Na Argentina, como no Brasil, na década de 20, há um esforço poderoso de definir a identidade nacional: estamos no momento da criação dos nacionalismos. Em ambos os países critica-se o modelo liberal conservador adotado no século anterior. O liberalismo e o democratismo são postos em xeque. O fantasma vermelho do bolchevismo é agitado para reivindicar a ordem autoritária e disciplinadora, formadora de um povo uniforme que, no caso argentino, identifica-se como não-nacional, estrangeiro, e freqüentemente judeu. Em ambos os países se afirma que a fórmula, inautêntica, inexpressiva, é cópia de instituições alienígenas que não correspondem ao país real. Foi nesta mesma época da visita de Einstein que se publicou a obra organizada por Licínio Cardoso, 'À Margem da História da República', na qual essas críticas são formuladas por O. Vianna e outros. Dez anos antes essa linha de argumentação tinha seu expoente em Korn na Argentina, e Torres no Brasil. Na construção do nacionalismo autoritário argentino prevalece uma perspectiva 'romântica' que procura na história nacional e ibérica, na sua continuidade, os fundamentos de uma identidade cultural e política que apela ao autoritarismo. No Brasil, a descrição sociológica, de raiz positivista e especialmente comtiana, é um fundamento importante de sua construção que, por certo, coexiste com outras fontes de fundamentos. LOVISOLO, H., , Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, Estudos Históricos:55; MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Org. : Einstein e o Brasil: 234
Nada de novo no front (ocidental)
Há diferenças óbvias entre os países latino-americanos, mas as semelhanças são marcantes, por exemplo, com respeito as tradições de autoritarismo e envolvimento militar na política, de injustiça social e de sistemas econômicos 'mercantilistas' ou 'corporativistas' que tanto contribuíram para essa injustiça. No estadismo ibérico o cidadão acredita que o Estado - e não ele mesmo - deve resolver os problemas de sua vida. O simples complemento desta representação consiste em pensar que também o Estado (nacional ou outro) - e não o próprio cidadão - é responsável pelos malogros.
A diferencia de los otros, el movimiento justicialista era ideológicamente cristiano, y tanto lo era, que por diez años consecutivos el clero argentino, desde su más alta jerarquía, hasta el más humilde cura de campaña, apoyó al Peronismo, ta nto en sus campañas electorales como durante su gestión partidista en el gobierno. (JUAN DOMINGOS PERÓN, Perón y el justicialismo, Int.)
No Congresso América 92 - Raízes e Trajetórias, a Professora Marilena Chauí condenava a formação política de nosso continente, porque lastreada no fortalecimento repressivo e violento do Estado,“único sujeito histórico e político do país”. O curioso é que recém caminhávamos sem coturnos. Mas a conceituada catedrática citava a característica dos regimes despóticos, demonstrando como a mistura dos três poderes, veiculados originalmente em Montesquieu, enfeixam-se nas mãos de um pequeno grupo, mais moderno e mais “democrático”, substituto do déspota único, capaz de encarnar com maior eficácia uma arranjada “Vontade Geral”. Queixava-se: “Não se consegue desenvolver os ideais socialistas da justiça sócio-econômica, da liberdade e da felicidade, da cidadania participativa e da sociedade auto-organizada.” Tampouco qualquer arremêdo liberal: “A 'vontade geral' tem sempre razão e, enquanto tal, está sempre espreitando a vida privada do cidadão soberano, por sobre seus ombros.” (Koselleck, Reinhart: 144)
O continente tem, até hoje, uma relação debilitada com a modernindade. E as constituições têm, com freqüência, até hoje, um caráter meramente retórico, sem que haja uma identidade entre Constituição e realidade. É como uma cobertura sobre o bolo. O bolo é a herança cultural dos 400 anos. A modernidade é apenas a calda que cobre, mas não chega a adentrar o bolo. BARLOEWEN, Constantin von, professor de Antropologia Comparada da Escola Superior de Design e Artes de Karlsruhe - www.deutsche-welle.de/dw20.10.2008
A semelhança da "vontade geral" com o gosto dos chefes latinos já fora detectado por ninguém menos do que o próprio “libertador” Simon Bolívar: “Não podemos governar a América. Este país cairá infalivelmente nas mãos da multidão desenfreada, para passar em seguida às mãos de pequenos tiranos, quase imperceptíveis, de todas as cores e de todas as raças.” (cit. Minguet, Charles, Myrthes fondateurs chez Bolivar, 'Simon Bolivar', Cahiers de l'Herne, 1986, p. 117; cit. Gusdorf, G: 259)
A América Latina gosta de perder décadas e oportunidades. Aceita caudilhos, tiranos e tiranetes com razoável regularidade. Tolera que seus governantes confirmem as caricaturas feitas sobre a região. Usa, para se dividir, o que seria fator de união: a Amazônia, os rios comuns, a energia. A América Latina gosta de terceirizar suas culpas, achando que suas mazelas são imposições externas. LEITÃO, Mirian, O Globo, 19/4/2009
Foi sempre mais cômodo a esta América, dos escravos, silvícolas e bandidos extraditados, dos católicos espanhóis e portugueses, “copiar” os sentimentos da matriz: “O nacionalismo latino-americano é, como os cavalos e os jesuítas, ou como o Direito e o castelhano, uma importação européia.” (Mendoza, P. Montaner, C. Llosa, A.: 207) Junto, veio o molde centralizador:
O monopólio, os privilégios, as restrições a livre atividade dos particulares no domínio econômico e em outros são tradições profundamente arraigadas nas sociedades de origem espanhola. Diante dessa situação, a reação espontânea de um chefe de governo, herdeiro da tradição mercantilista espanhola, será sempre a de intensificar controles, multiplicar restrições e aumentar impostos.(Idem: 126)Richard Morse, (Entrevista a Carlos Eduardo Lins da Silva, Folha de São Paulo, 11/10/92) ex-professor da Universidade de Yale, ex-diretor do programa latino-americano do Woodrow Wilson Center, Washington, referenda a teoria de que a colonização inglêsa teve aspectos de modernismo não aplicados pelos ibéricos. Morse ainda enfoca a peculiaridade climática vivida por Espanha e Portugal na época dos grandes movimentos político-científicos e lembra a permanência intocada que ficou a região diante da Reforma ou do Renascimento. Constata, ainda, que naqueles domínios não houve nenhuma revolução científica importante, ninguém equivalente a Hobbes ou Locke, ou mesmo a Rousseau, ou a uma revolução industrial. Em outras palavras: a região ibérica destoou da aceleração político-cultural do resto do continente. (O célebre professor, todavia, crê ser possível uma metamorfose, advinda da nova observação, “de enfoque globalizante ou holístico do mundo na Íbero-América.”)
Faz 50 anos, o México era mais rico que Portugal. Em 1950, um país como o Brasil tinha uma renda per capita mais elevada que o da Coréia do Sul. Faz 60 anos, Honduras tinha mais riqueza per capita que Cingapura, e hoje Cingapura em questão de 35 a 40 anos é um país com $40..000 de renda anual por habitante. Bem, algo nós fizemos mal, os latino-americanos. Em 1950, cada cidadão norte-americano era quatro vezes mais rico que um cidadão latino-americano. Hoje em dia, um cidadão norte-americano é 10, 15 ou 20 vezes mais rico que um latino-americano. Como disse esta manhã, não pode ser que a América Latina gaste $50.000* milhões em armas e soldados. Eu me pergunto: quem é o nosso inimigo? Óscar Árias Presidente da Costa Rica
Gore Vidal atribui o desastre ao espírito de um rei católico,
totalmente beato e totalmente não inteligente de nome Felipe Segundo, seguido de um estúpido regime que suprimiu culturas regionais, florescentes naturais, preenchendo o vazio de sua falta com os piores elementos da cultura arcaica, de mausoléu.(Idem, ibidem)O grande Simon Bolívar (Carta a um cavalheiro que tinha grande interesse na causa repúblicana na América do Sul (1815), cit. Mendoza, Montaner & Llosa: 36) discernira e profetizara:
Enquanto nossos compatriotas não possuírem os talentos e as virtudes políticas que distinguem nossos irmãos do Norte, os sistemas inteiramente populares, longe de nos serem favoráveis, receio que virão a ser nossa ruína. Infelizmente essas qualidades parecem estar muito distantes de nós, na intensidade que se deseja; e, pelo contrário, estamos dominados pelos vícios que foram contraídos sob a direção de uma nação como a espanhola, que só sobreviveu em atrocidade, ambição, vingança e avidez.Vilela e Catão (O Monopólio do Sagrado; Correio do Povo, 5/11/1995: 21) completam o quadro.
No Terceiro Mundo e sobretudo na América Latina a social-democracia é adotada por quase todos os partidos políticos. Sendo liberal, democrática em política e socialista, intervencionista em economia, promete mais do que pode dar (comportamento típico do populismo). De frustração em frustração, vacilante e inoperante diante da realidade que não consegue entender, procura enfrentar os problemas apenas pela via retórica e acaba gerando o desejo de intervenção, a fim de 'por a casa em ordem' (regimes militares). Essa alternância de militares e populista, ambos intervencionistas, tem sido a saga da América Latina e a grande causa de sua má performance econômica.
Os problemas dos ditadores contemporâneos começaram aos 25 minutos do 25 de Abril português, em 1974, quando a rádio Renascença de Lisboa começou a tocar a canção senha para a revolução, e disparando um efeito dominó de derrubadas de regimes no sul da Europa, África, América Latina e no leste da Ásia. O boom democrático culminou em 2005, quando o mundo tinha triplicado o número de democracias. Algo mudou naquele ano. Até 2010, novos golpes militares na Ásia, populismo na América Latina e retrocesso russo sinalizaram um declínio da liberdade democrática no planeta. O que mudou foi a capacidade de adaptação dos regimes autoritários.
Essa tribo começa a expandir-se também no Brasil. Seus integrantes aprenderam que a ditadura militar é tão odiosa quanto a ditadura do proletariado. Aprenderam que dividir o mundo entre esquerda e direita é apenas uma simplificação malandra forjada para driblar distinções que devem precedê-la. Há os homens de bem e os desonestos, há os devotos do convívio dos contrários e a seita dos intolerantes. NUNES, AUGUSTO, revista Veja, SP, 29/5/2009
Não por acaso o Brasil se encontra completamente atolado :"A concentração dos poderes políticos, a hipertrofia do Estado e a centralização administrativa são maldições de regimes fechados que ainda não erradicamos. Práticas políticas degeneradas são o resultado da concentração de poderes e da centralização administrativa. " (A modernização institucional Paulo Guedes)
Bem ensina Ferguson (p. 210), e com ela encerramos a escala: "O poder de descentralização deriva do fluxo de novas idéias, imagens e energia para todas as partes do organismo político. Concentrações de poder são tão antinaturais e fatais como um coágulo de sangue ou um fio elétrico desencapado."
O grave dano social cartesiano
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