domingo, 31 de julho de 2011

A Escola Austríaca de Economia frente ao ambiente político

A história do poder político nada mais é do que a história do crime internacional e do assassínio de massa. Sir KARL POPPER  (Viena, 28 de Julho de 1902 — Londres, 17 de Setembro de 1994)
A Escola Austríaca de Economia  foi gerada e se manteve latente em cenários totalmente adversos.  O  propósito vinha na contramão da ciência e da filosofia em voga, e igualmente paradoxal às politicas nacionais de ambas derivadas. Teria levado a pecha de subversiva, não fosse a sua insignificância nos campos econômico, político, social e legal, e da quase unanimidade reinante,
Depois das críticas conjuntas das correntes utilitaristas no Reino Unido, historicistas na Alemanha e positivistas na França, o jusnaturalismo perdeu seu prestígio como teoria da moral e foi quase completamente abandonado, salvo por algum reacionário retardatado. BOBBIO,  N.  Locke e o Direito Natural: 62  
A França reiniciava com seus dantescos atos, desta feita na radicalidade da Comuna de Paris. Os socialistas se insurgiam emulados pelas idéias da Internacional, fundada em. 1866 sob a direção de Karl Marx. A Itália se reunia em torno de Cavour; e o povo gemânico, sob a espada de Bisrmarck. A Inglaterra vacilava no hipócrita utilitarismo.
A Paris operária, com a sua Comuna, será para sempre celebrada como a gloriosa percursora de uma sociedade nova. A recordação dos seus mártires conserva-se piedosamente no grande coração da classe operária. Quanto aos seus exterminadores, a História já os pregou a um pelourinho eterno, e todas as orações dos seus padres não conseguirão resgatá-los. MARX, Karl, Guerra Civil em França - 30 de Maio de 1871
O liame que permitia a Escola respirar era ironicamente proporcionado por seu caráter platônico, ao aceitar e desposar a presunção cristã, numa comunidade de esmagadora maioria católica. O próprio Vaticano, todavia, negava-lhe estribo, porquanto sempre interessado em manter o seu status junto aos governos nacionais. Leão XIII logo promulgaria a Rerum Novarum, nada mais nada menos do que uma ponte fascista. Gaetan Pirou (cit. HUGON,  P., História das Idéias Econômicas: 352) .observou a candente razão: “O catolicismo considera a corporação um meio de assegurar a ordem sem matar a liberdade, escapando, a um tempo, da anarquia liberal e da coerção socialista”.
Quando o homem supunha ser o centro do Universo, arquitetou seu governo dentro desta metafísica. O Rei  Divino comandava tudo. Se nada ia bem, não era culpa do Rei, mas do caráter maldoso do homem comedor de maçã. Quando Galileu demonstrou que o Grande Arquiteto do Universo só poderia colocar o Sol no centro, para tudo iluminar, suas criaturas à sua imagem e semelhança organizaram os sistemas políticos desse modo mais técnico possível, para tudo guardar.
Aprimoraram-se os exercícios  do mesmo modo como se desenvolvia o maravilhoso e promissor mundo da máquina. FOUCAULT, (Resumo dos Cursos do Collège de France:  83) dimensiona o câmbio:
Passa-se de uma arte de governar, cujos princípios foram tomados de empréstimo às virtudes tradicionais (sabedoria, justiça, liberalidade, respeito às leis divinas e aos costumes humanos) ou às habilidades comuns (prudência, decisões refletidas, cuidados para se acercar de melhores conselheiros), a uma arte de governar cuja racionalidade tem seus princípios e seu domínio de aplicação específico no Estado.
A Revolução Industrial tomou ímpeto a partir do meado do XIX. A insanidade governamental não ficou atrás. "Sob influência dos filósofos absolutistas e autoritários, Hegel, Marx, Comte e uma pletora de epígonos contaminados por esta magia negra da política que é Ideologia - o Liberalismo recuou a partir da segunda metade do século XIX." (PENNA, J. O. M: 179)
Com o declínio dos limites à ação do Estado, cujos fundamentos éticos haviam sido encontrados pela tradição jusnaturalista na prioridade axiológica do indivíduo com respeito ao grupo, e na consequente afirmação dos direitos naturais do indivíduo, o Estado foi pouco a pouco se reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência extrema do Estado total (total exatamente porque não deixa espaço algum fora de si.). BOBBIO, N., Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política: 25
Com a Escola Histórica, a ciência política tornara-se uma doutrina de arte para estadistas e políticos. Nas universidades e em anuais, reivindicações econômicas eram apresentadas e proclamadas como 'científicas'. A 'ciência' condenava o capitalismo, tachando-o de imoral e injusto. Rejeitava como 'radicais' as soluções oferecidas pelo socialismo marxista e recomendava o socialismo estatal, ou, às vezes, até o sistema de propriedade privada com intervenção do governo. Economia não era mais questão de conhecimento e capacidade, mas de boas intenções. MISES L., Uma crítica ao intervencionismo: 41
Bismarck compreendeu muito bem o partido que poderia tirar das idéias do socialismo de cátedra: usou-as como um instrumento de luta contra o socialismo e como meio de expandir o poderio do Estado. HUGON, P., História das Idéias Políticas: 279
No final do século XIX, a principal influência sobre a teoria acadêmica social e econômica era das universidades. A idealização bismarckiana do Estado, com suas funções previdenciárias centralizadas foi devidamente reestudada pelos milhares de ocupantes de postos-chave do meio acadêmico que estudaram em universidades alemãs nas décadas de 1880 e 90. SCHESINGER, ARTHUR M., The Crisis of the Old Order 1919-1933; 20; cit. JOHNSON, P.: 13
ROSA DE LUXEMBURGO, GEORGE PLEKHANOV, MUSSOLINI, KARL RADEK & LÊNIN co. comemoraram o reveillon de 1900 em  Zurich. Lênin (Materialisme et empiriocriticisme; cit. CHRÈTIEN: 131) traduziu: “O universo é um movimento da matéria regido por leis, e nosso conhecimento, não sendo senão um produto superior ao da natureza, só pode refletir essas leis."  Coube a  TRÓTSKI (cit. FADIMAN, CLIFTON, org.: 318)  relatar  o sucesso do conclave:
Com base num profundo e abrangente estudo da ciência, Lênin provou que os métodos do materialismo dialético, tal qual formulados por Marx e Engels, eram inteiramente confirmados pelo desenvolvimento do pensamento científico em geral e pela ciência natural em particular.
E lá se veio a humanidade, mais ou menos traída na pretensão cientificista:
Os partidos de esquerda política - socialistas e comunistas - tiveram enorme influência sobre os padrões de cultura política que emergiram na Europa do século XIX. Pode-se observar o efeito dos partidos fascistas e comunistas na Europa, durante a depressão econômica mundial iniciada em 29, quando suas orientações monolíticas e seus poderosos símbolos políticos deram unidade e direção políticas a milhões de pessoas numa época de angústia e colapso social.
O grande mentor de todas tragédias obtinha o século inteiro a seu deleite
A política do governo prussiano de reprimir ao invés de cooptar o movimento operário levou ao surgimento de um poderoso partido social-democrata revolucionário, que se tornou um modelo para os trabalhadores de toda a Europa. O PSD alemão foi imitado pelos franceses, belgas e italianos. Os movimentos trabalhistas holandês, escandinavo, suíço e americano seguiram os passos do movimento alemão. Oradores eram convidados de honra nos sindicatos que aconteciam em toda a Europa Ocidental e Estados Unidos. Os movimentos operários russo e eslavo também se inspiraram no alemão, e a segunda Internacional Comunista estava sob a liderança reconhecida do partido alemão. Suas filiações ultrapassavam 1 milhão em 1912; nos sindicatos, dois e meio milhões. SCHWARTZ,   J.,  O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência Moderna: 130
A Primeira Guerra Mundial transformou a face do mundo e iniciou novo capítulo nas relações econômicas. Surgiu a necessidade de o Estado atuar para organizar as atividades produtivas, direcionando-as para o esforço de guerra, o que abriu caminho para uma experiência intervencionista concreta. A guerra provocou a destruição do mercado natural e ocasionou enormes perdas, requerendo a atuação do Estado no sentido de evitá-las, além de provocar o aumento numérico e o surgimento de consciência de classe, cuja organização se intensificou, para fazer frente ao proprietários dos meios de produção. SCAFF, Fernando Facury, A Responsabilidade do Estado Intervencionista, : 34.
“Não será audácia afirmar que em 1917, ano da revolução e insubordinação, assinalou também uma revolução cultural nos EUA - um movimento que iria adotar o vocabulário de Marx somado ao de Freud.” (MASCARENHAS, E. :190)
Poulantzas comenta o prognóstico, a prévia consciência do “estrago” que precipitaria o Crash de 1929, e depois o resto, malgrado os protestos da Escola  Austríaca: 
Da escola de Frankfurt aos radicais americanos manifestava-se a terrificante imagem de um Estado-Moloch totalitário e todo-poderoso, fundado num capitalismo de manipulação, que teria conseguido 'integrar' as massas populares e culminaria inelutavelmente na devoração de pessoas. 

Roosevelt, influenciado por Felix Frankfurter, pela Sociedade Socialista Intercongregada e por outros, fabianos e comunistas, maquinou uma revolução que colocou o país na senda que leva ao socialismo e, numa perspectiva mais distante, ao comunismo. Foi, contudo, a emenda do imposto de renda, levado em 1909, no Congresso americano, o início do socialismo. Então, o New Deal não foi uma revolução. Seu programa coletivista tivera antecedentes - recentes - com Herbert Hoover, durante a depressão; mais remotos, no coletivismo de guerra e no planejamento central que governaram os EUA durante a Primeira Guerra Mundial. ROTHBARD: 41 .
Em meados de 1938, o Current History Magazine (cit. EOTHBARD: 41) esclareceu:
A nova América não será capitalista no velho sentido, e tampouco será socialista. Se a tendência atual é para o fascismo, será um fascismo americano, que incorporara a experiência, as traições e as aspirações de uma grande nação de classe média. Quando o New Deal é despido de sua camuflagem progressista, social reformista, o que fica é a realidade do novo modelo fascista de sistema de capitalismo de Estado concentrado e servidão industrial, envolvendo um implícito ‘avanço rumo à guerra’.
Não deu outra:
O Estado rooseveltiano ou a república da França apresentava, na época histórica do fascismo, características do Estado intervencionista (função econômica do Estado e fortalecimento do Executivo, por exemplo) que marcavam igualmente os fascismos alemão e italiano, sem que isto tenha significado o Estado de exceção. POULANTZAS, N.: 240
 Até mesmo um intervencionista  do quilate de um J.K. Galbraith (1989: 197) se espantava:
O poder nos EUA foi mais concentrado do que se costuma imaginar. Quem controlava o Pentágono, a Cia, o Departamento de Estado, o Tesouro e o homem que coordena estes órgãos na Casa Branca, controlava tudo, e tudo isso o sistema controlava.
 "Havia, na verdade, uma conexão direta, freqüentemente comentada, entre o militarismo e o desenvolvimento inicial da democracia e do welfare state; os direitos de cidadania foram criados no contexto da mobilização maciça para a guerra.".  (Gore Vidal, entrevista para revista Veja. – São Paulo, 25/10/2000)
O Estado comprovou ser um gastador insaciável, um desperdiçador incomparável. Na verdade, no século XX, ele revelou-se o mais assassino de todos os tempos. O político fanático oferecia o New Deal, grandes sociedades, e estados de bem-estar social; os fanáticos atravessaram décadas e décadas e hemisférios; charlatães, carismáticos, exaltados, assassinos de massas, unidos pela crença de que a política era a cura dos males. JOHNSON, P.: 616.
Somente passadas as aberrações políticas, econômicas e sociais, ao preço de milhões de vidas abreviadas, é que a Escola Austriaca de Economia foi lembrada, mas para exercício de década, apenas. O neoliberalismo soa ofensivo, forte para mudar o nome inclusive dos partidos liberais.  Novamente as internacionais mais ou menos socialistas, na verdade punguistas, tomam conta do salão. “E, ainda que o fascismo e o nacional-socialismo tenham sido destruídos enquanto realidades políticas na Segunda Guerra Mundial, suas ideologias não desapareceram e, direta ou indiretamente, ainda se opõem ao credo democrático.” (KELSEN, Hans, A Democracia: 140.) Veremos a razão da relutância, da incapacidade de convencimento da correta escola, em nosso próximo raid.

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