O Príncipe moderno, o Príncipe mito, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto - ele só pode ser uma organização. ANTÔNIO GRAMSCI
Este novo mundo pode ser mais seguro se for informado sobre os perigos das doenças dos antigos. DONNE, J., An anatomic of the world - The first anniversary (1611). -cit. SAGAN, C., Bilhões e bilhões: 84
Mercê da inefável estupidez, o marxismo encontrou e ainda encontra milhões de prosélitos, mas poucos autores. Não mais que uma meia-dúzia de intérpretes se dedicaram a esmiuçar, a explicar e sustentar o desejo de Marx. Por platônico, montado em dialéticas e metafísicas, no esquizofrênico intuito cabe toda a sorte de projetos. Cada qual configura a seu modo uma estratégia para consumá-lo. Um dos mais exitosos foi Antônio Gramsci. Tanto quanto o soviético, o italiano viu na enorme brecha causada pela I Guerra Mundial o instante mais propício para oferecer sua aprazível solução.A Itália se dilacerava em facções. A forma dita moderada de Estado moderno, só provocara decepção.O governo parlamentar se apresentava corrupto e, como tal, afundado na ignorância. A monarquia não era honrada. A Igreja separada do Estado desde 1871, ansiava por uma oportunidade de retorno ao poder, preocupação constante dos discursos dominicais. Os serviços públicos se deterioravam. A calamidade russa chegava estampada pelos periódicos, e a vizinha Alemanha desmonstrava ao mundo como a bestialidade poderia se propagar. A sobrevivência da Bandeira Nacional e da família de cada um dependia do arrojo e determinação de governantes e aquiescência de governados, eis o grande desafio. Para retratar o dilema Gramsci (Maquiavel, a Política e o Estado Moderno: 52). debruçou-se em Maquiavel e Vico, Mosca e Croce. De cara debitou o insucesso a falta do legítimo condutor: “No Risorgimento italiano pode-se notar a ausência desastrosa de uma direção político-militar.” Gramsci queria um Napoleão à la italiana. Mussolini não apresentaria a mesma destreza, mas conforme Gramsci, (cit. Johnson, P.,: 78). a mais completa ignorância poderia ser aparada mantendo o Duce teleguiado: “O Príncipe moderno, o Príncipe mito, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto - ele só pode ser uma organização.”(8) Tal qual os Medices conservavam Maquiavel, Hobbes municiava Crommwell, e Lenin recitava Trotski, julgava o sardenho ser capaz de colocar os arreios no veículo fascista. "O Príncipe de hoje é um coletivo: é o partido de vanguarda política, é o partido comunista, liderando e dirigindo o povo." Dessarte se apresentou o mentecapto, ao sabor de Gramsci: “Mussolini aparece no partido socialista como um verdadeiro chefe. Se tivesse prosseguido, nada o teria diferenciado de um comunista vermelho.” ( Faria, Octávio, Machiavel e o Brasil: 99)Tudo corria as mil maravilhas. "O totalitarismo de esquerda criou o totalitarismo de direita, o comunismo e o fascismo eram o martelo e a bigorna pelos quais o liberalismo foi despedaçado. Se o leninismo gerou o fascismo de Mussolini, foi o stalinismo que tornou possível o leviatã nazista." (JOHNSON, Paul: 232)
O ideólogo italiano chama a atenção para o que denomina de processo de catarse, que consiste na passagem do momento meramente econômico (identificado por ele como algo de egoístico e passional), para o momento ético-político (que pressupõe a elaboração superior da estrutura em superestrutura, na consciência dos homens). O ponto de chegada ético-político da catarse consiste na criação do nível da consciência universal, com superação total dos interesses corporativos e particulares... Esse processo, como o ocorrido na Itália na época do Rissorgimento, é efetivado, pelas classes dominantes, sem recurso ao terror, na medida em que os de baixo são cooptados passivamente. As classes dominantes utilizam, nesse processo de cooptação dos seus inferiores, os mecanismos que Gramsci denomina de “aparelhos privados de hegemonia”, que consistem na escola, na igreja, nos jornais e nos demais meios de comunicação em geral. O MARXISMO GRAMSCIANO, PANO DE FUNDO IDEOLÓGICO DA REFORMA EDUCACIONAL PETISTA
Mussolini se iniciara jornalista para lançar o jornal Avanti, de cunho flagrantemente marxista. Em seguida assumiu a direção do jornal Popolo d'Itália.. Ainda havia a publicação do semanário Ordine Nuovo, uma série de artigos condensados de vários expoentes que almejavam reconhecimento popular. Por um lado o italiano propugnava o uso das armas, por outro, tal qual Che Guevara, não podia perder a impressão de ternura, sob pena de também perder o afeto do povo. Na virada ao XX a nação se compunha de analfabetos, excluídos da política e da cultura do país.Gli intellettuali e l´organizzazione della cultura, censurava nos intelectuais italianos o cosmopolitismo e a falta de relações com o povo. Então critica cultura italiana, por apartada da população em geral. Dante, Petrarca, Boccaccio, os humanistas, Ariosto, Tasso, Parini, Goldoni, Alfieri, Foscolo, Leopardi, Manzoni, Carducci, seria apenas uma "pequena classe de letrados para ser lida por pequena classe de amadores."
“La via sovietica alla conquista del potere e la via italiana aperta da Gramsci”, expõe um comunista libertario da democracia operária. Com o rótulo ele se apresenta ao proletariaso para articular os consigli di fabbrica, pretensamente destinados a ocupar, explorar e administrar as empresas industriais ainda sob regime capitalista, claro. No último quarto de 1920, todavia, os fascios já se organizavam de modo a suplantar as divididas esquerdas. Gramsci (Cit. COUTINHO, C. N., Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político: 29) .começou a se preociupar quando um importante braço se juntou com seu "Príncipe": "Também no Partido Fascista existem sintomas evidentes da podridão social-democrata."
Seu irmão Mário não titubeou em se integrar no estupendo movimento de Mussolini. Antônio reagiu fundando o Partido Comunista da Itália, como se o comunismo se resignasse em ser apenas partido, e não totalitário. Elegendo-se deputado, o acesso às gráficas oficiais estava plenado, momento para lançar o um informativo diário, desta feita expressando suas reais intenções - L´Unità. Tarde demais. Mussolini já tinha puxado para si o arrastão. ao compor a simulada democracia projetada por Gramsci com os "sociais democratas", e os sindicalistas de George Sorel:
Em todas as sociedades a desigualdade é a regra: a democracia não passa de uma ilusão ou de mistificação, porque é impossível. Em toda a parte e sempre o poder é exercido por uma minoria restrita que se impõe às massas. A escola maquiavelista considera fundamental e inelutável essa distinção entre o pequeno número de poderosos e a massa. SOREL, G., cits. SCHWARTZENBERG, R.-G., Sociologia Política: 226.O agitador reunia o rebanho, ao gáudio de Mussolini: "Temos o direito de esperar que uma revolução socialista levada a cabo por sindicalistas puros não seria maculada pelas abominações que mancharam as revoluções burguesas." (SOREL, G., Greve Geral Política:12) Numerosos intelectuais vinham se perfilando junto ao habilidoso golpista. Benedetto Croce, Jean Cocteau, Luigi Pirandello, Giovanni Gentili, James Burnham, W. B. Yeats, T. S. Eliot e Filipo Marinetti, assim como os verdadeiros intelectuais do fascismo - Charles Maurras, Louis-Ferdinand Celine, Ezra Pound, até mesmo Oswald Spengler e Martin Heidegger. emprestavam-lhe maior e melhor guarida do que os dois cabos marxistas, prestes a serem defenestrados depois de cumprirem missão de botos. A pesca seria farta. Na espetacular guinada o Duce rendia as homenagens... "É a Sorel que mais devo. O fascismo será soreliano”. ... mas apenas até a tomada de poder. Como no judô, o espertalhão aproveitava o embalo marxista para, no meio da marcha, desvirtuá-lo ao fanatismo nacionalista, golpe visivelmente maquiavélico.
É bem verdade que na cultura italiana daquele tempo o Filósofo por excelência era Hegel. Quase totalmente ignoradas eram as obras de Locke (a primeira tradução completa de Dois Tratados sobre o Governo somente aparecerá em 1948) Constant, Tocqueville, Benhtham e Mill. Haviam florescidos estudos sobre Maquiavel: basta recordar os nomes de Ercole, de Russo, de Chabod. Nas breves notas Para a história da filosofia política, escritas em 1924, os autores levados em consideração eram (pareceria incrível nos dias de hoje) Maquiavel, Vico, Rousseau (maltratado), Hegel, Haller e Treitschke. A grande tradição do pensamento liberal e democrático da qual nascera o Estado moderno (também o estado italiano) era completamente ignorada. BOBBIO, Norberto, Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil,: 92.
Em fins de 1924 Mussolini (Opera Omnia). declarou a plena ditadura fascista. “Il corporativismo supera il socialismo e supera il liberalismo: crea una nueva sintesi.” O veneno extraído na efêmera passagem pelo campo vermelho era efetivo contra os males da cobra: “Contra a revolução comunista que um acaso apenas fizera falhar na sua primeira tentativa de tomar o poder a Itália de Mussolini ensinou que só havia um remédio: a revolução fascista.”(SCHWARTZENBERG, R.-G.,, Estado Espetáculo: 249.) Reporta-se Bobbio (Esquerda e Direita, Razões e significados: 55): "A 'catástrofe' Revolução de Outubro (evento produzido por uma vontade coletiva consciente) não pode ser remediada senão com a 'catástrofe' contra-revolucionária (não por acaso os pródomos do fascismo na Itália são as 'squadre d´azione': comunismo e fascismo se convertem um no outro".
O arrastão pacientemente tecido e costurado por Gramsci era atirado de súbito sobre a população completamente atônita.
O Estado transcende a vida pública e abarca as mais diversas manifestações de atividade social: a vida familiar, econômica, intelectual, religiosa, etc. Sua indiscrição é completa. Penetra no interior das famílias e das empresas; desce até ao segredo das consciências; julga as intenções e abstenções; retira todo o sentimento ao qualitativo privado e arrasa alegremente o famoso 'muro' simbólico tão penosamente edificado pelo direito do século XX. Sendo controlador o Estado torna-se o único motor social. Dirige o trabalho, mas ocupa-se também dos tempos após o trabalho - dopo lavoro: proíbe certos espetáculos e incita a que assistam outros; são criadas colônia de férias para as crianças e viagens de núpcias para jovens casais; ordena que usem chapéu de palha e que desçam a bainha dos vestidos. Opõe a autonomia do indivíduo liberal, que ele julga irrisória às vantagens da poderosa solidariedade orgânica que ele realiza. Não se limita a enquadrar e apoiar a nação, confunde-se com ela. (MUSSOLINI, B., Opera omnia.)
Os trens partiriam no horário, sim senhor... destinados ao além.Para Antônio Gramsci restou o calabouço; e por fim, a prematura morte, em vésperas do Ano Novo. O Duce findou na década posterior, mas o legado de ambos foi contrabandeado para enredar nosotros, macaquitos brasileños, em mar-de-lama sem fim. Uma escala no atoleiro pode ser comprometedora, além de enfadonho por lugar comum, mas parece mister pelo menos um sobrevôo de reconhecimento da "podridão social-democrata" daí gerada.
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