sábado, 20 de março de 2010

O resgate da unidade



O Estado forte deveria impor coercitivamente a ordem social e política, para depois educar compulsoriamente o cidadão na nova mentalidade, ilustrada pela ciência positiva.
A SAGA DA FILOSOFIA BRASILEIRA NOS SÉCULOS XVIII E XIX, 20/3/2010
O que ocorreu foi que as premissas tecnocráticas quanto à natureza do homem, da sociedade e da natureza, deformaram-lhe a experiência na fonte, tornando-se assim os pressupostos esquecidos de que se originam o intelecto e o julgamento ético. LEONI, B.: 66
.E assim despenca a humanidade: 
Durante longo tempo o ideal do conhecimento científico foi aquele que Laplace havia formulado com sua idéia de universo totalmente determinista e mecanicista.
Segundo ele, uma inteligência excepcional dotada de uma capacidade sensorial, intelectual e computacional suficiente poderia determinar qualquer momento do passado e qualquer momento do futuro. É essa visão pueril e talvez louca do mundo que está prestes a desmoronar, mas ela ainda reina, e efetivamente excluiu todo o problema da reflexividade.
MORIN, Edgar 2000:32
"Ainda reina"? Cruzes! O farol de alerta data da mesma época de Laplace. A postulação eletrodinâmica de FARADAY e MAXWELL, consubstanciada pelas experiências de HERTZ, emprestou consciência à ciência, forte para emendar toda gente: a matéria inserida no espaço provoca fenômenos nunca dantes cogitados. O campo traduz efeitos da fonte passante. E o próprio campo oscila com a passagem. O que se supunha vazio, e por isso a razão daquela "ponte" greco-romana, na verdade carrega um conteúdo repleto de energia.
O ocidente vem contornando a própria realidade,
suporte de infinitas informações, dinâmica de eventos inter-relacionados. Todos compomos o tecido cosmológico. Qualquer distinção se faz arbitrária, ignorante, se me permite, para ser mais enfático. É mesmo de arrepiar: além do desrespeito à ecologia, foi pela mesma ignorãncia que enormidades sócio-políticas foram ao cúmulo. E o programa permanece em cartaz, como informa, direto da França, nosso esperançoso TriPulante MORIN? De fato, por lá, aqui, e alhures, continuam as reverberações do insano comboio. Abala-nos uma espécie de radiação cósmica de fundo, restrita às duas ondas constantemente entrecruzadas. A sociedade não se livra do drama bipolar, cujo norte é o bem, e o sul nem precisa dizer, mas não falta quem o saliente:
"Olhe para o passado e aprenda com ele, para que você não seja mais um imbecil que serviu como intrumento do diabo no passado para propagar o medo e fazer o marketing pessoal de satanás." (www.dihitt.com.br/barra/o-final-dos-tempos-e-agora-)
O providencial surgimento de algum integrante da fabulosa orquestração aplaca a desesperada luta intestina, e assim a gente se mantém enredada no script da Renascença:
"Notei que havia homens na luz e outros na escuridão. E todos seriam julgados. Com meu talento, faço o bem e sou instrumento de Deus." (CARLOS ARAÚJO, pintor. - Estadão, 21/3/2010)
As esquálidas e mareadas mentes dos governantes oscilam naquele pêndulo dos '30, também na balada renascentista, genuinamente maquiavélica. Promovem ameaças, e precipitam anacrônicas crises através de palimpsestos.
Infelizmente o Estado* e a parceira religiosa ministram a educação e administram a cultura. Interessa-lhes incrementar fluxos e refluxos, promotores das ondas, para seus artífices surfarem:
Uma grande antropóloga inglesa escreveu um livro capital, intitulado Pureza e Perigo. A tese é que quanto mais puro e inocente, mais sujeito a despudores, pecado e sujeira. Há, como sugere Mary Douglas, uma complementaridade entre essas oposições, de tal sorte que quanto mais se salienta um lado, mais o seu contrário adquire força como pano de fundo ameaçador e potencialmente intrusivo. O povo escolhido é, como o cordeiro de Deus, o mais perseguido. O mais pobre é, como diz a demagogia nacional, o mais honesto: a única categoria que precisa de governo!...
DAMATTA, Roberto, Cinismo & indignação , 21/03/2010
A redenção
A ciência dos campos livrou os investigadores científicos do milenar maniqueísmo. A espetacular reversão, verdadeira redentora, constituiu a chave para as descobertas da relatividade, e dos pontos que entrelaçam o Universo. JOHN WHEELER (cit. ROHMANN, Chris: 345) sintetiza a primeira:
“A massa informa ao espaço como se curvar; o espaço informa à massa como se movimentar.”
NIELS BOHR (Física Atômica e conhecimento humano: 30)
completa:
Nossa penetração no mundo dos átomos, antes vedado aos olhos do homem, é de fato comparável às grandes viagens de descobrimento dos circunavegadores... Essa descoberta, com efeito, gerou uma novíssima base para que se compreenda a estabilidade intrínseca das estruturas atômicas, a qual, em última instância, condiciona as regularidades de todas experiências corriqueiras.
Ao largarem de mão a exuberrante carga metafísica, o obstáculo epistemológico acarretado pelas estanques disposições de força e matéria, os pesquisadores se dedicaram às "intersecções" do EspaçoTempo, liames e vetores escalares da estupenda teia. Nas "experiências corriqueiras" brotou o surreal:
Assim, descobriu-se recentemente que na natureza tudo está subordinado a uma ordem, até mesmo os fenômenos confusos, sem nexo, totalmente imprevisíveis. Esta ordem ‘superior’ é capaz de explicar eventos aparentemente randômicos - não importa se se trata de bolsa de valores, da mudança na temperatura de nosso planeta, ou da maneira que nós formulamos nossos pensamentos – e que podem ser expressos tanto em fórmulas matemáticas e físicas, quanto em belas imagens (os chamados fractals) disformes, mas com uma atraente irregularidade. Todos esses eventos têm algo em comum: o fato de serem atraídos a certos estados da natureza, o que lhes dá unidade, se bem que disfarçada.
WITKOWSKI, Bergè: 275

Em linguagem técnica trata-se do caos, entropia somente viável por anarquia, ou seja, despida de hierarquia, esta necessariamente elitista, centralizadora, preferencial de NEWTON, COMTE, HEGEL, HITLER, STALIN, e estereotipados.
“A racionalidade jurídica é uma imagem ideológica para legitimar o sistema jurídico positivo a partir de uma aparência de racionalidade, cujo fundamento é mais mítico do que racional, ou seja 'mitológico'.” (LENOBLE, J., e OST, François, Droit, Mythe e Raison, cit. COELHO, L. F., cit. Teoria Crítica do Direito: 128)
Pois a dinâmica natural, inclusive em seu aspecto palpável, de modo algum se realiza por ordem rígida, predeterminada.
“Há infinitos universos paralelos formando ramificações. Em cada um se atualiza uma realidade”. (TOFFLER & TOFFLER : 20)
"A manutenção da organização na natureza não é - e não pode ser - realizada por uma gestão centralizada, a ordem só pode ser mantida por uma auto-organização." (BIEBRACHER, C. K.,; NICOLIS, G., SCHUSTER, R., cits. PRIGOGINE, I.: 75)
Uma colméia é a perfeita imagem de uma ‘anarquia cósmica’, isto é, uma perfeita ordem e harmonia sem nenhum governo externo; o sem governo (anarquia) se refere a um fator extrínseco, mas o governo (autarquia) está dentro de cada abelha. É a consciência apiária que governa e, por isto, não há necessidade de uma organização externa.
ROHDEN, H.: 81
MICHEL SERRES (cit. DESCAMPS, Christian: 101) corrobora:
Consideremos uma colônia de formigas cujo movimento, aparentemente browniano, vai aparecer agora, após longo tempo, ordenado na construção de um formigueiro. Esse último é uma obra gigante com relação a dimensão dos indivíduos, e uma obra bastante regular com relação a desordem do vaivém deles.
A massa circunscrita, ou melhor, o conteúdo da energia do passageiro é que dispõe, define rumo e ritmo que lhes são mais apropriados:
"Cada forma de vida inventa seu mundo (do micróbio à árvore, da abelha ao elefante, da ostra à ave migratória) e, com esse mundo, um espaço e um tempo específico." (LÈVY, Pierre, cit. PELLANDA e PELLANDA: 118)

JAMES GLEICK (Chaos- the making of a new science, 1987, ou Caos: o Nascimento de Uma Nova Ciência, 1991) chama atenção às atuais preocupações:
Cientistas de hoje procuram saber como os sistemas se comportam na turbulência, como a ordem evolui de condições caóticas e como os sistemas de desenvolvimento alcançam níveis elevados de diversidade. Essas indagações são extremamente pertinentes para as companhias e a economia. Livros sobre gerenciamento falam como 'prosperar no caos'. **
Francamente! Dever-se-ia instruir como prosperar sob crivo ideológico, isto sim. Se impossível crescer sob vara, cerrar forças para extingui-la. Pronto. A natureza de cada um se encarregará de enriquecer o todo, sem requerer manual:
Elimine moral e leis, e as pessoas farão o certo.
TAO TE KING: 19
O fenômeno tende a se realizar de modo ético, pelo respeito:
A partícula ao se propagar pelo espaço emite um campo que informa esse seu movimento no sentido de um 'abre-alas que eu quero passar' (como se fosse um empurrar a distância). Literalmente falando, ela empurra a distância tudo o que está a sua frente, e certamente receberá uma reação dinâmica conveniente (o que pode até mesmo provocar uma reflexão total)
MESQUITA FILHO, Adroaldo, Debates 'Ciencialist 2003' a respeito de uma Nova Teoria a propor as bases para o entendimento da Natureza Íntima da Matéria www.ecientificocultural.com/ECC2/Dialogos/
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O pedaço de matéria nada mais é senão uma série de eventos que obedece a certas leis. A concepção de matéria surgiu em uma época em que os filósofos não tinham dúvidas sobre a validade da concepção 'substância'. A matéria era a substância no espaço e no tempo; a mente, a substância que estava só no tempo. A noção de substância tornou-se mais vaga na metafísica no decorrer dos anos, porém sobreviveu na física porque era inóqua - até a relatividade ser inventada. Um pedaço de matéria, que tomávamos como uma entidade persistente única, é na verdade uma cadeia de entidades, como os objetos aparentemente contínuos em um filme. E não há razão pela qual não possamos dizer o mesmo quanto à mente: o ego persistente parece tão fictício quanto o átomo permanente. Ambos são apenas uma cadeia de eventos que têm certas relações interessantes uns com os outros. A física moderna nos permite dar corpo à sugestão de Mach e de James de que a 'essência' do mundo mental e do mundo físico é a mesma.
RUSSELL, Bertrand, Ensaios céticos: 74
"Isto faz dos seres vivos elementos numa vasta rede de inter-relações que abarca a bioesfera de nosso planeta – que em si mesma é um elemento interligado dentro das conexões mais amplas do campo psi que se estende pelo cosmos." (LASZLO: 198)
Esta sociedade da informação está começando a introduzir essencialmente uma transferência de foco: da força física para o poder da mente, do capital financeiro para o capital intelectual, do homem extrativista para o ser integrado com a natureza.
RIO NETO, Antônio Sales,
Complexidade e transformação organizacional: construindo novas percepções na administração judiciária sob a luz da Nova Ciência. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 23 , abr. 2008.
Isso decide:
Toda a fala, toda a ação, todo o comportamento são flutuações da consciência. Toda a vida emerge e é mantida na consciência. O universo inteiro é expressão da consciência. A realidade do universo é um oceano ilimitado de consciência em movimento.
MAHARISHI MAHESH YOG
Veremos, pois, como a moderna Teoria das Cordas se encaixa, a meu ver praticamente impecável, com toda essa realidade outrora invisível, ora emergente pela farta evolução e aplicação tecnológica. Mas antes, já que é fim-de-semana, exercito meu físico junto ao predileto e resistente saco-de-pancadas. Mostrarei seu estado, deplorável, com certeza!
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Notas
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A teoria do caos não só fornece uma explicação para as flutuações de uma economia de mercado, mas também demonstra que o Estado não tem o conhecimento necessário para adotar as medidas anticíclicas corretas. Na medida em que é extremamente baixa a probabilidade de se alcançar um estado final desejado em um mundo caótico, é difícil enxergar como o governo poderia especificar uma política para atingir esse objetivo, a não ser por acaso.
ROSSER, J.B. Jr., Chaos Theory and New Keynesian Economics, The Manchester School, Vol. 58, n. 3: 265-291, 1990; cit. PARKER & STACEY: 95


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A coqueluche desencadeada pela Teoria do Caos se originou no famoso MIT. O meteorologista EdWARD LORENTZ, no início da década de 1960, ao desenvolver um protótipo para computador que simulava variações metereológicas, percebeu que as menores alterações poderiam produzir drásticas conseqüências. Para radicalizar o quadro: bater asas em Chicago pode desencadear uma chuva torrencial em Caracas. A partir daí, o fenômeno passou as ser descrito como 'efeito borboleta'. Cientistas de diversos outros campos, entre eles o destaque ao premiado Nobel de Química Ilya Prigogine, começaram a investigar se havia 'efeitos borboleta' em outros domínios também. E havia.


3 comentários:

  1. Caríssimo amigo Cesar,
    Sinto-me honrado e feliz em poder contribuir com mais uma rica "conexão epistemológica". Seu texto está primoroso.
    Abraço,
    Antônio Sales

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  2. Reitor Antônio Sales,
    Orgulha-me sua companhia. Lisonjeado por tão afetuoso registro.
    Votos de sucesso crescente.

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