segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O desconhecido Locke


Talvez nunca tenha havido espírito mais sensato, mais metódico, um lógico mais exato que o senhor Locke; não era, contudo, um grande matemático.
VOLTAIRE,
Vida e Obra: 25
John Locke foi o maior gênio de sua época. Supera Newton, há século revogado. Em que pese decorridos mais de tres séculos, entretanto,o artífice da democracia ainda é pouco conhecido no mundo latiinoamericano. Tal lapso é quase imperdoável.
Muitos ingleses que emigraram para as colônias conheciam as idéias de Locke. De muitas formas, Locke também passou a fazer parte da tradição política das colônias. Os estudantes das colônia iam para a Europa em busca das universidades, voltavam influenciados por Locke e pelos filósofos iluministas do século XVIII. A política iluminista atravessava o oceano e frutificava na colônia. Karnal: 62   
Sonegada das informações, dedicada professora de adolescentes solicita um concernente tecido, um fio-de-ariadne para escapulir do brete que se vê envolta.  Respondo-lhe em dois tempos. O lapso tem tamanho de buraco-negro, mas o contorno é vie-en-rose,  de modo que somos todos enformados à alienação: :
A Grécia, que nos educou, soltou nossas línguas e nos fez indiscretos a nativitate. O aticismo havia triunfado sobre o laconismo, e para o ateniense viver era falar, dizer, esganiçar-se, dando ao vento em formas claras e eufônicas a mais arcana intimidade. Por isso divinizaram o dizer, o logos, ao qual atribuíam mágica potência, e a retórica acabou sendo para a civilização antiga o que tem sido a física para nós nestes últimos séculos. Sob esta disciplina, os povos românicos forjaram línguas complicadas, mas deliciosas, de uma sonoridade, uma plasticidade e um garbo incomparáveis; línguas feitas à força de palavreados infindáveis - em ágora e praça, em palanque, taberna e tertúlia. Daí que nos sintamos sôfregos quando, aproximando-nos destes esplêndidos ingleses, os ouvimos emitir a série de leves miados displicentes em que consiste seu idioma. GASSET, José Ortega Y, Rebelião das massas.
Na segunda etapa, a demonstração que se o mundo civilizado ainda confunde democracia com poder divino, posto a suposta vox populi representar a vox dei, por aqui ela toma contornos ainda mais dramáticos. A questão formulada refere-se ao método empírico adotado por JOHN LOCKE, em seu Ensaio sobre o conhecimento, obra que lhe emprestou a visibilidade. Posteriormente o médico inglês ainda comporia o Tratado sobre a Tolerância, findando com a obra-prima intitulada Segundo tratado sobre o govêrno civil.
Ressalte-se o intenso domínio romano sobre aquele país. A realeza auferia o mensalão do Vaticano, que por sua vez exigia a contrapartida do dízimo, fardo a mais sobre os ombros de toda Nação. A Inglaterra caiu em convulsão, dividida a ponto de revolução civil, degola de rei, e um monte de atrocidades. Era a hora da mais alta sapiência:
A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões dos estrangeiros e das injúrias dos próprios comuneiros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio trabalho e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (...) Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes - com toda reverência - daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa.HOBBES, THOMAS, The Leviathan, cap. 17.
Hobbes, que havia freqüentado assiduamente a corte fazendo-se passar por matemático (mesmo que pouco soubesse dessa disciplina) se desgostou ali, regressou à Inglaterra nos tempos de Cromwell e publicou uma obra muito malvada, de título muito raro: The Leviathan. Sua tese principal era de que todos os homens atuam devido a uma necessidade absoluta, tese apoiada, aparentemente, pela doutrina dos decretos absolutos, doutrina de geral aceitação nesses tempos. Sustentava que o interesse e o mêdo eram os princípios fundamentais da sociedade. BRETT, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII: 14
Eis a panacéia aos males da população: “Hobbes justifica racionalmente o poder absoluto, a partir duma concepção puramente materialista da natureza do homem, egoísta e perseguido por fobias.” (CHEVALLIER: 19)
Eis, também, o zenith malandro: um cômodo no Palácio, onde de fato lograria morar. Tal qual o astuto florentino recomendara, e bem usufruíra, o apoio financeiro e logístico tinha que vir da multinacional.
Na verdade, jamais houve qualquer legislador que tenha outorgado a seu povo leis de carácter extraordinário sem apelar para a divindade, pois sem isso estas leis não seriam aceitas... O governante sábio sempre recorre aos deuses. MAQUIAVEL, N., Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília : Editora UnB, 1994: 58; tb. cit. BOBBIO, 2002: 164
O governo inglês também deveria se restringir à franquia: "Para Thomas Hobbes, a Igreja cristã e o Estado cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto." (Wikipédia)
EINSTEIN, (cit. PAIS, ABRAHAM, Einstein viveu aqui: 139) em tese, pode explicar:
Com o homem primitivo é acima de tudo o medo que invoca noções religiosas - medo de fome, bestas selvagens, doença, morte. Já que nesse estágio da existência a compreensão das conexões causais é geralmente pouco desenvolvida, a mente humana cria seres ilusórios mais ou menos análogos a ela mesma, de cujas vontades e ações dependem esses acontecimentos temerosos.
No primeiro trabalho a preocupação de LOCKE era de quebrar o liame do pecado original  de Adão & Eva, a estorieta  propalada pelo Vaticano, fato que o levou a caracterizar o ser humano como uma tábula-rasa ao nascer. Cada ser nasce livre, e assim é o responsável por sua própria história, a qual vai escrevendo conforme melhor lhe aprouver. Definitivamente, isso em nada poderia agradar os romanos:
Quase totalmente ignoradas eram as obras de Locke (a primeira tradução completa de Dois Tratados sobre o Governo somente aparecerá em 1948) Constant, Tocqueville, Benhtham e Mill. Haviam florescidos estudos sobre Maquiavel: basta recordar os nomes de Ercole, de Russo, de Chabod. Nas breves notas Para a história da filosofia política, escritas em 1924, os autores levados em consideração eram (pareceria incrível nos dias de hoje) Maquiavel, Vico, Rousseau (maltratado), Hegel, Haller e Treitschke. A grande tradição do pensamento liberal e democrático da qual nascera o Estado moderno (também o estado italiano) era completamente ignorada. Croce, B. Per la storia della filosofia política, 1924; cit. Bobbio, Norberto, Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil, p. 92.
Para suporte de sua teoria, LOCKE evidenciou que todo o conhecimento vem pelos sentidos, e que não faz sentido nenhum conhecimento prestipulado. Naturalmente ninguém cogitava o modo de formação da matéria, muito menos seria provável encadeamentos atômicos, como nos DNAs, e tudo o mais. LOCKE, por se valer do argumento que exigia a experiência para validar o conhecimento de plano toma a pecha de empirista, e assim muitos pesquisadores nem seguem adiante. No entanto, a intuição lhe mereceu destaque, e este motivo, per se, não tem nada de empírico.
O pensamento de Locke sobre o conhecimento foi uma grande contribuição para filósofos posteriores que se dedicaram à mesma temática. Por mais que as conclusões que se tenham chegado até hoje tenham uma grande validade, há ainda a necessidade de continuar-se investigando com empenho e dedicação. Se o conhecimento é algo que se constrói, esta construção é infinita afinal, a razão humana é um terreno que ainda tem muito a ser explorado. clertoncord@yahoo.com.br graduando em filosofia pela Unicap – Universidade Católica de Pernambuco
No Tratado sobre a Tolerância LOCKE mostra a que veio, e o Segundo Tratado nada tem de empírico, posto encadeado de modo totalmente original. O Farol do Iluminismo formulou uma teoria calcada na relatividade ao campo das ciências humanas com tres séculos de antecedência das exatas, complementando o molde ao panteísmo spinoziano em sua estada na Holanda, este sim, frequentemente citado por EINSTEIN.
A barragem francesa
De modo geral a cultura inglesa sempre foi desdenhada entre nosotros. Não se estranhe. Depois da fragorosa derrota da Invencível Armada, por século a Europa, dominada pela pujança francesa, reconhece que o Império Romano findava em Calais, e simplesmente ignorou suas proposituras. Que interesse poderia haver em autores anglosaxões?
O escrito de Descartes se difundiu amplamente no continente, em particular na França e nos Países Baixos, mas não teve o mesmo sucesso na Inglaterra. A filosofia experimental tal como ali se desenvolveu impedia uma aceitação fácil de qualquer sistema dedutivo, e o sistema de Descartes foi considerado tão gerador de dissensões, quanto o sistema extremamente materialista de Thomas Hobbes.
HENRY: 71

Locke e Shaftesbury consideravam o despotismo como um mal francês e, quando escreveu o documento, em 1679, Locke acabava de voltar da França, após estudar o mal francês enquanto sistema político. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.
BRETT, R. L.
: 109
Só depois de devastado pela insanidade é que o Velho Mundo buscou recuperar o fio-da-meada:
O ano de 1960 foi um marco para os estudos sobre Locke. Em um só ano, além da edição crítica de Laslett, já lembrada, foram publicadas três monografias importantes que representam muito bem o interesse renovado pelo filósofo do liberalismo e do cristianismo racional. Todas as três enfatizam Locke moralista e político, mais do que o teórico do conhecimento, sobre o qual se havia detido especialmente os trabalhos e a crítica precedente.
BOBBIO, NORBERTO, 1997: 78

Nesse contexto, o mês de maio de 1968 aparecera como um acontecimento que ninguém previra. Generalizado, o discurso político perdeu então seu privilégio. A proclamação do que era científico ficou abalada; as ciências políticas não souberam antecipar esta explosão internacional.
DESCAMPS, C. : 15
Coube primeiramente a MONTESQUIEU (Do Espírito das Leis, Livro XIX) referendar a solução inglesa.
Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistrados, o poder legislativo se junta ao executivo, desaparece a liberdade; pode-se temer que o monarca ou o senado promulguem leis tirânicas, para aplicá-las tiranicamente. Não há liberdade se o poder judiciário não está separado do legislativo e do executivo.

Foi igualmente pela recusa do dualismo cartesiano, e pela defesa da observação e da análise contra o espírito sistemático, que Locke se impôs como 'mestre da sabedoria' aos filósofos franceses do século XVIII.
CHÂTELET: 228
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De Londres VOLTAIRE ( cit. CHEVALLIER, tomo II: 67 ) confirmava o acerto daquele método governamental:
A Nação inglêsa é a única da terra que chegou a regulamentar o poder dos reis resistindo-lhes e que de esforço em esforço, chegou, enfim, a estabelecer um governo sábio, onde o príncipe, todo-poderoso para fazer o bem, tem as mãos atadas para fazer o mal; onde os senhores são grandes sem insolência e sem vassalos, e onde o povo participa do governo sem confusão.
O movimento francês tomava rumo à modernidade quando ROUSSEAU renovou a munição à barbárie, culminando com o flamante NAPOLEÃO.
A Constituição Francesa de 1791 proclamou uma série de direitos, ao passo ‘que nunca houve um período registrado nos anais da humanidade em que cada um desses direitos tivesse sido tão pouco assegurado - pode-se quase dizer completamente inexistente - como no ápice da Revolução Francesa.’
LEONI: 85
Examinarei, pois, o sistema do mais ilustre desses filósofos, J.J. Rousseau e mostrarei que, transportando para os tempos mais modernos um volume de poder social, de soberania coletiva que pertencia a outros séculos, este gênio sublime, que era animado pelo amor mais puro a liberdade, forneceu, todavia, desastrosos pretextos a mais de um tipo de tirania.
CONSTANT,
Benjamin, Da Liberdade dos Antigos Comparada a dos Modernos, tradução de textos escolhidos de Benjamin Constant, por Gauchet, Marcel Org., paper Assembléia Legislativa do RS, 1996
LOCKE? Nem pensar.. Pois graças ao fugaz genebrino e seu liquidificador franco-italiano o Brasil vem sendo triturado na vileza extremada já há mais de século, sem a menor piedade, ou constrangimento É o que veremos, na próxima escala.
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Um comentário:

  1. o presente quadro pertence ao pintor Seurat! por favor corrija!

    com os melhores cumprimentos,
    uma admiradora de arte

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