sábado, 16 de julho de 2011

Dos arquitetos da Sociologia

O que caracteriza os primeiros estudos sobre a sociedade é, precisamente, um ponto de vista finalista e normativo: finalista, isto é, tendo unicamente em consideração o ideal a realizar, a investigação do que deve ser a "melhor" organização social e política; normativo, quer dizer, a preocupação imediata de estabelecer normas, regras de ação para a vida coletiva. É este, particularmente, o ponto de vista dos filósofos.  CUVILLIER, A., Introdução à Sociologia – OS PROBLEMAS SOCIOLÓGICOS
Costuma-se creditar a Augusto Comte a primazia da viagem  por este vasto rincão. O franco-italiano, todavia, apenas aprimorou a técnica platônica, cuja episteme encontra-se na disposição aristotélica: o homem é um ser social. Precariamente o homem até exercitou sua prerrogativa,  mas quando Platão aportou em Florença, o homem foi tornado pior que animal,
O relato recente da filosofia positiva inicia-se com a análise, na segunda metade do século XIX, da reação ao realismo transcendental, especialmente de Hegel; o antigo, porém, recua ao século XV, com a política prática de Nicolau Maquiavel, ao século XVI, com o método experimental de Francis Bacon e ao século XVII, com o materialismo de Thomas Hobbes. (Nader, P., : 173)
Para cumprir com sua responsabilidade universal, o príncipe era obrigado a procurar a medida de seus atos nos efeitos previsíveis que suas ações trouxessem para a comunidade. Assim, a obrigatoriedade de agir impunha também a obrigatoriedade de ser o mais previdente possível. O cálculo racional de todas as possíveis consequências tornou-se o primeiro mandamento da política. (Koselleck, R. : 24) 
O podium antes reservado à Filosofia, ao Direito e mesmo à Economia teria que ceder lugar à Sociologia, que a todas engloba, e de maneira precisa, matemática, pragmática.  "O gênio de Maquiavel consistiu em aplicar ao domínio humano as normas da revolução mecanicista um bom século antes do advento da física experimental.". (Gusdorf, G.,  163)_.O massacre de São Bartolomeu (1572) se fez na mais notável expressão sociológica da  'astúcia florentina',  Sucesso total. Em 1641, Richelieu encomendou ao cônego Machon uma Apologia de Maquiavel. (Chevallier, Jean-Jacques, As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias: 452) Na Guerra dos Cem Anos, sobrou um aumento sempre crescente de poder. para a Eminência Parda   fazer da França a maior potência européia, no que o seguiu Colbert, ambos responsáveis diretos pelo mercantilismo francês,  Dessarte a Sociologia veio se afirmando, e o êxito aplicativo coroava sua certeza.
O individualismo benevolente e confiante do internacionalista Hugo Grotius diluiu-se no pessimismo dito realista de Hobbes ( O Leviatã, Os Pensadores: 206.): “Retirem seja de que Estado for a obediência (e conseqüentemente a concórdia do povo) e ele não só não florescerá, como a curto prazo será dissolvido. E aqueles que empreendem reformar o Estado pela desobediência verão que assim o destróem.”
Para melhor aquilatarmos a preponderante mediocridade que comandou o raciocínio de Thomas Hobbes, vejamos a seqüência do seu pensamento pelo detalhista Prelot (vol II, p. 258):
A essência da natureza humana é o egoísmo e não a necessidade altruísta da vida em comum. Quando o homem procura a comunidade, não o faz a fim de conseguir a sua realização pessoal, ou, como pensava o fundador da Escola, em virtude de uma tendência natural que o faz procurar seus semelhantes, mas unicamente com vista ao seu próprio interesse nasce do temor mútuo que existe entre os homens, e não da boa vontade mútua.
“A historiografia hobbesiana foi descobrindo conexões cada vez mais estreitas entre sua concepção materialista e mecanicista do mundo e o nascimento-crescimento-triunfo da ciência moderna.” (Bobbio, N., Thomas Hobbes: 186)
Assim como Newton formulou as leis fundamentais da realidade física, os filósofos e sociólogos, viajando na sua esteira, esperavam descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. Seu universal maquinismo de relógio converteu-se em modelo a partir do qual comparava-se o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e retratavam-se os seres humanos qual máquinas viventes. ZOHAR, D., 2000: 23
A propósito, posso bem supor a formação do substantivo relógio  na soma do sufixo logos, com re, de retorno. Portanto, o relógio demarca o eterno retorno, fato que se vê ns órbitas planetárias, nas estações climáticas, nos dias, nas horas, nas voltas dos ponteiros. Mas não é bem assim. O Universo se expande modo helicoidal, de maneira que o retorno é apenas aparente.  Mas voltemos aos relojoeiros sociais.  "Para Rousseau, como para outros edificadores da Cidade Ideal do Racionalismo desarvorado, o legislador é responsável por tudo. É um deus ex-machina. Algo que será como Napoleão, que pretendeu representar o novo César e o novo Augusto do cesarismo imperial francês". (Penna, 1997: 366/67). Daí veio Hegel: 
Por certo Hegel, do mesmo modo que Aristóteles, ainda está convencido de que a sociedade encontra sua unidade na vida política e na organização do Estado; a filosofia prática dos tempos modernos parte, como antes, do princípio de que os indivíduos pertencem à sociedade como membros a uma coletividade ou as partes do todo - mesmo quando o todo deva ser constituído somente através do vínculo entre suas partes.  (Habermas, Jörgen, O Estado de São Paulo, 6/11/1993)  
"O conceito positivo que Hegel tem da Constituição está estritamente ligado com a concepção orgânica do Estado, insistentemente contraposta à teoria atomista predominante, típica dos jusnaturalistas. Não existe para Hegel outro direito, no sentido palavra, além do direito positivo." (Japiassú, H. Nascimento e Morte das Ciências Humanas: 104.)
Tal qual Newton, emperiquitado "nos ombros dos gigantes", veio Comte. para tudo condensar. “Augusto Comte criou, em 1839, a palavra 'Sociologia', formada pela fusão de duas raízes, uma latina, outra grega - 'socius' e 'logos'. (Bastos, Wilson de Lima, Nos Meandros da Política: 192.) Então o novo Pitágoras assim proclamou:
Toda a ciência tem por fim a previdência. Porque a aplicação geral das leis estabelecidas segundo a observação dos fenómenos tem por fim prever a respectiva sucessão. Na realidade, todos os homens, por pouco instruídos que os julguemos, fazem verdadeiras previsões, fundadas sempre sobre o mesmo princípio, o conhecimento do futuro pelo passado.(...) Está, portanto, evidentemente muito conforme com a natureza do espírito humano que a observação do passado possa facultar a predição do futuro, e que o possa fazer tanto em política como em astronomia, em física, em química e em fisiologia. COMTE, Augusto, Reorganizar a Sociedade, Guimarães Editores, 4ª Ed., Lisboa, 2002: 146
“Doravante, em filosofia política, não haverá ordem e acordo possíveis senão sujeitando os fenômenos sociais e todos os demais a leis naturais invariáveis.” (Idem, cit. Japiassú, H.  Nascimento e Morte das Ciências Humanas: 129.) Haja  pretensão:
Em matéria de etnologia os conhecimentos de COMTE, reduzidos quase ao livro do Presidente DE BROSSES, Du culte des dieux fétiches, eram muito rudimentares. Mas nem a etnologia nem a psicologia lhe foram favoráveis. Idéias e fatos condenaram o pré-logismo; depois de muitos outros BERGSON, na sua última obra, deu-lhes o golpe de misericórdia. Pe. FRANCA, Leonel S.J. www.permanencia.org.br/revista/filosofia/leonel2.htm
"COMTE não sentiu 'l’anillo' do verdadeiro problema gnoseológico. Tentou sistematizar o conhecimento positivo, mas sem se propor a tarefa de examinar-lhe o fundamento derradeiro. (H. HÖFFDING, Storia della Filosofia Moderna, Torino, 1913, t. II: 339)
A Sociologia ganhava asas em delta para se afirmar suprema: "Os conceitos metafísicos de Rousseau formam o centro não muito coerente de seu sistema político. Eles abrem caminho para a visão hegeliana do Estado como entidade ética central e para a teoria marxista da alienação. (Penna, J.O. O dinossauro: 100) “O socialismo científico abordou a sociedade da mesma forma que Newton abordou o comportamento dos corpos celestes, investigando suas imutáveis 'leis de movimento'. (Roszac, T. A contracultura: 108) “Há uma coincidência entre Comte e Marx, pois aquele via na sociologia e na política positiva o coroamento sintético de todo o edifício da ciência positiva.” (Japiassú, H.. 78.)  "A mecânica social marxista obedece a mesma estrutura lógica da mecânica fascista, ambos tomam os homens como peões num tabuleiro de xadrez, peões que podem não só ser sacrificados, como também ter seu sacrifício 'racionalmente' defendido e justificado." ( Pereira, J.C.: 140) Roszac bem percebeu os liames e as semelhanças: “Marx é veiculo da inflexibilidade da realpolitik do século XIX, misturada com a sinistra insensibilidade do darwinismo social e com um insolente ateísmo positivista.”

O método do materialismo histórico de Marx não consegue explicar as óbvias diferenças entre povos que se encontram na mesma fase de desenvolvimento econômico. Não toma em consideração fatores vitais como a raça, a religião e a nacionalidade. Não leva em conta a imensa importância da personalidade humana. É duvidoso que um único acontecimento histórico possa ser corretamente interpretado de acordo com essa teoria. CHAMBERLIN, W. H., cit. DOWNS, ROBERT BINGHAM: 84.
Tão cartesiano quanto o "pai" positivista, e, como ele, justificando-se previdente, Durkheim* também não hesitou propor a cooptação do indivíduo ao polvo rotulado:
A sociologia pretende ser um estudo científico dos fatos sociais que Durkheim procurou estudar como coisas. Nessa perspectiva quem diz sabedoria diz amor fati, entendendo por isso, não uma cega submissão aos golpes de um destino incompreensível, mas compreensão de um determinismo suscetível de aplicações capazes de “nos tornarem senhores e possuidores da natureza”, como exigia Descartes. BRUN, J., A sabedoria estóica e seu destino. www.consciencia.org
“Essa tese durkheimiana prende-se, como é sabido, à sua concepção da consciência coletiva como 'repositório de valores', como algo transcendente às consciências individuais.”  (Reale, M., Pluralismo e Liberdade, p. 79/80.)
O sociólogo francês Durkheim proporciona um exemplo típico deste método que abandona gradualmente a esfera do conhecimento psicológico causal e penetra a das considerações ético-políticas ou jurídicas. Também ele insiste em estabelecer a sociologia como uma ciência natural, orientada segundo as leis da casualidade. Aceita o princípio de Comte de que 'as manifestações sociais são fenômenos naturais e, como tais, estão sujeitas às leis da natureza'. KELSEN, Hans, (1881-1973) A Democracia: 331.)
A leitura de Durkheim, tido por fundador da sociologia, servia como advertência de que a ciência social sempre aspirou submeter-se aos controles matemáticos da ciência física e que toda generalização deve estar apoiada numa série de repetições documentadas. FRIAS FILHO, Otávio, Revista Piauí, 23/11/2010
Para completar o destino dos desatinos  Max Weber entrou no  cockpit da locomotiva ao propalar o paradogma dos admirados Bacon & Newton (1864-1920 - Ciência e política: duas vocações: 30) “Podemos dominar tudo por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo.” A torcida se fez formidável:
Em breve, certamente, daremos o último passo, e a autoridade da ciência se imporá de modo completo no domínio dos conhecimentos sociais. Então, chegaremos a fazer uma política racional, como já fazemos máquinas elétricas racionais, porque construídas unicamente sobre dados positivos, e não sobre tendências subjetivas. J. Novicow, 1910. 
Ledo engano. De todos. O mais crasso dos equívocos:
A viciosidade peculiar do racionalismo é que ele destrói o próprio conhecimento que possivelmente viria salvá-lo de si próprio, ou seja, o conhecimento concreto ou tradicional. O racionalismo serve apenas para aprofundar a inexperiência a partir do qual ele foi originalmente gerado. GIDDENS, A.: 39.
Não por acaso há um formidável esforço para primeiro efetuar a total profilaxia espistemológica, para depois de sanada a área reedificar-se  a cátedra em parâmetro mais compatível com o universo de cada um, portanto de todos.
Do lado da sociologia, sabe-se que mesmo um autor como Luhmann acabou por se ver compelido a introduzir uma mudança radical no paradigma das relações entre a pessoa e o sistema social. Deixando de ser categorizada como mero ambiente do sistema social, a pessoa passa a valer, também ela própria, como sistema. Um sistema social, a figurar como seu (da pessoa) ambiente. A pessoa vê-se, assim, chamada - e legitimada - a desafiar permanentemente o sistema social, como fonte de “contingência”, "irritação”, mesmo desordem. De acordo com o “novo paradigma luhmanniano”, “na construção de sistemas sociais, a complexidade opaca dos sistemas pessoais aparece como indeterminabilidade e contingência, não sobrando para o sistema social outra alternativa que não seja “interiorizar a complexidade” irredutível, emergente da pessoa. O que bem justificara a pretensão de apresentar a nova teoria de Soziale Systeme (1984) como uma Zwang zur AutonomieAndrade, M. C.: 26

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