Vasculhando a história, dificilmente se encontra um tempo, em algum lugar, uma taxa de juros dobrada. Nem naquela época, para nós dos cangaceiros. O ágio mais atrevido não ultrapassa dois dígitos ao ano, em nenhum lugar do mundo. No Brasil, atinge tres, com folga!
"'Tem que remunerar o capital' disse Roberto Setubal, presidente-executivo do Itaú Unibanco, ao responder pergunta sobre a chance do
spread bancário cair nos próximos meses."
(Folha de São Paulo, 11/8/2009)
Se um investidor adquire um imóvel no valor de cem mil dólares, ou reais, por exemplo, ao alugá-lo apurará um benefício ao redor de uns mil, por mes; todavia, se um banco brasileiro, que nada paga para ter o capital na mão, empresta a mesma quantia, recebe como dividendos até dez vezes mais:
"Os juros médios mensais para empréstimos pessoais recuaram de 5,30% nos 30 dias anteriores para 5,27% e no caso do cheque especial a taxa média mensal foi reduzida de 8,83% para 8,79% no período."
(Estadão, 17/8/2009)
Maior disparate é impossível, mas haverá quem diga:
"Contente-se com o dinheiro que dispõe, não faça empréstimos, e nada disso poderá atingi-lo."
Eis o pensamento mais simplório, e por isso mais irresponsável que se abate sobre a população.
O estudo da sociedade é tão precioso porque o homem é
muito mais ingênuo como a sociedade do que como indivíduo.
NIETZSCHE, F., Vontade de Potência - Parte 2: 276
E por causa da singeleza, os estabelecimentos impõem as taxas que melhor lhes convém, que nada tem a ver com a liberdade de comércio, porque se trata de
semimonopólio protegido pelo executivo, mercantilismo exacerbado, sem a menor vergonha, flagrante cartel, conquanto logram o beneplácido de uma justiça incapaz de aferir o monstruoso dano social daí decorrente. Existem não mais que dezenas de intituições bancárias, para nada menos do que 126 milhões de contas correntes no Brasil. (Fonte:
O Globo, 17/8/2009)
Pior ainda: a jurisdição, ao referendar o crime, tornou-lhe tão costumeiro a ponto de sepultar o dispositivo constitucional, lavrado com esta cláusula pétrea.
Insisto, contudo, na peculiaridade: o fato do dinheiro custar a exorbitância para ser retirado da caixa-forte e colocado na correia social, significa um custo "n" vezes multiplicado. De modo científico, o conceito da teia dinâmica das relações pode ser apreciado por
CHEW, e pela exuberante obra de
D. BOHM (Totalidade e ordem implicada. - São Paulo: Madras, 2008)
Homens ligados às letras, todavia, juristas são incapazes de perceber a ligação direta entre a escassez de numerário e o infortúnio geral. Pois a restrição imposta pelas instituições financeiras através das inéditas taxas de juros causa um abalo social de monta irrreparável, ainda mais se lograda por alguns anos, e no caso do Brasil já por geração! O que acontece quando vultosa quantia equivalente a 30% de todo o dinheiro circulante, talvez até mais, como arrisco, fica impedido de circular? Experimente reduzir uma torneira, e constatará que, de plano, deteriorar-se-ão as flores periféricas, na mesma proporção; por conseqüência, graças ao inevitável
trickle-down invertido, perder-se-ão as centrais, e com elas todo o jardim.
Pela mesma falta de oxigenação, o cérebro se danifica, a imaginação padece, e o crime se mostra um meio rápido e eficaz. A moeda age como um elevador: quanto mais sobe, mais exige que o contrapeso baixe. No res do chão, o povo, sem mais nada a perder, portanto a temer, tende enveredar por esses escabrosos caminhos e descaminhos. O cordão da desgraça se incrementa, malgrado se proliferarem exércitos oficiais e empresas de vigilância.
Cariocas protestaram nas areias de Copacabana: "Basta de crimes!"
Os crimes de roubo e latrocínio - roubo seguido de morte - podem, por sua vez, ter aumentado por causa da crise.
Quando se fala em crime de natureza patrimonial, a relação de causa e efeito com a crise financeira acaba sendo, no mínimo, intuitiva. Basta uma sacudida na economia para que o último degrau da escada social despenque no abismo de miséria de onde saiu, tornando inevitavelmente maior a sua propensão ao crime (pesquisa recente do Centro de Pesquisa Social da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que São Paulo é a região do País onde mais se produziu miséria - 5,9% - no ano da crise financeira)
SIMANTOB, Fábio Tofic, Estatísticas do crime e discurso do medo 12/2/2010
“O Brasil é feito para nos matar e não para nos fazer viver” (CARDOSO, Pedro, ator, sobre a injustiça social vigente no país. 13/8/2009 - http://emkt.pavazine.com) .
Os números são vergonhosos. Em apenas dois anos e cinco meses, foram registrados no Estado do Rio 18.137 assassinatos. Vou repetir: dezoito mil centro e trinta e sete pessoas tiveram a vida interrompida de forma violenta. Desde 1999, portanto há uma década, esses números são divulgados mensalmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), da Secretaria de Segurança do estado. Essa soma já foi até maior do que é hoje, atingiu o ápice em 1994.
BARROS, J.A., O Globo, 17/8/2009
O momento mais dramático do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso ocorreu no dia 13 de janeiro de 1999... O então presidente do Banco Central, o economista Francisco Lopes, vendia informações privilegiadas sobre juros e câmbio – e uma parte de sua remuneração saía da conta número 000 018, agência 021, do Bank of New York. A conta pertencia a uma empresa do Banco Pactual, a Pactual Overseas Bank and Trust Limited, com sede no paraíso fiscal das Bahamas.
Veja, 23/5/2001
Não por acaso, precedeu-lhe o fantástico golpe acobertado pelo PROER.
Pois então se a ditadura recém passada foi responsável por algumas centenas de mortes, a
gang que se agadanha do poder é responsável por milhares, já beirando milhão de assassinatos e crimes de vários matizes, além de introduzir desavenças em todos os recônditos da nação.
Com aproximadamente 48 mil mortes por ano, o Brasil é um dos países que detém uma das maiores taxas de homicídios no mundo, segundo relatório divulgado nesta segunda-feira pelo relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais, Philip Alston.
Folha de São Paulo, 15/9/2008
O maior número de mortes (46%) de adolescentes no Brasil é por... homicídio! Bem mais do que por causas naturais (25%) e por acidentes (23%). E dois a cada mil brasileiros deverão morrer antes dos... 19 anos! É assustador, o que nos faz automaticamente refletir: por que a gente gasta tanto papel, tanta tinta, tanto espaço e tantos neurônios para escrever sobre a avalanche de desmandos do Senado, dos Sarney, dos Jader, dos Renan, dos ACM, dos mensaleiros, dos aloprados, em vez de escrever sobre a barbaridade dos assassinatos dos nossos jovens? A resposta é simples: porque há uma relação profunda de causa e efeito entre as duas coisas, entre corrupção e violência na sociedade. Qualquer estudo mostra isso: quanto mais transparente e honesto o país, melhor distribuição de renda e menor violência; quanto mais corrupto, pior distribuição de renda e maior violência.
CATANHEDE, E., Folha de São Paulo, em 22/7/2009)
De julho a novembro de 2008, o número de processos em tramitação por violência doméstica contra mulheres ultrapassou 150 mil. Ao todo, são 41.957 ações penais e 19.803 ações cíveis, além de 19,4 mil medidas protetivas concedidas e 11.175 agressores presos em flagrante. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça revelados em reportagem da Agência Brasil.
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