quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Entre Oriente e Ocidente

 Na língua dos pássaros uma expressão tinge a seguinte.
Se é vermelha tinge a outra de vermelho.
Se é alva tinge a outra dos lírios da manhã.
É língua muito transitiva a dos pássaros.
Não carece de conjunções nem de abotoaduras.
Se comunica por encantamentos.
E por não ser contaminada de contradições,
a linguagem dos pássaros só produz gorgeios

Depois da maldita maçã vestimos macacão preto-e-branco, em listas horizontais, e devidamente numerados; Daí a Platão (428-347 a. C.) foi apenas um lapso:
Então veio, parece, um sábio astuto,
o primeiro inventor do medo aos deuses...
Forjou um conto, altamente sedutora doutrina,
em que a verdade se ocultava
sob os véus de mendaz sabedoria.
Disse onde moram os terríveis deuses das alturas,
em cúpulas gigantes, de onde ruge o trovão,
e aterradores relâmpagos do raio aos olhos cegam.
Cingiu assim os homens com seus atilhos de pavor
rodeando-os de deuses em esplêndidos sólios,
encantou-os com seus feitiços, e os intimidou –
e a desordem mudou-se em lei e ordem.
CRÍTIAS,  tio de Platão, líder dos Trinta Tiranos de Atenas
.
As bolsas de valores mundiais perderam aproximadamente US$ 10 trilhões desde junho afirmou o presidente do Banco Central, A. Tombini. O valor corresponde a  cinco vezes o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil em 2010, mas não tem nada a ver com a produção. Tal astronômico propalado se deve apenas a justificar ainda mais falcatruas além das que já vem sendo perpetradas contra nosso país há duas décadas. Apenas no último lustro a canhestra estratégia de saquear as contas dos correntistas em bancos foi aplicada pelo mundo mais atrasado -  primeiro no Eua, e ora na Europa. Os promotores das catástrofes são os governos estipulados,  e por isso a população tem saído às ruas. "A intervenção sem precedentes do Federal Reserve pode ser justificável ou não em termos estreitos, mas revela, mais uma vez, o caráter profundamente antidemocrático das instituições capitalistas, feitas em grande medida para socializar o custo e o risco e privatizar os lucros, sem uma voz pública." (CHOMSKI, Noah, do Massachusetts Institute of Technology, à BBC)
.
Aetas parentum peior avis tulit
nos nequiores, mox daturos
progeniem vitiosorem.

Horácio, Odes, Livro III, 6    
,
Nossos pais, piores que nossos avós, nos engendraram ainda mais depravados, e nós daremos uma progênie todavia mais incapaz.
Desde o anúncio do Declínio do Ocidente a civilização só aumentou seu poderio. O canto ocidental ultrapassou até mesmo a mais sólida muralha, de modo que se diante da estupenda crise o vaticínio mais do que nunca deve ser levado em conta, deveríamos esperar o coro dos cisnes pelos quatro cantos do planeta.
Boa parte das crises sociais, econômicas e ambientais que vivemos hoje vem de uma mentalidade estabelecida em uma época mais lerda e estável. Nela, quem era rico permaneceria rico, e quem era pobre só enriqueceria por milagre, casamento ou no final da vida. Típica de um tempo em que as coisas pareciam durar para sempre, como em uma eterna juventude ou infância, se é que há diferença entre elas. Na Europa, a terceira geração de quem sofreu muito na guerra está cheia de irmãs de Cinderelas, acostumadas desde crianças a se sentirem belas, poderosas, imperialistas e invencíveis enquanto abusam de suas criadas em uma decadência tão gritante que não se incomoda de ser chamada de Euro Trash e tomar o último gole de champagne enquanto o Titanic afunda. Nos EUA, a evasão de escolas e a importação de talentos deixa claro que a indústria do entretenimento, vista por muitos como instrumento de dominação global, acabou lobotomizando boa parte de seu próprio público.   O formidável enterro da última quimera
O mundo testemunha um inegável êxito contra a maré,  em inédita velocidade de desenvolvimento.
APESAR DA CRISE GLOBAL, a China não abranda. Em todos os domínios se pode dizer que acelera o seu desenvolvimento. Das suas universidades saem centenas de milhares de cientistas e engenheiros e os melhores destes fazem cursos de pós- graduação nas escolas ocidentais onde se vão apropriando e desenvolvendo o conhecimento de ponta. LETRIA, Joaquim, www.sorumbatico.blogspot.com
Não creio, todavia, que a emergência se faça hegemônica sobre a Terra, numa espécie de revanche contra o Ocidente, ainda mais  utilizando as mesmas catapultas que outrora lhe solaparam. A sintética solução  chinesa é recente, ainda chamuscada pelo inegável êxito do cientificismo ocidental, e quiçá devido ao sofrido isolamento pelo qual foi sitiada. Desta feita a China se deslumbra com sua própria capacidade interativa, e isso parece de acordo com seu mais antigo DNA A Filosofia tende a se impor sobre a Economia - esta é sazonal,  mutante por tecnológica; aquela resiste a intempéries, circunstâncias e apetites pessoais, por epistemológica. Entretanto, a vista da caverna projetava apenas sombras, e a sabedoria foi empregada apenas para resolver o emergencial pragmatismo - a tomada da Acrópole.. “Enquanto a tradição ocidental dá valor ou nao heroísmo e ao choque frontal de forças, a estratégia chinesa dá ênfase à paciência, à sutileza e ao acúmulo persistente de pequenas vantagens”, registra Henry Kissinger em On China (2011). Nosotros preferimos o retumbante brado espartano, o carma platônico, em qualquer regime: "O dualismo cartesiano, ao criar a bifurcação mente-matéria, observador-observado, sujeiro-objeto, moldou o pensamento ocidental, poucos filósofos discordando dele, cujos mais notórios foram Spinoza e Schopenhauer." (GOTTSCHALL: 189)
Nós gostamos das delimitações, das classificações, das hierarquias, das identidades claras. O essencial do esforço ocidental é afinal de contas nos traçados de fronteiras. Trata-se sempre, para nós, de esclarecer os contornos de uma idéia, de um objeto, de um projeto, de uma ato. Nós nos esforçamos de estabilizar esses contornos e de operar escolhas. Por exemplo: entre o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o homem e a natureza, os fiéis e os infiéis. O movimento profundo, na Ásia, é exatamente o contrário: trata-se de apagar as barreiras, as distinções, de dissolver ou de afastar o sujeito fechado, o conceito que resiste, as aparentes contradições que bloqueiam o movimento. Último objetivo: a fusão com o Todo, a inserção imediata em um real fluido e movediço. Chegar a esse estado onde todas as fronteiras param ou se apagam, viver nessa indistinção suprema, tal seria a sabedoria.   www.expressaototal.blogspot.com/2008/01/espiritualidade-asitica.html
"Tudo é duplo no homem, tudo se joga entre o tempo e a eternidade. Só o amor, que surge como raiva, libido, arrebatamento ou delírio divino, pode rasgar o reino da necessidade. (CHATÊLET, F:: 43)  Civilização bi-polar, par excellence. Demócrito até esteve em Atenas, mas ninguém dele tomou conhecimento.
O homem ocidental civilizado vive num mundo que gira de acordo com os símbolos mecânicos e matemáticos das horas marcadas pelo relógio. É ele que vai determinar seus movimentos e dificultar suas ações. O relógio transformou o tempo, transformando-o de um processo natural em uma mercadoria que pode ser comprada, vendida e medida como um sabonete ou um punhado de passas- de-uva. E pelo simples fato de que, se não houvesse um meio para marcar as horas com exatidão, o capitalismo industrial nunca poderia ter se desenvolvido, nem teria contnuado a explorar os trabalhadores, o relógio representa um elemento de ditadura mecânica na vida do homem moderno, mais poderoso do que qualquer outro explorador isolado ou do que qualquer outra máquina. WOODCOCK, A ditadura do relógio, In A rejeição da política, 1972 - http://lovedbdb.com/nudemenClock/index2.html
Isso tudo é fruto do medo da separação, trauma que cunhou o pensamento de Platão diante do abandono, do suicídio do carneiro-guia.  Paradoxalmente, a pressa traz a morte depressa. 
É uma questão que atualmente deve ser reconsiderada, tendo em vista que a fragmentação já se espalhou completamente, não apenas na sociedade, mas especialmente em cada indivíduo; e isso conduz a um tipo de confusão generalizada da mente, que por sua vez cria uma série infinita de problemas, interferindo com a nossa clareza de percepção de maneira tão grave a ponto de bloquear nossa capacidade de resolver a maioria deles. BOHM, D., Totalidade e ordem implicada: 17
A história chinesa não cabe em linguagem ordenativa, nem por descrição em palavras, muito menos pelos números. São conceitos que balizam as condutas, combinações sofisticadas que envolvem mediações culturais. Dependem do contexto da frase e dos tons com que serão lidos; termos abstratos se explicam por parábolas. Há uma exuberante carga simbólica. As sutilezas são incompreensíveis para nós, jumentos acadêmicos. Enquanto preferimos a retórica, a dialética, o sofisma, o discurso, e a perfídia, por que não dizer, para eles o mais importante sempre foi a relação com a natureza, simples esteio que cadencia o comportamento social. Por jamais excluírem as possibilidades sensitivas, comunicam-se com diminutos e estranhos rabiscos, e todos se entendem.
A simples existência da China cria um problema para os registros ocidentais sobre a história mundial. A Bíblia não dizia nada sobre a China. Hegel via a história mundial como tendo começado na China e terminado em uma crescente perfeição com a civilização alemã. A tese do fim da história com Fukuyama simplesmente substitui a Alemanha pelos Estados Unidos. Mas, de repente, o Ocidente descobriu que no Oriente existe essa tal de China: um grande império, com uma longa história e um passado glorioso. Um completo novo mundo acaba de surgir Leonard, 2008: 17.
Ao alívio da humanidade, a China dificultou o ingresso dos mitos produzidos pela Academia. Ela já tinha Confúcio, para dissipar a confusão. Ao povo ainda houve Lao-Tzé, fundador do taoísmo. De quebra, o colosso assimilou os ventos budistas do Himalaia. Malgrado algumas invasões bárbaras, dinastias manchus e mongóis, o lastro a tudo resistiu, embalando arte e literatura. Só depois de quase outro milênio a China foi, de certo modo, contaminada pelo vírus platônico impregnado de modo indelével no corpo ocidental. Aparentemente o marxismo combinava com seu desdém à matéria. Quando ficou patente a metonímia, ela se postou  a buscar um leito que melhor encaminhasse seu oriente, mas permanece o desdém original, flagrante nos preços mais baixos do mundo. A diferença fundamental: enquanto a maioria dos chineses, e de resto a civilização asiática almeja apenas o usufruto da vida, e para tanto busca uma sintonia com as forças cósmicas e naturais, nossa unanimidade visa o poder - sobre a Terra, a vegetação, os animais, e naturalmente, sobre o semelhante, do estrangeiro ao vizinho de condomínio. A tanta metafísica correspondem alavancas - portanto, precariedades.
.
O Mestre não se esforça pelo poder;
Por isso ele é verdadeiramente poderoso.
A pessoa comum recorre continuamente ao poder;
por isso ela nunca tem o suficiente.

TAO TE KING: 38
No amarelo pouco se vê os tradicionais signos de soma, subtração, divisão, ou multiplicação. Ele não mais se perde em dialéticas, as lutas de espadas dos pensamentos. Como a natureza é una, qualquer instrumento que a reparta evidentemente incorrerá em risco de assassiná-la. A percepção da unidade natural, representada pelo Yin & Yang preserva uma relação geralmente ética, por conseguinte científica, totalmente diversa do artificialismo que fundou a nossa estirpe.  Mas se insistirmos com os números, a China a pode apresentá-los em profusão: em 1978, ela emergiu do caos da revolução cultural (1966-1976), com um Produto Interno Bruto de 364 bilhões de yuanes. Em 2007, apresenta 25 trilhões de yuanes em 2007, ou 3,5 trilhões de dólares). Nos últimos 12 meses, a fortuna combinada das 1.000 pessoas mais ricas do país aumentou em 30%, para US$ 571 bilhões. A China tem hoje o segundo maior número de bilionários de todo o mundo. Quase todos que aparecem no ranking do Relatório Hurun são novos ricos. Construíram suas fortunas a partir do zero. Dos 1.000 integrantes da lista, menos de 1% herdou sua fortuna. No distrito financeiro de Xangai centenas de escritórios internacionais acorrem ávidos por fazer negócios. Mais de 700 escritórios de arquitetura e engenharia estrangeiros montaram bases na cidade. Em todos os domínios se pode dizer que ela acelera o seu desenvolvimento, não apenas nessas questões de papel. A meta de infraestrutura ao fim década atinge 9.500 quilômetros de estradas de rodagem de várias partes do país até o delta do Yang-tse, enquanto seus astronautas já voam pelo espaço. Das universidades saem centenas de milhares de cientistas, e empresários abrem picadas pelo mundo afora. A China possui o maior sistema educacional do mundo: 457 mil escolas primárias, 66 mil secundárias e 2 mil universidades. 100 escolas ministrando MBA, com um total de 50 mil alunos. O país tem seis universidades na lista das 200 melhores do mundo preparada pela Times Higher Education, com sede na Inglaterra. A Índia aparece com duas instituições, mesmo número da Rússia. O Brasil não tem nenhuma, malgrado por aqui religiosos e Estado se "preocuparem" com o ensino.
,
Foge por um instante do homem irado, mas foge sempre do hipócrita.

CONFÚCIO
Mal a China se abre ao mundo, e lá vem os romanos tentando recapturá-la: "Roma, 5 ago 2008 (EFE) - O papa Bento XVI afirmou hoje que é muito importante 'que a China se abra ao Evangelho'."
Quatro norte-americanos foram recentemente detidos tentando entrar com mais de 300 Bíblias no território chinês. Investidores estrangeiros perguntam sobre "a falta de um sistema de leis comerciais na China". Responde-lhes colega de Hong Kong: "Basta um aperto de mãos."
Quando você compreende a requintada coexistência de opostos, entra em alinhamento com o mundo da energia, o caldo quântico, a substância imaterial, que é a fonte do mundo material. O mundo da energia é fluente, dinâmico, elástico, mutável, eterno movimento. Ao mesmo tempo é imutável, quieto, tranqüilo, silencioso, eterno repouso. CHOPRA, Deepak, As sete leis espirituais do sucesso: 23
A ética suplanta a dialética, porquanto não se fratura. Eis um conceito mais simples, porém paradoxalmente incompreensível às viúvas de Sócrates. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário