sábado, 2 de junho de 2012

Os tres poderes ignoram instâncias democráticas - I



Parece que os poderes não sabem suas atribuições constitucionais. Isso é descabido VILLA, Marco Antonio, historiador e professor da UFSCar
Supremo Tribunal, supremos problemas
Tributa-se à Grécia  a invenção da democracia. Por ela, o governo se fazia expressão da vontade popular.  Como a volição é fator exclusivo da individualidade, fica óbvio perceber a utopia. A vontade geral  requer ser organizada à efetividade. Cada qual  vive em próprio EspaçoTempo, e carrega origem peculiar, familiar. Neste universo querer não é poder. Se valorizarmos cada voz, é impossível discernir qualquer uma, que dirá acopladas. Se simplesmente colocarmos duas ou tres opções à escolha de cada uma, como esquerda, direita, centro, e pequenas variações, oferecendo o cetro logicamente ao contingente mais encorpado, obteremos um governo não-democrático, porque partidário - portanto, parcial.. Neste vácuo os Trinta Tiranos de Atenas liquidaram com o romantismo.da Acrópole; e Napoleão, de Louvre. .
O Estado, totalmente na sua génese, essencialmente e quase completamente durante os primeiros estádios da sua existência, é uma instituição social, levada a efeito por um grupo vitorioso de homens sobre um grupo derrotado, com o único propósito de regular o domínio do grupo vitorioso sobre o vencido, defendendo-se da revolta interna e dos ataques do exterior. Teleologicamente, este domínio não seguia outro objectivo que não fosse a exploração económica dos vencidos pelos vencedores. OPPENHEIMER, Franz (1861-1943), cit. www.farolpolitico.blogspot.com
Ora, democracia nos remete a governo do povo, e não da maior parte do povo sobre a menor. Diante da  óbvia impossibilidade de se atingir o ideal grego, a democracia fulgurou e imediatamente se prostrou diante da realidade. Permaneceu em estado letárgico por dois milênios a fio.  Coube ao genial John Locke formular um  sistema democrático que minimiza o poder da parte vencedora sobre a vencida, ao estipular a democracia com poder dividido, não absoluto. 
John Locke viveu muito tempo na Holanda, desterrado por "subversivo" à coroa inglesa. Foi mesmo naquele país praticamente desdenhado pelos reis mais poderosos da Europa, posto situado num charque, que brotaram as primeiras barreiras à exclusiva vontade do Príncipe, do secretário eclesiástico Maquiavel. Lá morava este outro "subversivo",  exilado da Espanha por afrontar o rei maior, morador do Vaticano:
Assentamos em que um príncipe não pode deixar de cumprir as leis sancionadas nas Cortes por ser maior o poder da república que o dos reis; e dizemos agora que se, apesar das nossas instituições e da força do direito, chegasse a violá-las, se poderia castigá-lo. Destroná-lo e até,exigindo-se as circunstâncias, impor-lhe o último suplício. SPINOZA, B., Tratado Político 
Tão radical proposição, até razoável sob o ponto de vista individual, mas sumamente arriscado por acatar manifestação coletiva, quase sempre orquestrada, e sem limites porque movida pela paixão, dificilmente algum rei não teria mais cedo ou mais tarde sua cabeça cortada. Uma questão de direito natural nesta amplitude fatalmente se colocaria controverso, de maneira que a assertiva de Spinoza não inocenta ninguém. E qualquer condenação, ainda mais a pena máxima, seria um arbítrio ainda maior do que aquele que se quer coibir. Por outro lado, embora prime pelo positivismo, pela objetividade e precisão, a lei expressa, a priori ideológica, igualmente tem, e sempre terá, dupla interpretação. Por fim, qualquer ato humano suporta incontáveis interpretações. Caso vingasse esta em princípio razoável salvaguarda popular, dificilmente algum governante morreria de morte natural. Como a preocupação nuclear é absolutamente justa sob todos os pontos de vista, exceto, é claro, do governante, coube a John Locke aperfeiçoar a salvaguarda. O inglês estabeleceu uma modalida de exercício da salvaguarda impedindo a massa de agir, fazer justiça, mas não sigificando com isso que o rei pudesse se sentir "blindado": "Se o governo se exceder ou abusar da autoridade explicitamente outorgada pelo contrato político torna-se tirânico e o povo tem então o direito de dissolvê-lo ou se rebelar contra ele e derrubá-lo." (LOCKE, J., Second treatise of civil government: 184)
Perceba-se que Locke não fala em exceder ou abusar da lei, mas da autoridade outorgada pelo contrato político. E nenhum contrato político pode ser tipificado como justo ou injusto, porque proveniente da vontade geral, que é suscetível à conveniência,  não à metafísica, que exige a Justiça para pautar a obediência. Por isso Locke não estipula castigo, muito menos a pena máxima, mas reserva ao povo o direito de dissolvê-lo, ou até derrubá-lo, sem que isso signifique sanção penal. Em sua temporada londrina, Voltaire  (cit. Chevallier, tomo II: 67) captou e transcreveu com maestria:
A Nação inglêsa é a única da terra que chegou a regulamentar o poder dos reis resistindo-lhes e que de esforço em esforço, chegou, enfim, a estabelecer um governo sábio, onde o príncipe, todo-poderoso para fazer o bem, tem as mãos atadas para fazer o mal; onde os senhores são grandes sem insolência e sem vassalos, e onde o povo participa do governo sem confusão
Nota-se, de outra parte, o termo "dissolver" usado por Locke. Isso só é possível porque não é o povo que atua diretamente, mas os representantes pelo povo eleito. Suas tarefas vão desde a elaboração ou retirada das leis, passando pela fiscalização do cumprimento dessas leis por parte do governo, que por sua vez é designado pelos próprios representantes. Dessarte o programa de governo obrigatoriamente tem que ser fiel a vontade popular, sob pena dele ser "dissolvido" pelos representantes, como tão bem situa John Locke.  Assim é que o poder absoluto pela democracia se tornou relativo, e por isso repartido entre Executivo e Legislativo, sendo este, claro o poder original, e aquele, derivado. Como não havia necessidade do Judiciário ser independente, posto julgar apenas as relações civis, não governamentais, a operação deste que viria a ser o terceiro poder na famosa Teoria dos Tres Poderes, de Montesquieu, com Locke era apenas atividade do Executivo, como extensão policial.

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