terça-feira, 13 de julho de 2010

Danação religiosa


Deus foi, durante séculos, uma ótima idéia. Resultou em pintura, escultura, arquitetura e filosofia magníficas MARIO SABINO
Que espécie de dano produzem a pregação e a convicção religiosa, se o tema enfatiza a importância da virtude, da moral, condena os vícios e, claro, todos os crimes? Haveria algum malefício na respeitosa guarda, prática digna de todos os elogios, o realce da caridade, enfim, das manifestações espirituais que distinguem a humanidade de todo complexo universal? Seriam os parcos ateus, os agnósticos, meros revoltados diante de uma grandiosidade muito maior do que eles próprios? Seria a refratária postura apenas reflexo de um complexo de inferioridade diante da total impossibilidade de suplantar a Inteligência Divina? Ou quem sabe, como bem entendem os teólogos, tamanha contestação é fruto exclusivo da inveja, seja dos bem-aventurados, ou mesmo do Pai Eterno, como taxam as Escrituras chamadas Sagradas para explicar a atuação de LÚCIFER? T. S. Eliot se reporta à mirabolante metafísica:    
A imaginação de Dante é visual. É uma imaginação visual num sentido diferente daquele de um pintor moderno de natureza-morta: é visual no sentido de que ele viveu numa época em que os homens ainda tinham visões. [...] O esforço de Dante é o de nos fazer ver o que ele viu.
Não é verdade que apenas a crença no êxito pode motivar qualquer empreitada, e que o pessimismo só acarreta o infortúnio que espera? Que mal significa manter a fé em qualquer ideal? Qual outra razão de desconsiderar a "palavra de DEUS"? Pior ainda - que outro motivo levaria uma perseguição aos cristãos, além do intuito de tentar impor outra religião? Crenças não merecem todo o respeito, ou pelo menos a tolerância, desde que não arranhem as leis civis  instituídas, naturalmente? Se uma teoria de qualquer personalidade não pode ser falseada, sob pena da mais cruel sucumbência, ainda em vida, o que dizer da pretensão de falsear centenas de corporações, e bilhões de pessoas? E que diferença faria um tipo de DEUS existir ou não, se o que importa é orientar a conduta social? A religião, caso fielmente respeitada não propiciaria a solidariedade, o amor,  a harmonia entre osseres humanos ? Não deve mesmo ser condenado quem se insurge contra todas essa obviedades, ou, pelo menos, nem levado a sério? Quem não se sente ultrajado quando seus princípios são colocados em xeque?
Pois nenhuma religião corresponde a verdade. São falsos testemunhos. Falsidade ideológica. Elas ferem não só todas as leis, como, antes de tudo, a ética, contaminando os povos com o medo para oferecer a coragem, com o pecado para oferecer o perdão, com o frio, para ofertar, a preço promocional, seu cobertor. "Graças à leitura de livros de divulgação científica, cheguei à convicção que muitas das histórias da Bíblia não podiam ser verdadeiras."  (EINSTEIN, Albert)
Jamais dei crédito à estirpe, exceto pro forma, mas sentei em bancos escolares durante em terço da vida. Bem sei o que significa a sensação de ter sido radicalmente enganado. Seja por dolo ou culpa, esta programação impingida levou-me a perder o tempo dobrado: primeiro, formado através de inflações, isto é, por conteúdos equivalentes a ar; e depois ao trabalho de tudo esvaziar. Bem feito para mim: "Para os católicos, o trabalho é uma sentença condenatória, como reafirma a Rerum Novarum, em 1891. " (DE MASI, D.: 47)
Na verdade, jamais houve qualquer legislador que
tenha outorgado a seu povo leis de carácter extraordinário sem apelar para a divindade, pois sem isso estas leis não seriam aceitas... O governante sábio sempre recorre aos deuses.
MAQUIAVEL, N., Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília : Editora UnB, 1994: 58; tb. cit. BOBBIO, 2002: 164.
Mais do que perder tempo, todavia, foi julgar que o mundo transcorre da maneira ensinada, e assim me posicionar de acordo com as concepções ministradas. Como assumir uma consciência inversa ao meu esforço? Pois se na profissão é duro de admitir, que dizer no fulcro, no âmago da própria personalidade, onde se aloja o dardo religioso? Uma catarse desta ordem desanima qualquer vivente, a ponto dele próprio preferir encerrar seu período mantendo-se iludido mesmo, já que com a conservação desta fé pode sobreviver, pelo menos até agora. Ademais, nada, nem ninguém, pode garantir o que será que virá quando o coração ensejar o último sopro. Por que não esperar o melhor, e, portanto, até se preparar para isto? Afinal, DEUS não é amor? Quem e por que desdenhar ou até confrontar esta evidente saliência? O que mais poderia suplantá-Lo, ou diminuí-Lo, ou ser mais apropriado ao ser humano?
Nunca cultivei afrontar nenhuma tradição, nem mesmo esta, irracional par excellence. Tradições fazem parte do passado, e sempre me preocupei com o futuro, que é mais amplo. Até hoje, quando estou mais perto da morte do que do nascimento, sequer assim esta matemática ofusca minha certeza de um porvir incomensuravelmente mais amplo do que o já vivido. Mirando o retrovisor posso divisar a data de meu nascimento; mas não há hubble capaz de discernir o limite da Eternidade. Por fim, tais preceitos me parece desprovidos de significado. Qual o sentido de enaltecer ou negar a importância vital do amor e do cultivo de boas relações humanas? Dessartes não dava ouvidos às baboseiras evangélicas, mas vi-me obrigado quando, ao desfazer meu edifício cognitivo, mercê das errôneas informações pelos quais lhe ergui, constatei que todas elas, profissionalizantes ou essas aparentemente espirituais, são oriundas da mesma localidade. Não posso perdoar, muito menos respeitar tanta impostura. Não trato vigarice com luvas de pelica. Mister ser drástico, contundente, a não deixar dúvidas. Está em jogo não só a minha vida, felizmente a salvo da empulhação, graças a enorme esforço, mas principalmente preservar as performances dos que me são caros, entre os quais incluo aqueles que tenho o privilégio de conviver, mas também os que não posso conhecer, estes reservados ao imenso amanhã.
Se a ciência trilhou por gigantescos enganos, atrasando ou mesmo sendo o responsável pelo afastamento do conhecimento, a ponto de jurar habitarmos em um planeta chato, e quadrado, e ainda centro de tudo, sendo desfeito tamanho disparate apenas recentemente, a religião ainda continua soberba e venerada, admirada e respeitada, e por muitos até mesmo temida. Esta permanência é tão avassaladora que se faz inimaginável sua descontituição.
Outro exemplo de Ser Positivo é o 'Deus Organizador', em que a divindade (ou divindades) exerce o papel de controlador da oposição primordial entre Ordem e Caos. O Caos representa o Mal, a desordem, e é simbolizado em vários mitos por monstros como serpentes ou dragões, ou simplesmente deuses maléficos que lutam contra outros deuses em batalhas cósmicas relatadas muitas vezes em textos épicos, como no caso do Eubuma elis dos babilônios. GLEISER, M., A Dança do Universo Dos Mitos de Criação ao Big-Bang: 31
Se a ciência pode ser refeita pela tentativa e erro, pela experiência, como experimentar a existência ou não de DEUS, a não ser, a rigor, pela morte? Compreende-se; mas é inadmissível a manutenção desta conjectura, porque lastreada na mais pura ficção. Dir-se-á que a vida em si não passa de uma curta ficção, na qual os atores procuram interpretar da forma que cada vocação permite, e, portanto, o mais adequado é mesmo um script ficcional? Ignorância. A mais pura e ingênua.
Premissas equivocadas levam a meios e conclusões totalmente infelizes, ou não? É o que acontece com a vida de todos. Infelizmente.
O cristianismo rompeu a união entre o homem e a natureza, entre o espírito e o mundo carnal, potencialmente distorcendo o relacionamento entre os dois em direções opostas e atormentadas...
ANDERSON, Perry. Passagem da Antiguidade ao Feudalismo, Brasiliense: 128
Mesmo contra a vontade dos confortados, tal qual salva-vidas que se debate com um náufrago que não sabe nadar, mas especialmente contra o interesse vigarista, insisto na razão: somos nós e nossas circunstâncias; porém, somos nós os responsáveis por elas. Dessarte, implorar por misericórdias significa capitulação não só antecipada, como totalmente descabida. Isto não significa apenas perda de tempo, como muito mais - a perda da vida, jogada fora por faltar manual de instruções.
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