sexta-feira, 20 de abril de 2012

Sobre a polêmica do aborto

Discute-se quando começa a vida, o que equivale a fixar em que ponto o feto, de acordo com a lei, passa a ser protegido do Estado. Mas do começo ao fim da gestação o feto faz parte do corpo da mulher. O ideal é o processo se completar sem interrupção, ninguém quer a banalização do aborto, mas até a criança ser “dada à luz” ela pertence à mulher, a quem cabe tomar decisões sobre sua vida tanto quanto sobre sua própria vida. O Estado não tem nada a fazer neste arranjo particular, salvo assegurar as melhores condições possíveis para o parto ou para o aborto. Aborto é decisão das mulheres, não do Estado -Luís Fernando Veríssimo
Ouso reforçar o comentário do mestre gaúcho, ontem veiculado nos principais jornais do país. O Código Civil Brasileiro, já no segundo artigo, estabelece: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Aqui temos o impasse: e se a criança nascer morta, por exemplo? Que direitos ela poderá exercer? Evidentemente que a lei quis resguardar o exercício de direito ao eventual nascimento, estipulação condicionada ao momento de aquisição da personalidade civil. A razão do dispositivo se prende ao direito de sucessão, de herança, até mesmo do reconhecimento de ser alvo de doações. A tutela evidentemente só se materializa com a materialização do objeto - no caso, do sujeito titular do direito tipificado..
No âmbito penal, tirar a vida de alguém constitui o crime de maior gravidade. No caso de nascituro, a interrupção da gravidez pode ser causada pelo vil motivo. No caso da preocupação civil tudo volta à estaca zero, ainda que cometido crime; O direito penal, todavia, no afã de impor justiça, em qualquer caso estipula a reclusão ao agente promotor. Não tem nada a ver. O único meio de fazer justiça seria se Leviathan, o deus terreno,  também possuísse a capacidade de reviver a vítima. A rigor, a meu ver, esta inevitável "injustiça"  se aplica inclusive ao demais tipos de homicídios. É trivial a comprensão, todavia, o predisposto carcerário: serve,  não propriamente de "fazer" justiça, posto provada utópica, mas para refrear o "homem lobo do homem", na definição de Hobbes. Voltando ao tema, que vida pode ser tirada de alguém que sequer nasceu, e nem se sabe se de fato vai nascer? Que tipo de expectativa pode ser protegida em radical formação? Neste caso a lei primava por tudo ignorar, decretando simplesmente que não vinha ao caso, não interessava se o feto estaria apto ou não. Se há provocação de aborto, é crime, e fim. Leigos costumam se referir às jurisprudências como simples manifestação de bom senso. Neste caso, contudo, o bom senso de antemão é excluído: Limbo jurídico impede mãe de abortar anencéfalo
À própria mãe, família, à religião, até aos costumes, o começo da vida é indefinível; porém, sabe-se, por óbvio, que ela precede o nascimento. Ao Estado, contudo, não. Ainda que hígido o nascituro, Leviathan lhe desconhece, sequer teve  mínima notícia. O herói coletivo não pode se prestar a proteger este alguém de sexo desconhecido, de face desconhecida, sem nome, muito menos algum registro. Ainda que de modo metafórico a justiça seja apresentada com venda nos olhos, um posicionamento oficial requer a luz. Até "ser dada à luz', o Estado não pode enxergá-la; portanto, não está a seu alcance protegê-la. Ao Estado, pois, a futura criança  não existe.
Alguma argumentação mais abalizada colocará em xeque esta tese; em sua falta, disponho o heurístico à reflexão, afeto à redimensão, naturalmente.
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