que é o receio de que apareçam os nomes de outras altas autoridades da República?"
PSDB planeja ir ao STF para derrubar sigilo na CPI Sandice ou mais um jogo de cena? O implicado deputado Carlos Alberto Lereia PSDB/GO, por exemplo, amigo de Cachoeira há 25 anos, tem contra-atacado com o argumento de que outros integrantes da sigla também são alvo de investigações.
Até agora, pelo menos 13 parlamentares terão de se explicar na CPI do Cachoeira
O Congresso Nacional, aos poucos, vai deixando de existir como efetivo Poder da República, engolido pelos outros dois, Executivo e Judiciário. O primeiro golpe foi dado ainda na Constituinte, 24 anos atrás, com a adoção do instituto das medidas provisórias, que transfere ao Executivo a prerrogativa soberana de legislar. O Congresso, desde então, age como cartório do Planalto, chancelando decisões que não são suas – e que entram em vigor antes que dela tome conhecimento. Hoje, o Judiciário disputa com o Executivo a usurpação de prerrogativas do Legislativo. O ativismo de toga não apenas transferiu para si a missão de legislar, como atribui tal circunstância ao próprio Congresso, acusando-o de negligente. O Congresso acabou,, por Ruy Fabiano 28.4.2012
Identifica-se, aqui, o que Roger-Gérard Schwartzenberg cognomina do novo triângulo do poder nas democracias, que junta o poder político, a administração (os gestores públicos) e os círculos de negócios. Essas três hierarquias, agindo de forma circular, cruzando-se, recortando-se, interpenetrando-se, passam a tomar decisões que se afastam das expectativas do eleitor. Presos na teia de aranhaA democracia favorece apenas aqueles que estão no poder, bem como todo o seu grupo de apoio. Ao contrário dos regimes absolutistas do passado, a democracia é a única forma de governo que fornece os meios mais consistentes para aqueles que estiveram no poder poderem dormir e morrer em paz. O mesmo se aplica para toda a nomenklatura e seus apparatchiks e cortesãos. Esses bajuladores, após a invenção da democracia, não mais precisam temer traições, assassinatos e o subsequente coroamento de um novo rei. A elite e sua burocracia podem se aposentar tranquilamente em suas fazendas e gozar o resto de suas vidas sem qualquer receio — suas riquezas e descendentes estarão seguros, pagos regiamente pelo contribuinte livre'. Richard Ebeling,
Se imperativo o respeito aos mais basilares direitos humanos, urge uma reconstituição russelliana. Eles foram usurpados da dócil e ordeira gente brasileira pela astúcia napoleônica dos proclamadores da República.
A difusão de poder, nas esferas política e econômica, em lugar da sua concentração nas mãos de agentes governamentais e capitães de indústria, reduziria enormemente as oportunidades para adquirir- se o hábito do comando, de onde tende a originar-se o desejo de exercer a tirania. A autonomia, para distritos e organizações, daria menos ocasiões para que os governos fossem chamados a tomar decisões nos assuntos alheios. RUSSELL, Bertrand, Ensaios Políticos: : 24
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