sábado, 24 de julho de 2010

O dinheiro na democracia - 1/4


Inicialmente o homem comercializava através de simples troca ou escambo. Algumas mercadorias, pela sua utilidade, passaram a ser mais procuradas do que outras. Aceitas por todos, assumiram a função de moeda, circulando como elemento trocado por outros produtos e servindo para avaliar-lhes o valor. Eram as moedas–mercadorias. O gado, principalmente o bovino, foi dos mais utilizados; apresentava vantagens de locomoção própria, reprodução e prestação de serviços, embora ocorresse o risco de doenças e da morte.
Wikipédia
Um grupo de bancos italianos apresentou uma solução criativa para um problema antigo: como dar empréstimos para pessoas que não têm bens valiosos para oferecer como garantia. Eles agora aceitam queijos como garantia. Alguns bancos estão aceitando queijos parmesão em troca dos empréstimos e já têm estocados milhares de quilos do valorizado produto. Se os devedores não pagam o empréstimo, os bancos vendem o queijo.
BBC, 14/8/2009
Trocar figurinhas é uma boa idéia, mas convenhamos: levar um boi, cavalo ou melancia todo dia ao colégio parece a mais grossa besteira. O escambo somente se presta à eventualidades.
Naquelas priscas eras pouco havia para ser negociado. Sequer os alimentos eram suscetíveis de troca. A Terra pertencia ao Rei, morador daquele belo castelo. Não era, pois, comercializável. Por decorrência, seus frutos só podiam ser de propriedade real. O Rei, sempre bondoso porque providência divina, cuidava do abastecimento de todos.
Para facilitar a vida de todos, e economizar suas provisões, o Rei bolou conceder um vale a cada jornada camponesa, de modo que o acúmulo dava direito ao detentor receber a parte assinalada dentre o gado vacum. A vaquinha era de todos.*
Ainda que o morador do castelo detivesse a primazia desta propriedade, ela não poderia ser valorizada por ninguém. De que serviria mero papelucho? O dinheiro apenas representa o valor. A população nada teria a perder. O decorrer do tempo, entretanto, viu a outrora lúdica propriedade ser a mais efetiva de todas, real, e concreta, muitas vezes excedendo em valor o próprio bem que representava, veja só se é possível! O dinheiro acabou virando o melhor e mais rentável objeto de comércio, ora pois:
"Com o surgimento dos bancos apareceu uma nova atividade financeira em que o próprio dinheiro é uma mercadoria." (Wikipédia)
* * *
Queimaram-se bruxas e lavradores. Veio a Revolução, e a guilhotina se abateu de roldão - sobre padres, reis e ainda milhares de transeuntes. A terra não podia ser de apenas um, ainda mais esta, de dimensão quase continental, imenso coração europeu. Era o número, nem tanto o Verbo, que importava. E como milhões sobrepujam centenas, no máximo a milhar, a terra passou ao domínio de todos. O rei foi degolado, e o povo, coroado. Simples.
A terra trocava de dono, dividida no seio popular, e a propriedade que a representava nem lhe tinha tanto valor assim. Afinal, quem representava era o rei; e este, c'est finis.
A história não registra período de maior anarquia, exceto a bolchevique, esta que encontrou uma solução ainda mais estúpida do que sua mãe. Houve reformas agrárias a mais não poder, mas e quanto ao dinheiro em si? Quem ficaria com a chave do cofre?
O caos da explosão levou o país de volta aos ensinamentos do Império Romano. O povo imperativo exigiu para cuidar de seus negócios aquele mesmo representante máximo - o Imperador.
"O socialismo nasceu da dissolução do Ancien Régime, da mesma forma que o conservadorismo foi criado a partir da tentativa de protegê-lo.” (GIDDENS, A.: 64).
Como o dinheiro em si não é nem pode ser propriedade de ninguém, cabia ao cuidador dos negócios de todos gerir a propriedade capital também, de modo que, a rigor, nada se alterou. Até hoje.
Em Capitalism: a love history MICHAEL MOORE estaciona um carro-forte em frente a um desses grandes bancos que receberam "ajuda" financeira do governo durante a crise, exigindo a devolução do dinheiro que ele, cidadão, pagou como contribunte compulsório dos impostos. É palhaçada, mas evidencia a consciência da perda.
Grandes empresas tem chance dobrada. Conquanto produzem bens ou serviços em atenção ao interesse consumidor, valem-se dos canais políticos para sangrá-lo. Sob os auspícios do Rei, lambuzam-se de vantagens escusas em prol exclusiva de seu próprio negócio.
Numa notável ilustração do potencial de rentabilidade disso que se convencionou chamar de capitalismo de compadres, um estudo concluído recentemente nos Estados Unidos descobriu que a aprovação de uma única lei de renúncia fical provocou lucros da ordem de US$220 para cada US$1 “investido” em lobby pelas empresas interessadas - uma taxa de retorno de 22.000%. O trabalho, realizado por três pesquisadores da Universidade de Kansas, revela em cores vivas por que o lobby (que nos EUA é uma atividade lícita) tornou-se uma indústria que movimenta US$3 bilhões por ano só na capital americana, tendo praticamente dobrado a sua movimentação do ano 2000 para cá.
MOORE cogita estacionar um panzer, com a faixa:
"Seja amada ou à mão-armada, daqui não sai mais nada!"
Onde será que erramos?
__________
Nota
* Empregamos os termos pecúnia (dinheiro) e pecúlio (dinheiro acumulado) derivadas do latim
pecus (gado). "O capital" vem do latim caput, ou capita (cabeça).

__________

Nenhum comentário:

Postar um comentário