quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A gente perdoa

NUNCA PRECISARA TRABALHAR; bastava fingir estudar. Era pago para isso! E ainda poderia escolher o tipo de estudo que lhe conviesse. O moderno era garantia de sucesso. Geralmente o moderno não está em uso. Por novidade, não é corriqueiro; torna-se ainda mais atraente. A via de sucesso era clara. O mundo caminhava para a desintegração do capitalismo, e isso anunciara Marx há século. O pseudoprofeta supunha que o capital se restringisse à matéria; e como tal, sujeito ao desgaste. Se o barbudo cogitasse de que a matéria é apenas energia estática, ou represada, não ousaria erguer seu edifício.
Marx se enganou redondamente, mas levou de roldão nações inteiras. Muitos líderes políticos e intelectuais passaram a ostentar o turbante. Desde a primeira década do século XX já se sabia que E=Mc2, mas isso transitava e era compreendido apenas por alguns setores da Academia da Física. No Direito, na Economia, com exceção das escolas de Chicago e de Viena, até na Filosofia, exceto por raras brilhaturas inglesas, mas principalmente na Sociologia, o interesse sobre a constituição do Universo é nulo. Solenemente, ignorada. Presumem os tolos que este conhecimento é lunático, sem serventia aos propósitos das carreiras. Supõem que tais assertivas sejam abstratas, e, por isso, dispensáveis.

Do embaçado telescópio da Sorbonne tudo se presumia ver, para prever. Os diletantes banidos do terceiro mundo, assim entretidos com a consagrada balela, não vislumbraram a janela: naquele 1968, pelas alamedas da Saint Michel dès Prés à Boulevard Saint German, eclodia um fantástico movimento social, jamais prognosticado. Os alfabetizados, voltados ao próprio umbigo, não foram capazes de levantar os olhos às letras garrafais dos muros adjacentes ao Quartier Latin:
QUEREMOS QUE A IMAGINAÇÃO CHEGUE AO PODER
O câmbio da Bobbone
A Sorbonne já deslocou Augusto Comte, mas os antigos residentes, ora pelo mundo afora, permanecem com o mico colado nas costas!
Alguns tem piedade de nós; muitos, ironias e sarcasmos.
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Crescendo como rabo-de-cavalo-
Com a queda da fascismo, houve a garbosa expansão marxista, mecanicista, materialista. Os batedores viram esta estrada-de-ferro como rail-way ao palácio.
No rodoanel foi instalado gigantesco tapume, mas em 89 tudo se veio abaixo. Por trás da cortina não havia nada. Nem ferro. Era tudo blefe.
Os avermelhados empalideceram. Nús, os fascínoras ora perfilam-se em neofascismos, num mercantilismo travestido; outros aderem ao neoliberalismo, embora sem a menor noção de tal sistema, posto jamais contemplá-lo.
O fascismo é mais conhecido. Com a queda do arquiinimigo, os ditadores de direita voltaram revigorados.1968 já é velha geração. O liberalismo havia sido abandonado há muito. Ademais, quem pode se interessar por um sistema pelo qual o desenvolvimento se desencadeia pela fuga do poder?-
O neomercantilismo é corruptela capitalista, revigorada pela decadência do maior adversário. O rei é substituído pelo déspota ungido por arranjos de cúpula, legitimados por escusos processos eleitorais, com caixas 2, imprensa imprensada, institutos engajados, e urnas eletrônicas. Não há como duvidar de qualquer resultado. E mesmo que fosse possível a conferência, daria no mesmo. Dos bastidores os "adversários" vem acordados:
"Cada partido compreende que interessa a sua própria conservação não permitir que se esgote o partido contrário." (Nietzsche, Crepúsculo dos ídolos, p. 39.)
Desde a tal "abertura-dos-portos" e das capitanias, adoramos a raia mercantilista, e dela jamais descolamos. As privatizações obedecem o corte. A corrupção campeia em larga escala. Em vez da espada, e do peleguismo corporativo, temos simplesmente o poder do dinheiro, circulante através de malas, não da produção. Em vez de decretos fascistas, o que temos são medidas provisórias, na verdade todas permanentes, e no interesse exclusivo do emitente. Seus principais mentores ficaram conhecidos como estelionatários do plano cruzado, mas a enormidade cruza a década. Ao povo resta o falso bilhete.-
Quarenta anos foram gastos pelo ambicioso socio logo para decorar as lições de Maquiavel, em primeiro plano, com Platão de suporte. Com a queda do muro, Marx foi abandonado, em troca da reativação de Augusto Comte, o pai da sociologia. Debruça-se em Max Weber, um curioso; e em Durkheim, um diversionista.
Pelo lado da economia, ninguém melhor do que Keynes para inflacionar, ou deflacionar o mercado. A produção e o consumidor foram alijados de um alto volume de crédito, com juros proibitivos somados a taxas injustificáveis. Resultado: as empresas patinam, outras fecham, o desemprego campeia, os crimes crescem de forma geométrica, acompanhados de índices crescentes de divórcios, de psiquiatras, de pastores, igrejas, de falências, e de advogados, muitos advogados, para tudo isso. Em casa que falta pão, todos brigam, e ninguém tem razão. Quanto à produção, não vem ao caso.
Não falta imprensa, devidamente aquinhoada com gordas verbas publicitárias, a propalar a higidez da economia. É fria. As notas de cem permanecem nos paraísos. O legado é quase de terra arrasada. O Brasil avança, dizia o slogan, mas como rabo de cavalo: para baixo!
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Uma obra primária
Li seu último arrazoado, longo, medíocre, enfadonho. Sofrível, trivial. Mais infantil, impossível. Alienado é adjetivo. Sofri, mas aferi. Cada página oferece um flanco ao ataque. Cogitei arrasá-lo, mas me contive. De nada vale açoitar cavalo morto.
Num dia de sonho, a grande surpresa: o artista viera me abraçar, pedir clemência, desculpas pelos graves danos. Com aquele ar de quem confia na bondade do interlocutor, disse-me que não tinha noção dos males que causara; que nada entendia de Economia, posto se dedicar apenas à meia dúzia de obras socio lógicas, as existentes dessa "ciência" arranjada. Arrependera-se. Não deveria, jamais, ter saído da esterelidade de sua cátedra.
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O perdão
Por mais velho, suponho que parta antes. Minha vontade era de fazer xixi em seu túmulo, para que ele sentisse os efeitos dos alimentos que somos obrigados a ingerir. Mas, diante da antecipada purga, resolvi perdoá-lo, e assim, esquecê-lo. Agora estou livre para me ocupar com algum salva-vidas. Preciso voltar à civilização. Tenho saudades de meus filhos; e muitos amigos à deriva. Como estou longe da costa, e grandes navios ainda reinam nos mares, ameaçando as pequenas embarcações, só uma nave que decole na vertical pode me levar de volta ao patamar. Eis a principal razão deste blog; mas é pouco, insignificante. Muito mais me resta a fazer.

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