segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O mito e a precariedade do Direito

Na Grécia, berço das artes e dos erros e onde se levou tão longe a grandeza e a estupidez do espírito humano, raciocinavam sobre a alma como nós. 
VOLTAIRE, «13.ª carta», Cartas Filosóficas.
O diapasão religioso
Ao legislador não podemos, em nenhum ponto, lhe recusar a nossa, fé; e assim será também quando nos assegura ser a alma algo de completamente diferente do corpo e que, na vida, é justamente a alma, e não outro ser, que nos torna a cada um de nós o que propriamente somos. O corpo, pelo contrário, nos segue a cada um somente como uma espécie de sombra, dizendo-se, por isso, com razão que, sobrevindo a morte, os cadáveres não são mais do que simulacros dos mortos; pois, o verdadeiro homem é um ser imortal, cujo nome próprio é a alma, que entra na comunhão dos deuses para dar contas de si. PLATÃO Leis, 959
ZARATUSTRA bem me avisou sobre o perverso projeto pelo qual a civilização ainda é traída. O embaixador O.M. PENNA, (O espírito das revoluções: 83) constata a procedência: O “A afirmação mitológica da maldade inata na natureza humana encontra-se, como se sabe, na Bíblia. Ela está explicitada no episódio de Caim e Abel, como corolário da tese do Pecado Original; e foi filosoficamente elaborada por Santo Agostinho.”  Afeto aos gregórios, o ocidente vem assim engolfado, submetido; Submete-se docilmente, mas uma doçura adjacente da mais falsa humildade. A ambição desmedida exige a mentira, mas o medo ainda mais, de modo que um mente ao outro.
É necessário que tal cidade não seja una, mas dupla, a dos pobres e a dos ricos, habitando no mesmo solo e conspirando incessantemente uns contra os outros.  PLATÃO, A República, livro VIII., cit. SAUTET, M.: 252
A ideologia cria uma 'falsa consciência' sobre a realidade que visa a modo de suprir , morder e reforçar e perpetuar essa dominação. (Wikipédia)
Os criadores de Deus obtiveram seu passaporte ao introduzirem na mente de todos que sua Entidade era superior a qualquer outra, e assim vem conduzindo mansamente a quase totalidade do globo. A pessoa não tem a menor idéia como seria tão inimaginável poder, mas finge que acredita, assim enganando quem lhe rodeia, o qual por sua vez também se mostra fiel aos mais tradicionais preceitos, lapidados já por milênios. Todos os fatos que pude observar concomitantemente a um aprofundado estudo sobre este start e seus desdobramentos me garantem que a religião comete um pecado inimaginável, capital, sim, por decapitar todos os cérebros  em troca do seu mais do que simplório artifício.
Os homens tinham a teoria de que a matéria celestial era fundamentalmente diferente da matéria terrestre e que era natural que os objetos assim caíssem, enquanto era natural que os objetos celestiais, tais como a Lua, permanecessem parados no céu. BOHM, David, Totalidade e ordem implicada: 20
A civilização vem levada a crer que detém o livre-arbítrio, e assim é embretada entre o certo e o errado, o que pode, e o que não pode,
Bem e mal são categorias inventadas pelo homem para conviver. [...] A imensidão do espaço não pode ser analisada do ponto de vista do bem e do mal. Não tem sentido, nenhum sentido, do ponto de vista do bem e do mal. BOBBIO, N., e VIROLI, M.: 79
Os distintivos ocupam o âmago do ser humano: a alma, divina; o corpo, mundano. Eis a luta travada em maior ou menor intensidade por cada um de nós. As coisas do mundo, por pecaminosas, muito pesadas, precisam ser contidas, e a história mostra com clareza ao que leva os pecados capitais muito bem elencados pela grei eclesiástica. Ela própria é exemplo e testemunha, nas fulgurantes participações primeiro do crápula Constantino, quiçá a performance mais brilhante de um poder imbuído de forças extra-terrenas, e depois pelos papas renascentistas, os florentinos treinados por Maquiavel. Pois o livre-arbítrio existe justamente para ao se designar o nefasto a massa seja conduzida ao bem do introdutor, que pode até coincidir com o bem da massa, mas geralmente lhe amassa. Ela não vem ao caso, e assim o Ocidente vem empacotado. Entre uma centena de cientistas que tem a coragem de enfrentar o monstro criado, e o São Jorge louvado, e sei lá quantas trilhões de pessoas que já passaram pela face da Terra é óbvio que o cotejo tem vencedor, ainda antes de entrar em tela, de modo que sendo uma questão de crença, e não de ciência, cada qual deve cultivar a sua. Apenas um detalhe: nenhuma crença é pessoal, fruto da própria imaginação, Ela surge encorpada. Talvez o espiritismo possa explicar tanta reencarnação:
Herdam-se as leis e os direitos em profusão. Como uma eterna doença que segue sem parar, elas se arrastam de geração a geração, e se vão suave de lugar para lugar. Bom senso torna-se bobagem; benefício, tormento. Mefistótofoles, in GOETHE, Fausto: 65
A extensão do carma
O conhecimento dos fatos antigos, chamados históricos, afeta a interioridade e a exterioridade do homem que procura se conformar intimamente com mitos e heróis e que, externamente, se empenha em seguir seus modos de agir e dominar. Com esse comportamento, assimila o despotismo da história e assume a máscara de seus personagens centrais. MIORANZA, Ciro, in NIETZSCHE, F., Da utilidade e do inconveniente da história para a vida: 10
Exato. Fila indiana. O cruel MAQUIAVEL jurava que a natureza humana era essencialmente má e os seres humanos queriam obter o máximo ganho a partir do menor esforço, apenas fazendo o bem quando forçados a isso. No dizer de HOBBES o homem se fazia lobo do homem, um autômato. Pelo diagnóstico de DESCARTES, o indivíduo nasce dotado de más intenções. Conforme ROUSSEAU, o ser é produto de eterno conflito, igual ótica de HEGEL. No catastrofismo de MALTHUS, somos meros reprodutores. Pelos legisladores BENTHAM e MILL, ADÃO era muito egoísta. Mísero símio, na configuração de DARWIN. Exclusivo materialista, pelo prisma de MARX. Um elemento impregnado de neuroses e psicoses, de tanta guerra interna, pela interpretação psicanalítica de FREUD.
Existem tempos nos quais os homens são tão diferentes uns dos outros que a própria idéia de uma mesma lei aplicável a todos lhes é incompreensível. TOCQUEVILLE, A. 1997, Livro Primeiro, Capítulo III: 61
Estamos no XXI, o da Maioridade, mas a civilização continua engatinhando. Foi assim que ela começou a usufruir o mundo, de modo que se apresenta ainda mais infantil, por alienada, Que adianta trilhões e trilhões a trilhar o mesmo rumo? Neste caso bastaria Adão e Eva e fim! Mas, dizia, ainda na adolescência fora alertado, de modo que facilmente me livrei desses barbantes. O mesmo não se sucedeu, entretanto, com relação ao seu desdobramento cívico - a instituição da Lei, e da Justiça correspondente. Seria o Direito também dispensável? Uma sociedade que se afirma civilizada poderia se manter desprovida das amarras religiosas, e, para completar, fora de um Estado de Direito? O que diria o carrilhão elencado desde o adolescente XV? Poderia o ser humano de repente se tornar bonzinho, verdadeiramente celestial? Isso sim seria um mito, utopia par excellence. Perfeição absoluta? Não, propriamente,  mas que tal vislumbá-la, como sugere a própria metafísica pela plêiade invocada, no fito de nosso aperfeiçoamento, se não total, pelo menos o mais perto que pudermos do arco, por que não? E é mesmo tendência natural o ser humano buscar o aprimoramento em todas as áreas e sentidos nos quais atua. Consciente atalha caminho. "Estados de Direito", a meu ver, são todos constituídos.  Em Cuba não se pode dizer que haja Estado de Direito; no entanto, a Nação cumpre as leis impostas, de modo que para os cubanos não só há o direito, como sérias penaliidades para quem ousar desdenhá-lo. A Venezuela do companheiro Chávez lhe complementa.
Como tocar a Justiça e o Direito que lhe corresponde na vala comum religiosa, taxando-a também categoricamente de mito, assim requerendo sua desconsideração por nulidade, mas não só por isso, um zero altamente prejudicial, porquanto o buraco-negro é forte para arrastar apaixonadas razões? A razão é elementar: elas são irmãs de sangue; a rigor, siamesas, na  mútua dependência:
Durante o século IV a.C., verificou-se, no mundo grego, uma revivescência da vida religiosa. Segundo alguns historiadores, um dos factores que concorreram para esse fenômeno foi a linha política adotada pelos tiranos: para garantir seu papel de líderes populares e para enfraquecer a antiga aristocracia, os tiranos favoreciam a expansão de cultos populares ou estrangeiros. Dentre estes cultos, um teve enorme difusão: o Orfismo (de Orfeu), originário da Trácia, e que era uma religião essencialmente esotérica. Wikipédia
Os Trinta Tiranos  introduziram na mente de todos que Leviathan deve ser superior aos cidadãos, invariavelmente súditos. Cabe-lhe. pois, definir aos incautos o que devem e o que não devem fazer, para bem servi-lo.
Em termos religiosos, este tratamento do indivíduo, considerado simplesmente como parte da comunidade, é uma negação da relação pessoal entre a alma e Deus e uma substituição do culto de deus por um culto da comunidade humana - o Leviathan, isto é, a repulsa ao isolamento que está onde não devia estar. O culto do Leviathan é uma enormidade moral, (no sentido de um grande absurdo ou de uma anomalia moral) mesmo em sua forma mais nobre ou suave TOYNBEE, A., Estudos de História Contemporânea - A civilização posta à prova : 219.
A história do Império romano é também a história da subversão, do império das massas que absorvem e anulam as minorias dirigentes e se colocam em seu lugar. Então se produz também o fenômeno da aglomeração, do cheio. Por isso, como observou muito bem Spengler, foi preciso construir, como se faz agora, edifícios enormes. A época das massas é a época do colossal, 0 trágico daquele processo é que, enquanto se formavam estas aglomerações, começava o despovoamento das campinas, que havia de trazer a diminuição absoluta no número dos habitantes do Império. Vivemos sob o brutal império das massas. Perfeitamente; já chamamos duas vezes "brutal" a este império, já pagamos nosso tributo ao deus dos tópicos; agora, com o bilhete na mão, podemos alegremente ingressar no tema, ver por dentro o espetáculo. GASSET, José Ortega Y, Rebelião das massas.
O Renascimento aconteceu por clonagem:
A Academia Platônica, fundada por Marsilio Ficino, com consentimento de Cosme de Medici, elabora com efeito uma doutrina destinada a uma larga difusão, por longo tempo benéfica à manutenção da hegemonia cultural florentina, mas da qual os Medici são os primeiros a tirar vantagem concretamente. LARIVAILLE, P.: 161.
Destaco sua precariedade a fim de ensaiar uma formulação social despida de preconceitos, sem condicionamentos, sejam  religiosos, jurídicos,  históricos, ou  ideológicos.
Tanto o Direito como a Política jamais poderão ser reduzidos aos esquemas axiomáticos-dedutivos, expressos pelas ciências exatas, as quais se caracterizam por conter um elemento interno de coerção, que as torne indiscutíveis - mas sim, com um repertório de topoi, ou seja, certas fórmulas de procura - para usar as palavras de Viehweg, pontos de vistas universalmente aceitos e utilizados, empregados tanto a favor como contra e parecem conduzir a verdade. FARIA, José Eduardo, Justica e Conflito, Os juizes em face dos novos movimentos sociais: 87
Querer encerrar todo o direito de um tempo ou de um povo nos parágrafos de um código é tão razoável quanto querer prender uma correnteza numa lagoa. Cada um desses códigos estará superado necessariamente pelo direito vivo, no momento em que estiver pronto, a cada dia ainda mais antiquado. ERHTICH, EUGEN, cit. COELHO, LUIZ FERNANDO, Teoria Crítica do Direito: 286
Reversão
O estudo de como surge a ordem, não em conseqüência de um decreto de cima para baixo da autoridade hierárquica, seja política ou religiosa, mas como resultado de auto-organização por parte de indivíduos descentralizados é um dos acontecimentos mais interessantes e importantes de nossa época. FUKUYAMA, F., 2000: 18
A natureza, a qual  faz-se per se, em evolução atômica, expansiva, e não  Deus, tampouco o Estado, e muito menos nós, é muito mais ampla do que qualquer consciência ou imaginação, superior  a qualquer técnica, ou artifício que se possa promover. Precisamos apenas melhor conhecê-la, em vez de mirarmos nosso socrático umbigo. E ela se muove, anunciou Galileu. 
Acredito que quem estiver entrando no caminho da iluminação será absolutamente impecável em tudo o que fizer. E por causa do medo da condenação? Não. Ou de punição de Deus, ou porque pequei e não alcancei o perdão? Não, não, não. Os verdadeiros iluminados verão que toda a ação tem uma reação com a qual eles terão de lidar, e se formos sábios, não faremos coisas que nos levarão a ter deenfrentar resolver e equilibrar isso em nossa alma mais tarde. Esse é o verdadeiro critério.LEDWIN, M., cit. ARNTZ, W.: 203
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