quarta-feira, 14 de julho de 2010

Milhares de cartórios irregulares

A notícia não me surpreende, mas repercute nos meios jurídicos, sociais e econômicos: nada menos do que 5.561 estabelecimentos cartoriais estão em situação precária, irregular! É muito? Tem mais:
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também detectou a existência de 153 cartórios fantasmas que atuavam sem autorização legal.  www.jusbrasil.com.br - 14/7/2010
Quack! A desídia macula a instituição cartorial justamente em seu âmago, posto justificada como chancela à lisura dos documentos. Os atos dos irregulares estabelecimentos podem lograr validade? Seriam anuláveis, ou far-se-ia tal pena demasiada, injusta por atingir os contratantes, de boa-fé?
O que dispõe a lei regente?
Constituição Federal - Art. 236: Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento) § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
É de se considerar o caráter programático, demagógico, onírico, de péssima técnica legislativa  que (des) norteou a Carta Magna. A rigor, a disciplina desses atos jurídicos é de competência estadual, até porque a próprio Diploma encarrega os judiciários das unidades da federação pelo ordenamento. Quiçá por tantos atributos é que até mesmo essas instituições encontrem dificuldades em obedecê-la. Antes de colocar o Judiciário no banco dos réus, pois, colho o ensejo para levantar os fundilhos desse andróide gerado pelos "trezentos picaretas", na lúcida adjetivação de nosso atual Presidente. Por ironia, vários "picaretas" sentaram-se ao seu braço-direito, começando pelo próprio relator da formosa
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Constituição Vilã.

A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor. PIPES, R.:251.
Depois de receberem niágaras de injunções e pressões, os despreparados constituintes de 1988 brindaram o feito provocando uma revoada de aviõezinhos de papel. A eloquência denota o viés escolar, infantil, leviano, irresponsável que permeou toda a normatização da alcunhada Constituição Cidadã.
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Despossuídas na menor noção de ética e compromisso, a maioria das disposições ainda aguarda de legislação complementar.
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É ouro que lhe ri, em áscuas iriantes,
É ouro que lhe sopra, à cara gargalhadas,
É ouro que se enrola em seus braços gigantes,
E lhe enche as duas mãos de tê-lo fatigadas

SANTOS, Luiz Delfino, Algas e musgos.


Vários mandamentos foram e permanecem olimpicamente desdenhados.
Uma "cláusula pétrea" limitava os juros a 12% ao ano. Usava-se a Constituição para brecar a usura porque de máxima importância social. Foi a primeira a ser totalmente desmoralizada, removida à patrola. Malgrado protestos, mandados de segurança e toda a sorte de processos encaminhados ao Poder Judiciário, Pilatos lavou as mãos alegando justamente "carência regulamentar", quando ele próprio tem obrigação jurisdicional, ou seja, de "dizer o Direito", em especial quando constata sua lacuna. Graças aos beneplácidos, o povo foi destinado à forca dos juros em patamar de dúzia superior, ou seja, 12 vezes mais do que o apregoado cabalmente na - agora sim - Constituição Cidadã!
Outra pétrea reservava apenas um mandato ao Presidente, mas foi ainda mais facilmente dobrada: trinta mil por cabeça assegurou a remoção do empecilho. A permanência por mais quatro anos garantiu ao corrupto e sua plêiade manter selado o armário dos esqueletos, guarda-louça capaz de abrigar um gigante no valor de 30 bilhões de dólares, fantasma envolto em lençol PROER. O êxito desta medida acolhida por todos indicou que mesmo depois da prorrogação dificilmente o armário seria aberto.

É de se considerar a perfídia pela qual foram eleitos os comandantes constituintes, os famosos Estelionatários do Plano Cruzado, fato que precipitou um texto totalmente descompromissado com a técnica legislativa e e principalmente com a democracia.
O Senado é os que aqui estão. Reconheço que, ao longo da nossa vida, muitos se tornaram menos merecedores da admiração do país, mas não a instituição. SARNEY, J., cit. DORIA, P. Honoráveis Bandidos - Um retrato do Brasil na era Sarney
O arranjo ampliou o poder do Executivo muito além da própria ditadura militar que sucedia. O legítimo patrão do Poder Judiciário - porque é ele que faz a seleção deste pessoal também (!?) - foi aquinhoado com uma prerrogativa jamais vista em nenhum lugar do mundo: doravante ele ditaria o número de Medidas Provisórias que lhe aprouvesse, sem requerer qualquer discussão. Este detalhe é o decisivo, e demonstra, cabalmente, o tamanho do golpe a que fomos expostos. O termo "medida", dizem, foi também contrabandeado do país de MAQUIAVEL E MUSSOLINI, atualmente nas mãos de um presidente de clube de futebol, ou seja, que prefere os pés pelas mãos. "Medida" não pode ser empregado em código, porque ele requer precisão, e ela tem sei-lá quantos significados. Mas e o que dizer de "provisória"? As primeiras vem se mantendo, conquanto uma geração já vai passando! E de lá para cá, são milhares de decretos. O Brasil se faz provisório! Mas o pior, o mais dantesco, de arrepiar, é o privilégio exclusivo de ditar a lei que bem lhe aprouver, "desde que provisória", frisam. O quê isto permite, ou pelo menos abre uma discussão ainda maior do que o Brasil, às raias da Itália? Chocante: o Presidente da República pode até decretar um recesso ao Parlamento, e por tempo indefinido! E como o Congresso nem faria falta mesmo, sendo um favor fechá-lo, o povo aplaudiria o novo herói nacional!
A vilã jogou a Nação numa precariedade sem precedentes, para não dizer mediocridade, onde até hoje nos encontramos atolados. Acha demais? Pois o calhamaço constitucional é cravejado de incontáveis vícios de origem, flagrantes redibitórios, fenômenos que per se autorizariam a mais formidável medida provisória sim, um decreto de nulidade absoluta, até a confecção de uma Constituição compatível com a legitimidade, a ética, o tempo, e os anseios sociais.
Os desarranjos foram de tal monta que o próprio relator simplesmente pode fraudar vários dispositivos votados. O astuto sulista, de porte avantajado, valente tal gaúcho, de fala clara, bacharel em Direito por cidadela daquele interior, levou para casa e alterou vários artigos do maço rascunhado e aprovado pela Assembléia Nacional Constituinte. Suposição? Nada disso. O surreal praticado obteve a confissão recente do próprio criminoso profissional, um daqueles picaretas que provavelmente por sua invejável capacidade hoje ostenta o título de ministro da Segurança Nacional, (cruzes!) depois de contemplado com o cargo de presidente do mais alto tribunal do Brasil, pelo governo anterior. (Tres cruzes!!) . (Anatomia de uma fraude à Constituição - http://www.cic.unb.br/~rezende/trabs/fraudeac.html, 2006) Perde apenas para algum malfaisant, pipeur, buveur, ribleur et batter de pavé PANÚRGIO*, este personagem de RABELAIS conhecedor de 63 maneiras de enriquecer sem precisar trabalhar. Fenômeno multivocacional, sem dúvida.
Ao focalizar diretamente o artigo que desfaz toda a tradição do setor apura-se a mais completa ignorância, não só de técnica, como da própria língua nacional, lançada de modo impreciso, anêmica.
art. 236: Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento) § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
O que significa "caráter privado"? Controle do caixa, obviamente. No entanto, há promessa de "uma lei" para tabelar os preços dos serviços, e nesta senda deita-se uma medida absurda, tabela de escárnio ao bolso do cidadão. Ademais, "caráter privado" não é para "funcionário público". Portanto, concurso público é o meio mais inadequado para cumprir a letra primordial, ainda mais que tais concursos versam sobre filigranas jurídicas, enquanto o Tabelião tem como tarefa precípua a administração do estabelecimento, ao tempo em que deve possuir algum bem para fazer frente à responsabilidade por seus atos. Mas e quanto ao "regulamento", ou "a lei que definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário"? Bem. Regulamento não é lei. É prescrição. E lei, para ser legítima, tem que ser gerada no Poder competente, que é o Legislativo. Por último, o dúbio enxerto estabelece seis meses como período máximo à vacância da serventia. O que isto quer dizer? O que permite? Conquanto várias interpretações contemplam a dura lex, sed lex, dispõem-se amenidades. Estabelece o Conselho Nacional de Justiça:
Os tribunais de Justiça têm seis meses para realizar os concursos públicos para provimento dos cargos. Quem não cumprir a determinação poderá responder por improbidade administrativa. www.jusbrasil.com.br - 14/7/2010
"Poderá"???  Em que situação não responderá por relapso? E que dizer de um exclusivo "processo improbidade administrativa??? Devem morrer de medo! Enquanto correm os feitos, o funcionamento da "serventia vaga" deve ser suspenso até a sua readequação legal, ou quem sabe extinta por decurso de prazo de vacância? Submetem-se à anulação os atos de algum tabelião interino que exceda o tempo disposto positivamente em meses? Ou será que depois de decorrido o prazo a "serventia vaga" passa ao interino? Pois a julgar pelo fatos hoje dados ao conhecimento público, existem milhares de cartórios em mãos "provisórias", interinas, há doze anos! Os seis meses estipulados, literalmente, não vem ao caso! E agora, se convocado o concurso público para a regularização dos milhares, qual destino tomarão seus atuais operadores? Serão indenizados pelo tempo de serviço? O concursado assumirá uma relação de emprego com ele? Tendo em vista o tempo destinado, e a dificuldade de encontrar nova fonte de renda, poderia ser aposentado ex-officio? Confesso que desconheço qualquer reconhecimento. É certo que receberá uma intimação judicial para entregar todo o trabalho efetuado ao designado em 48 horas, sem absolutamente nada poder dizer, muito menos fazer, exceto assinar o ciente. E por assim desfeitos os contratos de trabalho que mantém com os serventuários, deve indenizá-los como despedidos sem justa-causa, e mesmo assim passivo à leva de processos trabalhistas! A destituição pode levá-lo à total insolvência, sem a menor contribuição ao infausto, mas isso tudo, do mesmo modo, é olimpicamente desconsiderado. Nada vem ao caso, nada obsta a volúpia pelo câmbio.
Mas então este judiciário à deriva, de que modo e por qual razão se põe negligente com a Constituição que tanto se esmerou auxiliar, mormente neste assunto por demais interessante à sua corporação? Bem, mercê de minhas atividades, diretamente atingidas por enxurradas de desmandos, vi-me obrigado a acompanhá-lo especialmente, uma tarefa até certo ponto facilitada pelo enorme rabo que arrasta. Mas antes de dissecá-lo, gostaria de estabelecer o significado, a renda, e a qualificação do Tabelião, ou Notário. Além de lhe ser fundamental os conceitos de Administração de Empresas, disciplina estranha à formação acadêmica exigida em concurso, e que por isso não integra a avaliação, e a imperiosidade de algum patrimônio, persiste a mais notável diferenciação: o serviço requer fé pública, tanto ou mais do que um estabelecimento bancário: "Em testemunho da verdade" anuncia a assinatura do titular. E credibilidade não é suscetível de medição.
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Ofício Notarial - Vigo, Espanha.
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Nota
* Maldoso, velhaco, borracho, libertino e vagabundo. Seu nome significa industrioso, capaz de qualquer coisa.

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