terça-feira, 24 de agosto de 2010

Entre a destra e a sinistra

Humoristas são criaturas que não nasceram para organizar passeatas. Mas, diante de tamanha palhaçada no processo eleitoral brasileiro, alguém tinha que fazer alguma coisa. Mesmo que seja uma passeata de palhaços, o que não deixa de ser patético, mas animador. MARCELO TAS, apresentador do CQC, in O Globo, 21/8/2010
O par de bobos precedido por zumbi e um séquito de medíocres coadjuvantes demonstram o tamanho da armadilha que estamos envoltos. A realidade é por demais dolorosa. Quadro negro, sem nada ensinar:
O conceito que a política alcançou entre nós chega ao fundo do poço com esta pergunta ao eleitor feita pelo palhaço Tiririca, candidato nesta eleição: ''O que é que faz um deputado federal' E ele mesmo responde: 'Na realidade, não'sei. Mas vote em mim que eu te conto.' Ninguém se deve surpreender se este candidato conseguir os votos necessários para fazer chiste no palco do Congresso
GAUDÊNCIO, Torquato, Pior do que tá não fica’ 24/8/2010
A democracia é imperfeita, mas é o melhor regime. Diz-se. Aliás, pelo que lembro, a constatação partiu do grande CHURCHILL, ao ser derrotado nas eleições depois de comandar a vitória sobre os nazistas. Elegantemente aceitou a negativa, e retirou-se às memórias, ao gáudio da civilização.
De fato, comparar a Inglaterra com a direita nazista, ou com a esquerda soviética nem teria graça. E se pegarmos aqueles debilódes islâmicos, então, nem falar.
Pode ou deve o sistema dos tres poderes e a eleição por sufrágio convir a toda gente? Pois o mentor da solução advertiu: a democracia só seria viável em países de pequena dimensão territorial. Duvido mesmo aí, mas o mal é menor. É importante ter-se em mente que a democracia é método para organização e execução do processo de decisões coletivas - portanto, pouco inteligente, exceto para desbancar o Direito Divino dos reis. Cumprindo este telos, quem decide será igualmente um, o qual, embora não ungido com as bençãos celestiais, adquire ainda maior potência por legalizado.
"Através da vontade geral, o povo-rei coincide, miticamente, de agora em diante, com o poder; essa crença é a matriz do totalitarismo." (COCHIN, Auguste, cit. FURET: 1989: 191)
A ética dominante na História da Humanidade foi uma variante da doutrina altruísta-coletivista, que subordinava o indivíduo a alguma autoridade superior, mística ou social. Conseqüentemente, a maioria dos sistemas políticos era uma variante da mesma tirania estatista, diferindo apenas em grau, não em princípio básico, limitada apenas pelos acidentes da tradição, do caos, da disputa sangrenta e colapso periódico.
RAND, A.: 118.
A democracia instituída naquele longínquo 1689 era apenas um passo rumo ao autogoverno, pelo qual a consciência ética precede tergiversações jurídicas, sendo a economia e a participação social mera consequência de escolha pessoal:
A comunidade fala-lhe com uma mesma voz, mas cada indivíduo fala partindo de um ponto de vista diferente; no entanto, estes pontos de vista estão em relação com a actividade social cooperativa e o indivíduo, ao assumir sua posição, encontra-se implicado, devido ao próprio carácter da sua resposta, nas respostas dos outros.
HERBERT, A filosofia do ato: 153; cit. ABBAGNANO: 29

Os interesses dos indivíduos se compensam entre si e o produto final coincide com o interesse da comunidade. Em outras palavras, a consciência do indivíduo é árbitro e condutor, tanto do interesse público quanto do privado, que não é obra do acaso
TOCQUEVILLE, A.,1997:18
O saudoso MERQUIOR por certo concordaria conosco:
"A natureza do processo é o progresso da liberdade".
Diante da plêiade de psicopatas, mentecaptos, megalomaníacos, corruptos, e aventureiros, quando não suicidas, e agora até enxame de palhaços, parece óbvio que urge retomar o fito do processo:
A época moderna pode ser considerada como fim da história, se tomarmos ‘fim’ no sentido de ‘telos’ coletivo da humanidade. Cumprindo esse ‘telos’, não haveria outros fins universais e sim individuais ou particulares. Isso representaria a possibilidade da multiplicação indefinível dos fins.
FUKUYAMA, F.,
O fim da história e o último homem
Qual o efeito social da economia liberal, esta que cabe ao cidadão entabular?
"O motivo é que um crescimento da riqueza individual quase sempre representa um crescimento ainda maior da riqueza para a sociedade como um todo." (PILZER: 12).
.
Os britânicos habitam numa ilha do tamanho de algum estado brasileiro; en passant, o Japão menor ainda, de modo que escapam da restrição de MONTESQUIEU. A Alemanha foi dividida em duas, tornando-se democrática somente há duas décadas, mas nem tanto assim:
Mesmo hoje a social-democracia alemã não é totalmente imune à tentação marxista... Em lugar do planejamento central, alguns países adotaram esquemas keynesiana, A resposta alemã é o corporativismo e não uma reforma estrutural. Na França limita-se o número máximo de horas de trabalho, e os políticos europeus alimentam a esperança de terem sua volta aos métodos keynesianos de condução da economia nacional facilitada pela adoção do euro, a moeda única... Os social-democratas se apegam aos ideais coletivistas dos socialistas.
LEME. Og, Liberalismo, social-democracia e socialismo. www.institutoliberal.org.br
A Rússia até hoje ignora a democracia, em que pese se anunciar país livre, e dificilmente a conhecerá, a não ser que promova uma reforma agrária, digo divida o território em pequenos "feudos":
A 0posição não parlamentar se manifestará hoje nas ruas de Moscou para protestar contra o Kremlin por ocasião do Dia da Bandeira. O movimento Solidarnost (Solidariedade) reúne legendas liberais, esquerdistas e nacionalistas, sob o lema Rússia sem Putin.
Folha, 22/8/2010
Compõem o norte americano vários estados unidos. Nas suas Observações sobre o governo e as leis dos Estados Unidos da América ,1784, MABLY (cit. BOBBIO, 1987: 103) retratou:
Somente através da união federativa a república, que durante séculos após
o fim da república romana foi considerada uma forma de governo adequada
aos pequenos Estados, pode tornar-se a forma de governo de um grande

Estado como os Estados Unidos da América.
Mas não foi o povo que exigiu isso, como tampouco foi o povo que estabeleceu a democracia - seja na Grécia, ou na Inglaterra. Nesta o que o povo fez foi empossar a única ditadura que o Reino Unido conheceu; e naquela, quem fez a festa foram os Trinta Tiranos de Athenas.
Pelo Deifico oráculo sagrado
Tinha-lhes Pítia ainda acrescentado:
Os reis, aos quais pertence por dever
O bem de Esparta amável promover,
Serão os chefes e moderadores
Do conselho, assim como os senadores;
Sempre de acorde, a massa popular
Deverá limitar-se a confirmar
Os francos se atiraram na metonímia, e atrás deles se veio o mundo inteiro:
A substituição por Rousseau, Hegel e seus seguidores da palavra 'opinião' pelo termo 'vontade' foi provavelmente a inovação terminológica mais fatídica da história do pensamento político. Esta substituição teve fundamento no cartesianismo de Rousseau e foi produto de um racionalismo 'construtivista' que imaginou que todas as leis foram inventadas como expressões da vontade para um dado fim.
HAYEK, F., cit. Maksoud, H.: 39
O socialismo nasceu da dissolução do Ancien Régime, da mesma forma que o conservadorismo foi criado a partir da tentativa de protegê-lo.
GIDDENS, A.: 64

Essa contradição de idéias reproduziu-se, infelizmente, na realidade dos fatos na França. E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias políticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governado, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a imposições e mais explorado de toda a Europa.

GUSDORF, Georges, As Revoluções da França e da América: 59
Atrás da flamante veio o mundo inteiro.Os regimes políticos são implementados de acordo com a linha-mestra:
O Príncipe, este 'breviário prático do déspota' fascinou reis e imperadores resolutos, os derrubadores de regimes legais ou constitucionais. Cromwell obteve sua cópia. Luís XIV, o Rei-Sol, fez dela sua 'leitura noturna predileta'. E Napoleão assegurava que de todos os livros acerca da política, o único digno a ser estudado era o Príncipe. Quanto ao chanceler de ferro - Bismarck - sua falta de escrúpulos, sua política hábil, tortuosa, complexa, tudo indica que adotava Maquiavel.
JORGE, Fernando: 90.
Apuramos contínuas tragédias:
Em muitos Estados do Terceiro Mundo, o assim chamado povo soberano não é nada. Ou quase nada. Fica à margem ou ausente do jogo político, limitado a um círculo restrito. Chamam-no somente para ratificar, plebiscitar e aplaudir. [...] Sobretudo por ocasião das eleições presidenciais,
SCHARTZENBERG, R.: 320
Em nenhum lugar do mundo há povo apto para delinear o que melhor lhe convém; muito menos, seus representantes, meros atores:
Entre os homens que ocuparam o poder na França nos últimos quarenta anos, vários foram acusados de ter feito fortuna à custa do Estado e de seus aliados, crítica que raramente foi dirigida aos homens públicos da antiga monarquia.
TOCQUEVILLE, A., A Democracia na América: 256
A maior parte dos países-membros da União Européia estão atualmente administrados por governos social-democráticos e o principal problema da maioria deles é o desemprego. Como o enfrentam? A resposta alemã é o corporativismo e não uma reforma estrutural. Na França limita-se o número máximo de horas de trabalho, e os políticos europeus alimentam a esperança de terem sua volta aos métodos keynesianos de condução da economia nacional facilitada pela adoção do euro, a moeda única. Em lugar da autonomia individual dos liberais, os social-democratas se apegam aos ideais coletivistas dos socialistas.
LEME, Og,
A nova Terceira Via da Europa maio de 2009
Nos EUA, quando lemos os documentos escritos pelos pais fundadores, notamos uma grande preocupação em relação a facções. Por facções, os fundadores se referiam a grupos de pessoas em guerra entre si para decidir quem iria ter controle sobre o bolso da população. A solução para esse problema não foi abolir diferenças de opinião, mas, sim, manter o governo em um tamanho mínimo, de forma que as vantagens de se ganhar o poder fossem pequenas. Você limita o poder de uma facção limitando o tamanho do governo. Todos os mecanismos criados pelos pais fundadores — a separação de poderes, o colégio eleitoral, a Declaração de Direitos — foram instituídos como meios de se atingir esse objetivo.
Governos dilatados dividem a sociedade em duas castas: aqueles que dão compulsoriamente seu dinheiro para o estado e aqueles que ganham dinheiro do estado. Para manter o sistema funcionando, aqueles que dão têm de ser numericamente muito superiores àqueles que recebem. Foi assim nos primórdios do estado-nação e ainda o é atualmente. A existência de eleições não altera em nada a essência dessa operação. Mas como foi que toda a distorção ocorreu? Como foi que os seres humanos permitiram que o estado atual existisse? Como passamos a permitir que ele nos governe dessa maneira despótica? E por que há alguns que o amam e até mesmo se inclinam perante ele, tomados por um sentimento quase religioso em relação a ele?
, A fraude chamada 'estado', 21/8/2010.*
Elementar, meu caro Watson:
“Toda a política dos filósofos se resume em por a onipotência do Estado ao serviço da infalibilidade da razão, a fazer da razão da razão pura uma nova razão de Estado”. (SOREL, ALBERTO, L'Europe et la Revolution Française, T.I, Cap.II; cit. PRELOT, MARCEL, Vol. II: 293)
O que chamamos ‘democracia’ consiste tão somente numa enquete de opinião pública na qual se pede a uma amostra ‘causual’ que diga sim ou balance a cauda em resposta a um conjunto de alternativas pré-fabricadas, geralmente relacionadas aos fatos consumados dos governantes, que sempre podem dirigir as enquetes em seu próprio beneficio.
ROSZACK, T. : 29
O estilo destro remonta a ROUSSEAU & NAPOLEÃO. E a democracia sinistra pertence a MARX & LENIN. O resto não vem mais ao caso:
Independentemente do que vier a ocorrer, direita e esquerda têm hoje uma vida autônoma com respeito à matriz em cujo interior foram originariamente desenvolvidas. Conquistaram o planeta. Tornaram-se categorias universais da política. Fazem parte das noções de base que informam genericamente o funcionamento das sociedades contemporâneas.
GAUCHET, M., Storia di una dicotomia. La destra e la sinistra, Milão: Anabasi, 1994, orig. La droite e la gauche, Paris: Gallimard, 1990; cit. BOBBIO, N. 1995: 14/5
Vero.
"Fidel teria se declarado fascista. Era 'comunista' porque era anti-americano. Era um grande admirador do General Franco e em 75, na morte do ditador espanhol, decretou uma semana de luto oficial em Cuba.” (LUKÁCS, John, O Fim do Século 20: 47)
No Brasil, os interesses do capital se organizaram sob um formato corporativo, enquanto a representação dos interesses do trabalho foi organizada sob a forma de um sindicalismo tutelado. Essa diferença se expressa na combinação do corporativismo societal com o corporativismo estatal, que Oliveira Vianna tratou de distinguir, antecipando em quase meio século a literatura contemporânea sobre o corporativismo nas democracias.
BANDEIRA, Moniz; Melo, Clóvis e ANDRADE, A.T., O Ano Vermelho. A Revolução Russa e seus Reflexos no Brasil.

O governo petista seguiu àrisca a “herança maldita” e até agora tem se dado bem com o importante respaldo do Banco Central sob o comando de Henrique Meirelles, ex- tucano, ex-liberal, hoje PMDB. Ao mesmo tempo, deu certo a fórmula: bolsas-esmola no melhor estilo do voto de cabresto para pobres agradecidos; lucros astronômicos para os ricos, principalmente banqueiros, empreiteiros, grandes empresários. Quanto aos intelectuais, artistas, clérigos, mantiveram o encantamento pelo “proletário de esquerda. O Congresso foi anexado ao Executivo através de 'mensalões'.

BARBOSA, Maria Lucia Victor,
A marcha da estupidez, 13/6/2010 www.institutoliberal.org.br

A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor. O totalitarismo aspira ao extremo oposto da democracia: ele luta para pulverizar a sociedade e estabelecer um controle completo sobre esta [...] O objetivo último do totalitarismo é a concentração de toda a autoridade ns mãos de um corpo autodesignado e autoperpetuado de eleitos que se denominavam 'partido', mas parece uma ordem, cujos membros devem lealdade a seus líderes e uns aos outros. Esse objetivo pressupõe controle, direto ou indireto, conforme as circunstâncias, dos recursos econômicos do país.
PIPES, R., 2001:251
"No capitalismo jabuticaba, heterodoxo pela política, é assim: a defesa dos pilares da economia de mercado às vezes soa mais forte nos alto-falantes da esquerda do que nos da direita." (MALBERGIER, S., Jabuticaba: capitalismo turbina esquerda. - Folha, 28/8/2010)

Eu pedi ao Papa que nos seus pronunciamentos ele fale da crise econômica, pois, se todo o domingo o papa der um conselhozinho, quem sabe a gente encontra mais facilidade para resolver o problema.
SILVA, Luis da, Presidente do Brasil, Estadão, 13/11/2008
Parece óbvio que a estória se aproxima do fim.
No Brasil, ser de esquerda era ser contra a ditadura, e aí o conceito parou. Velhos políticos, como os nossos principais candidatos presidenciais, formaram-se nessa época e congelaram o conceito em sua cabeça. Os dois candidatos majoritários nas pesquisas seguem atraídos por conceitos que não fazem mais sentido. Em sua retórica de campanha batalham para responder à pergunta que o eleitorado não está fazendo: quem é mais de esquerda? Quando será que os candidatos a presidente vão acordar e perceber o que o povo brasileiro já aprendeu: que a esquerda e a direita ficaram ocas? Elas não querem dizer mais nada.
BARROS, Alexandre, Quem mais ainda é de esquerda? 21/8/2010
"O socialismo tradicional, com espaços na propriedade coletiva, e o gerenciamento econômico keynesiano não são mais relevantes." (GIDDENS, A.)
Longe de ridicularizar os aspectos irracionais do comunismo e do fascismo, devemos antes criticar estes credos políticos pela sua falta de conteúdo sensível e estético, pela pobreza de seu ritual e sobretudo pelo fato de que nenhum deles chegou a entender o papel que a poesia e a imaginação desempenham na vida da comunidade.
HERBERT, Read, O anarquismo e o impulso religioso, 1940, cit. WOODCOCK, 1971: 68
A consciência humana está transpondo um limiar tão importante como o que transpôs da Idade Média para a Renascença. O homem está faminto e sedento após tanto trabalho fazendo o levantamento de espaços externos do mundo físico começa a ganhar coragem para perguntar por aquilo que necessita: interligações dinâmicas, sentido de valor individual, oportunidades compartilhadas, efeitos. Nosso relacionamento com os símbolos de autoridade do passado está se modificando, porque estamos despertando para nós mesmos como seres, cada qual dotado de governo interior. Propriedades, credenciais e status não são mais intimidativos. Novos símbolos estão surgindo: imagens de unidade. A liberdade canta não só dentro de nós, como em nosso mundo exterior. Sábios e videntes previram esta segunda revolução. O homem não quer se sentir estagnado, o que deseja é ser capaz de mudar.
RICHARDS, M. C., The Crossing Point, 1973; cit. FERGUNSON, M.: 57
Resta avisar o pessoal.
__________
* Professor de Economia da Universidade de Nevada, Las Vegas, membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University Frankfurt, Alemanha. Autor de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo e The Economics and Ethics of Private Property.

Nenhum comentário:

Postar um comentário