quarta-feira, 30 de maio de 2012

Lá se vai mais um superstar de Maquiavel

 Formulo uma pergunta: após quatro séculos, o que resta de vivo no Príncipe? Podem os conselhos de Maquiavel ser ainda de alguma utilidade para aqueles que dirigem os Estados modernos? Circunscreve-se o valor do sistema político à época em que foi escrito e é, conseqüentemente, limitado e, em parte decrépito? Ou é, ao contrário, universal e atual, mais especialmente atual? Respondo a estas interrogações. Afirmo que a doutrina de Maquiavel vive hoje mais do que há quatro séculos, pois ainda que as formas exteriores de nossa existência tenham mudado consideravelmente, não se operaram modificações profundas, nem no espírito dos indivíduos, nem no dos povos. BENITO MUSSOLINI 

ALGUMAS PERSONALIDADES logram influenciar países, continentes, até o globo inteiro, e por séculos. Uns, porque lugar-comum, sequer são lembrados, ou mesmo conhecidos. Outros, geralmente por sua malvadeza, são perenes e freqüentemente evocados. O muy amigo do Príncipe ocupa a pole-position: "Foi Maquiavel, maior que Cristóvão Colombo, que descobriui o continente sobre o qual Hobbes pôde edificar sua doutrina."(STRAUSS, Leo, Direito Natural e História,: 192)   O nome do Secretário entrou até no dicionário, tal qual substantivo e adjetivo. (maquiavélico, maquiavelismo): “Seu exasperados inimigos rotularam-no de maquiavélico. Essa denominação era exata; Getúlio também a teria achado lisonjeira. Na morte como na vida os atos de Getúlio foram cuidadosamente calculados para produzir o máximo efeito político." (Skidmore, Thomas E., Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964), p.57) Muito além da semântica, porém, o efeito nuclear de Nicolau Maquiavel (1469 — 1527) é maior do que a bomba de Hiroshima e o vazamento da Usina de Chernobyl, juntos. Aliás, o florentino é o principal responsável por esses dantescos episódios, e além deles. 
A corrupção endêmica nas entidades estatais, nos tempos modernos, é tão velha quanto a dos primeiros tempos. Apenas mais sofisticada. Carl Schmitt ("O Conceito do Político”) e Maquiavel (“O Príncipe”) continuam atualíssimos. A velhice dos tempos modernos
Porque o galgo ao poder pela cartilha florentina se faz  praticamente assegurado, em trajeto bem mais curto e plano do que qualquer outro; porque o deleite nesta estratosfera é por demais prazeroso, e por demais lucrativo, e o brilho do ouro se faz tão atraente e gravitacional quanto a luz à mariposa, não percebe ou esquece o incauto protagonista que o diretor da peça, genuíno maquiavélico, compôs o script oferecendo escassa margem à variação, reservando um final melancólico, de preferência trágico ao seu astro principal, justamente para o gáudio da platéia, esta que lhe garante o sucesso de bilheteria  já por meio milênio de sucesso nas paradas, best-seller pelo mundo afora.

Qual reação provocaria nos beatlemaníacos se após a estrondosa consagração do Sg. Peppers Lonely Hart Club Band  Lennon e McCarthney surgissem em seu primeiro show com cabeça raspada, trajando bermuda e camiseta? Talvez despertassem muito riso. Os moleques apreciavam se divertir. Com certeza, porém, no mínimo levariam ovos em suas cabeças de ovos, e uma vaia muito maior do que aquelas do Maracanã, porquanto mundial. Estariam lavrando seus epitáfios, sem dúvidas. A força de Hitler residia no bigode de limpar trilho. Funcionava como guia de lançamento das V-1 e V-2. Raspá-lo seria suicídio. Que efeito apuraríamos de um Fidel Castro bem barbeado, cara limpa, terno branco e gravata vermelha, com um cravo na lapela, em prêt-à-porter de recepção ao seu galante e intrépido líder russo? Será que uma torcida  vê o time tomar cinco gols de diferença aguenta o tempo esgotado, ou sairá aos poucos em andor crescente, cabisbaixa, em silêncio e resignada,  rumo aos portões de saída? Não há quem não jogue a toalha. Até parlamentares petistas balançam ao defender Lula no Congresso
No caso de nosso superstar, claro, não é por querer variar o visual, entrar em nova moda, quem sabe, que Honoris Causa se apresenta assim meio vexado. Mas quando reparei a cara submissa à reluzente careca, o sapo barbudo sem barba para não lembrar Enéas, sobressaindo-se as bochechas em blazer com a parte superior, ressalvando um bigode alongado, agora sim, mais perto da serenidade de um Lech Walesa do que dos arroubos de Fidel, com voz afinada e até meio gaguejante pela tosse, bebendo água, suponho, a cada instante, eu que me encontrava na praça dando milho aos pombos e assistindo pelo telão percebi que se encaminhava a última ária da fatídica peça. Aguardei mais alguns suspiros e vibrações. Precipitam-se em cachoeiras, Aqui de fora já ouço vociferações e desesperados gemidos a implorar por qualquer tipo de salvação, característica primaz do papel covarde exigido ao Príncipe pelo cruel secretário renascentista. Vou para casa. Apreciarei os comentários gerais sobre as performances; e frente ao virtual epílogo, puxarei meu branco lençol,  na esperança de sonhar com um novo amanhã, um cartaz qualquer de revolução gloriosa sobre os costumes vigentes, necessariamente pacífica pela consternação e consentimento geral, e por tudo isso tão alvissareira quanto meu alvo lençol.

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