quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Do erro médico


Não existe atualmente no mundo profissão mais regulamentada que a Medicina. Seu exercício é um dos mais perigosos sob o ponto de vista legal.
A sociedade, como um todo, aceita sem análise prévia as mais variadas notícias e os comentários... fazendo do médico, objeto de escândalo, atacando uma das mais nobres profissões existentes.

ZAMPIERI Jr, Sidney, Advogado e Médico Neurocirurgião
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Por esses dias "renasceu" uma criança ".
O "feto" já estava abandonado, quando uma faxineira foi conferir.
Os pais, naturalmente, ficaram radiantes, mas não são poucos os revoltados. Geralmente as pessoas se colocam no lugar. Imagine se isso fosse acontecer com meu filho? Ocorre que nesta imaginação não cabe a alegria daqueles pais, mas apenas o fulcro do inusitado, e isso é intolerável. Então exigem férreas leis, e rigorosas punições, antes que tal evento lhe recaia. Não foi por falta disso que o bebê foi tomado como morto.
A questão é: devem aqueles médicos serem responsabilizados, sofrerem algum processo cível pelo grotesco diagnóstico?
O código civil relaciona os casos em que o transgressor se obriga a indenizar: além do dolo, ou seja da intenção em efetuar o dano, a legislação indica a responsabilização do agente à negligência, imperícia, ou imprudência. Nos casos médicos, especialmente, essas questões sempre poderão ser vistas tanto pelo lado condenatório, como compreensíveis. Como todo produto dialético, qualquer síntese ou decisão sempre será parcial; por conseqüência, injusta. Grosso modo, o procedimento médico não é conduta suscetível de julgamento, mas faz-se a regra pela exceção. O lado que pender a balança será precipitado. São milhares de vetores que incidem, portanto coincidem no procedimento.
Metade das pessoas que procuram o Hospital do Câncer simplesmente não tem câncer. Ou seja, um médico as encaminhou para cá acreditando que elas tinham câncer. E também recebemos pessoas que ouviram de seus médicos que elas não tinham câncer, mas na realidade tinham.
Ricardo Brentani, diretor-presidente do Hospital do Câncer de São Paulo.
Será que esta metade não mereceria ser processada? Pois a julgar pelo movimento daquela casa, seria necessário a intalação de um forum especializado, com sei-lá quantas varas, a fim de satisfazer o telos justiceiro!
Diferentemente da conduta civil, não serão as estipulações legais que farão o médico trabalhar com maior ou menor abnegação e/ou competência. Vale a experiência, o feeling, a intuição. Isso nem a escola pode ministrar, muito menos alguém exigir. Como estipulá-los, ainda mais de modo antecipado? Isso é pretensão dos que presumem elaborar com alguma cientificidade suas disposições normativas. A expressão da lei, muito antes de definir padrões, confunde. De todo modo, dado à carência de recursos, à tal crise financeira, mas principalmente graças à violenta recessão que estamos envoltos, de modo preciso desde 1995, as pessoas buscam resolver suas mazelas das maneiras mais esquisitas, e uma delas é culpar o profissional da área médica. Há um crescente número de processos, especialmente na área pública. Qualquer desfecho negativo, e no caso da saúde geralmente há uma alta percentagem, as pessoas tem procurado o judiciário alegando erros médicos, só por desconfiar:
Um bebê de dois meses morreu na madrugada deste domingo após ser medicado no Pronto-Socorro de Seisa, em Guarulhos. De acordo com a SSP (Secretaria da Segurança Pública), a mãe suspeita que a filha tenha sido vítima de erro médico. Ela afirma ter ouvido uma conversa entre a médica e a auxiliar de enfermagem de que a filha teria recebido um remédio, aminofilina, que não havia sido prescrito.
Folha de São Paulo, 7/12/2009
O preço tem sido caro, a todos:

O número de processos por erro médico que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça triplicou nos últimos seis anos. Em 2002, o STJ recebeu 120 recursos em ações por erro médico. Neste ano, até o final do mês de outubro, já eram 360 novos recursos autuados por esse motivo, a maioria questionando a responsabilidade civil do médico. As informações são da Assessoria de Imprensa do STJ.
As estatísticas demonstram: oitenta por cento dos processos resultam em absolvições. Todavia, o simples acionar não só arranha, como desvia a atenção e preocupa durante todo o desenrolar do feito, sempre prolongados. Como resultado a sociedade apura o fenômeno:
"Em cada 100 médicos, cinco sentem-se sem esperança, infelizes e têm pensado em dar fim à própria vida". (Centro de Pesquisas e Documentação - CPDOC)

Os médicos precisam ficar em dia com a própria saúde. Pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM), realizada com 7.700 profissionais, revela que quase metade deles apresenta quadro preocupante de transtornos psicológicos. Quarenta e quatro por cento sofrem de depressão ou ansiedade. E a grande maioria, 57%, tem estafa e desânimo com o emprego.
(Estadão, 21/4/2008)
Em qual balcão esse exército poderá exigir os seus "direitos"?
* * *
A rigor, o que vemos não são erros médicos, mas celeumas. Esses dramas cabem até na telinha, em novela com título bem apropriado: Negócio da China (Globo, 18h20). Embora sensacional, e desse modo rentável, o recrudescimento real ou fictício dos embates não favorece à medicina, nem aos pacientes.
Muitos dos erros médicos, por bizarro, passam desapercebidos. São equívocos provenientes não de algum dolo, evidentemente, mas tampouco daqueles elencados pela lei. Eles acompanham os doutores desde da Academia, pela especialização. Ao focar o objeto mais saliente, o profissional tira de foco o periférico, que geralmente é o responsável pelo próprio objeto.
Há dificuldades de enquadramento diagnóstico e relacionamento médico-paciente, para relacionar aspectos desses dilemas com a epistemologia hegemônica aplicada na biomedicina, a qual é caracterizada por um paradigma biomecânico, positivista e representacionista, centrado nas entidades doenças da nosografia biomédica.
Tesser,Charles Dalcanal & Luz, Madel Therezinha
Neste caso, contudo, poder-se-ia responsabilizar a faculdade? Pois francamente, acho que está na hora dela ingressar no banco dos réus, e não apenas os médicos que ela forma:

Para comprovar que não se aprende muito nas salas de aula de Medicina, o Cremesp propôs uma prova aos alunos do último ano das faculdades de São Paulo. Dos sextanistas que resolveram o exame no ano passado, 38% foram reprovados. Esses médicos provavelmente estão hoje em hospitais e consultórios.
(Estadão, 26/2/2007)

O Ministério da Educação anunciou fechar o cerco sobre os cursos de medicina.
A intenção do rigor foi tornada pública após denúncias e protestos da Associação Paulista de Medicina (APM), da Associação Médica Brasileira (AMB), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do conjunto das sociedades de especialidades.
(O Globo
, 19/5/2008)

Da judicialização da saúde

Infelizmente a humanidade se retorce na dupla perfídia platônica: da Academia, e da Justiça. Ambas são apenas artifícios, criadas no fito de exercício de poder, nele incluído o locupletamento sobre o suor alheio.
Legisladores e operadores do Direito nada reclamam; apenas festejam.

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