sábado, 29 de outubro de 2011

Epistemologia da alma

Dedico essas linhas para os especiais surfistas das ondas gravitacionais que na praia almoçavam comigo.
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Camões  
Alma é um termo que deriva do latim anǐma, este refere-se ao princípio que dá movimento ao que é vivo, o que é animado ou o que faz mover... A crença na imortalidade da alma chegou aos judeus através do contacto com o pensamento grego e principalmente através da filosofia de Platão (427-347 a.C.)... A Alma sempre foi motivo de controvérsia entre as diferentes denominações religiosas e crenças, mesmo porque nunca foi totalmente compreendida, explicada ou observada. Wikipédia

 É impossível dar uma definição concreta da alma, pois a alma não é uma entidade concreta mas abstrata. Alma
Na Grécia, berço das artes e dos erros e onde se levou tão longe a grandeza e a estupidez do espírito humano, raciocinavam sobre a alma como nós.
VOLTAIRE, «13.ª carta», Cartas Filosóficas 
Nos primórdios e a rigor até o presente, a ciência prima por intuição. O fenômeno  significa apreender a realidade antecipadamente de sua comprovação, desde que possa coincidir com o objeto. almejado. A evolução trouxe instrumentos para aferir a veracidade ou falsidade das proposições heurísticas, mas dentro da caverna, até encontrar um elemento que prostrasse a elucubração, o ser humano trilhava longo tempo por descaminhos. Mais do que mera intuição, seus sentidos lhe indicavam que o Sol e tudo o mais circundava a Terra. Como objetar esta visível realidade? Como encarar a  morte senão fim em si mesmo, se visível a parada total e a decrepitude do corpo? De que modo convencer o infante de que seu preparo se destinava a morrer pela Pátria, e isso ser-lhe-ia  glorioso, se a glória seria usufruída apenas pelos instrutores? O criativo Pitágoras chegou com a solução: a morte era apenas uma passagem para outra vida, confirmada por alguém que tivera a ventura de no mundo dos mortos conferir, e de lá retornar. ORFEU trouxera as melhores notícias do point.  HADES garantia a eternidade das almas .A LENDA DE ORFEU   “O orfismo ensina a divindade da alma e a impureza do corpo. A morte é uma libertação. O centro de suas preocupações é a vida futura” (Dicionário Básico de Filosofia. Hilton Japiassú/Danilo Marcondes. Ed. Zahar. RJ) O afilhado da Pítia ainda assegurava: "A sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la ou amá-la tornando-se filósofos."  "Pitágoras apreciava a tal ponto a teologia órfica que dela fez modelo para plasmar a própria filosofia. Em decorrência disso, as sentenças de Pitágoras passam a ser chamadas sacras na medida em que são derivadas dos esquemas órficos." (PICO DELLA MIRÀNDOLA, A dignidade do homem:73) Ao conhecê-lo, PLATÃO lhe dedicou o melhor do amor platônico.  "Assim trava  (conhecimento com o Pitagorismo, que veio a exercer uma duradoura influência sobre todo o seu pensamento e a sua atividade: na sua doutrina da pré-existência das almas." (Apresentação da biografia e livros de Platão – História da Filosofia Antiga – Hirschberger) “Platão, sonhando com uma retórica digna do filósofo, queria que os discursos deste pudessem convencer os próprios deuses”. (Fedro, 273e, cit. Perelman, C.:  536.) Sua “engenharia teológica" submeteu o homem ao infinito pêndulo.  "Dilacerado entre o desejo de eternidade e a solicitação do corpo, jamais ele poderia superar essa contradição se a sua alma não fosse naturalmente votada ao divino."
Eis a razão porque, quem quer que leia seriamente as obras de Platão, nelas encontrará, evidentemente, tudo, mas em particular essas duas verdades eternas: o culto reconhecido de um deus conhecido e a divindade das almas, onde reside toda a compreensão das coisas, toda a regra de vida e toda a felicidade. E tanto o mais que, sobre estes problemas, a maneira de pensar de Platão é tal que, de entre outros filósofos, foi a ele que Agostinho escolheu para modelo, como sendo o mais próximo da verdade cristã, afirmando que, com pequenas alterações, os platônicos seriam cristãos.’
Seu Epinomis prescreve: "A ciência dos números, dentre todas as artes liberais (?!) e ciências contemplativas, (ou seja, apenas especulações, isentas de responsabilidade porque improváveis) é a mais nobre e excelsamente divina."  Ao ser questionado porque o homem se diferenciava dos animais, Platão foi categórico: "Porque sabe lidar com números."
As mútuas relações entre Platão e a filosofia pitagórica constituem, de fato, um eixo fundamental para a crítica: se a filosofia pitagórica influencia o platonismo, é verdadeiro também o contrário... Aqui Platão estaria evidentemente utilizando os princípios (archaí) pitagóricos para fundamentar, do ponto de vista da dialética dos princípios supremos, sua teoria das Idéias. CORNELLI, Gabriell, CAMINHOS DE DUAS MÃOS: TROCAS FILOSÓFICAS ENTRE PITAGORISMO E PLATONISMO. - www.puc-rio.br
 Um célebre baluarte da Teoria Quântica, não se furtou em detoná-lo:
Percorri laboriosamente o texto, embora ele me parecesse um absurdo. Como quer que fosse, todas essas idéias me pareceram uma especulação desvairada, talvez perdoável por faltar aos gregos o necessário conhecimento empírico. Não obstante, entristeceu-me ver um filósofo da agudeza crítica de Platão sucumbir a tais fantasias. HEISENBERG, WS., 1996: 17
O resultado de tamanha alienação até hoje podemos contabilizar:
Existem todo o tipo de pessoas, mas acho que seria razoável dizer que ninguém que se diga filósofo realmente entenda o que se quer dizer com a descrição da complementariedade. A relação entre os cientistas e os filósofos é bastante curiosa. A dificuldade é que é inútil que haja qualquer tipo de compreensão entre os cientistas e os filósofos diretamente. BOHR, NIELS, cit. PAIS, ABRAHAM, Einstein viveu aqui: 33 ¹
O primeiro a embarcar pela miragem fora o pretenso sábio, no intuito de se conhecer completamente:
Ninguém deixava de ser persuadido por sua palavra e por seu caráter, que parecia com sua fisionomia, e, para ser franco, por tudo que esta pessoa tinha de especial. Porém, apenas enquanto não lhe acendia a cólera. Quando esta paixão lhe queimava, sua ruindade era horrível. Não evitava, então, nenhuma palavra e nenhum ato... Este magnetismo interior que possui é, sem dúvida, o motivo de fascinar todas as naturezas ardentes, seja a de um Alcibíades ou a de um Platão.BRÉHIER, Émile
SÓCRATES antecipou a partida embriagado na obsessão por sabedoria.  
Segundo Platão o oráculo disse que ninguém era mais sábio do que Sócrates, e a sabedoria socrática é identificada como autoconhecimento. Xenofonte usa a anedota para respaldar seu retrato convencio0nal da virtude moral de Sócrates. Platão, para apresentar a investigação socrática como cumprimento de uma missão divina, e portanto como um ato supremo de piedade... Existe, portanto, uma relação íntima entre o autoconhecimento e a melhor alma possível; ou o autoconhecimento é idêntico a este estado da alma, ou é condição dele, necessária, suficiente, ou talvez necessária e suficiente.  TAYLOR, C.C.W., Sócrates: 30/1
A maiêutica o levou aos braços de HADES.  "Aos segundos diz imaginar que a morte deva ser um grande bem, seja ela um sono tranquilo ou o convívio no Hades com os grandes homens que lá habitam." (PLATÃO, Apologia de Sócrates. LPM, 2009: 16)  
"Quando se coloca o centro da gravidade da vida não na vida, mas no além - no nada -, então se priva a vida de qualquer centro de gravidade." (NIETZSCHE, F., O anticristo: maldição contra o cristianismo:78) SÓCRATES partiu sereno, em plena lucidez. Deixou o simpósio como o último dos beberrões, nos primeiros raios da manhã, augurando começar nova jornada. Foi sua própria e já extremada curiosidade que lhe traiu, arrebatando-lhe a vida. Topou ingressar no subterrâneo de HADES porque a viagem implicaria de plano desvendar sua parte mais sublime - para ele, completamente estranha, mas excitante - qual convencida alma. O mais famoso pupilo colheu o ensejo para explicar e endossar a sapiência:
A alma . . . se ela partir pura, não arrastando consigo nada do corpo, . . . parte para o que é como ela mesma, para o invisível, divino, imortal e sábio, e quando chega ali, ela é feliz, liberta do erro, e da tolice, e do medo . . . e de todos os outros males humanos, e . . . vive em verdade por todo o porvir com os deuses. PLATÃO. Phaedo (Fédon), 80, D, E; 81, A.
Uma concepção particularmente típica do pensamento platônico é a sua doutrina da transmigração das almas. Depois de ter a alma saído das mãos do Demiurgo. é ela entregue ao 'instrumento do tempo'; vive a sua primeira encarnação sobre a nossa, terra. Este primeiro nascimento é igual para todos, para nenhuma alma ficar prejudicada. Ao cabo desta primeira vida, apresenta-se a alma, junto com o corpo, ao tribunal dos mortos, para dar contas da vida nesta terra Conforme o juízo, entrará ela no campo dos bem-aventurados ou será transladada para lugares de castigo no mundo subterrâneo. Mil anos durará esta sua peregrinação, seguindo-se-lhe então o seu segundo nascimento.O homem como alma em Platão – História da Filosofia Antiga – Johannes Hirschberger
Como seu mestre Sócrates, Platão busca descobrir as verdades essenciais das coisas. A alma humana enquanto perfeita participa do mundo perfeito das idéias, porém este formalismo só é reconhecível na experiência sensível... Também o conhecimento tinha fins morais, isto é, levar o homem à bondade e à felicidade. A obtenção do autoconhecimento era um caminho árduo e metódico. Wikipédia
Desde então não poucas vidas tem assim sido abreviadas:
Não chorem, não sofram, eu estou ABSOLUTAMENTE FELIZ!!! Era tudo o que eu queria: ter paz eterna com meu Deus e, se possível, com minha mãe. LEILA LOPES,  atriz, carta publicada em 8/12/2009, O Globo
O fito platônico, entretanto, era de outro calibre: 
Durante o século IV a.C., verificou-se, no mundo grego, uma revivescência da vida religiosa. Segundo alguns historiadores, um dos factores que concorreram para esse fenômeno foi a linha política adotada pelos tiranos: para garantir seu papel de líderes populares e para enfraquecer a antiga aristocracia, os tiranos favoreciam a expansão de cultos populares ou estrangeiros. Dentre estes cultos, um teve enorme difusão: o Orfismo (de Orfeu), originário da Trácia, e que era uma religião essencialmente esotérica. Os seguidores desta doutrina acreditavam na imortalidade da alma, ou seja, enquanto o corpo se degenerava, a sua alma migrava para outro corpo, por várias vezes, a fim de efetivar sua purificação. Wikipédia
EINSTEIN (cit. GABERDIAN, H. GORDON: 314)  bem identificou:
No homem primitivo era o medo, acima de quaisquer outras emoções, que o levava à religião. Esta religião do medo – medo da fome, de animais selvagens, de doenças e da morte – revelava-se através de atos e sacrifícios destinados a obter o amparo e o favor de uma divindade antropomórfica, de cujos desejos e ações dependiam aqueles temerosos sucessos. Como o entendimento do homem primitivo sobre as relações de causa e efeito era pobremente desenvolvido, essa religião do medo criou uma tradição transmitida, de geração a geração, por uma casta especial de sacerdotes que se postara como mediadora entre o povo e as entidades temidas. Essa hegemonia concentrou o poder nas mãos de uma classe privilegiada, que exercia as funções clericais como autoridade secular a fim de assegurar seu poderio. Nesse ínterim se verificava a associação dos governantes políticos à casta clerical, na defesa dos interesses comuns.
Na mosca:
Ao legislador não podemos, em nenhum ponto, lhe recusar a nossa, fé; e assim será também quando nos assegura ser a alma algo de completamente diferente do corpo e que, na vida, é justamente a alma, e não outro ser, que nos torna a cada um de nós o que propriamente somos. O corpo, pelo contrário, nos segue a cada um somente como uma espécie de sombra, dizendo-se, por isso, com razão que, sobrevindo a morte, os cadáveres não são mais do que simulacros dos mortos; pois, o verdadeiro homem é um ser imortal, cujo nome próprio é a alma, que entra na comunhão dos deuses para dar contas de si. PLATÃO Leis, 959
A interpretação religiosa assenta nessa mesma ambiguidade: una est religio in rituum varietate, proclama Ficino, que, na Teologia Platônica – título revelador – desenvolve o acordo entre o platonismo e o cristianismo.
‘Eis a razão porque, quem quer que leia seriamente as obras de Platão, nelas encontrará, evidentemente, tudo, mas em particular essas duas verdades eternas: o culto reconhecido de um deus conhecido e a divindade das almas, onde reside toda a compreensão das coisas, toda a regra de vida e toda a felicidade. E tanto o mais que, sobre estes problemas, a maneira de pensar de Platão é tal que, de entre outros filósofos, foi a ele que Agostinho escolheu para modelo, como sendo o mais próximo da verdade cristã, afirmando que, com pequenas alterações, os platônicos seriam cristãos.’
O estereotipado MAQUIAVEL também considerava a religião e sobretudo o temor a Deus, essenciais "para comandar os exércitos, para estimular a plebe a manter os homens bons, para fazer os reis se envergonharem."’  Ao Secretário Florentino o culto da alma,  e o temor a Deus eram necessários, sobretudo nas repúblicas: "Como a observância do culto divino é origem da grandeza das repúblicas, também o desprezo daquele é origem da ruína destas.Porque onde falta o temor a Deus, convém ou que aquele reino desabe, ou que seja sustentado pelo temor a um príncipe que supra os defeitos da religião.".
A cronologia é apenas mais uma invenção grega, lógica do Divino Chronos. Eis a teologia, pura mitologia, mas por tudo assim cronometrado, HADES não admite ninguém furando fila.  SÓCRATES não foi nada sábio. Nota zero na Física, e duplo zero na Metafísica. Não maior nota para quem se julga apto para interpretar, compreender, fazer a vontade ou querer ler a mente de DEUS. Ele não vem ao caso. E se o caso for até Ele, será o fim;  A ciência, contudo,  admite  a Eternidade. Se não há alma separada do corpo, e o corpo evidentemente fenece, apelaremos ao milagre? Negativo. Como sair do impasse? Há muitas aproximações cientificas a partir do nosso conhecimento sobre a carga energética atômica que permeia o Universo, e por consequência, a todos nós. É o que veremos. Por ora, assinalo a pista: 
 O físico David Bohm chega a desenvlver idéias muito audaciosas que 'abrem um novo caminho para se aprender a relação que o espírito mantém com a matéria'... Em A dança do espírito (1985) declara que o grande erro da filosofia mecanicista é o de afirmar-se como uma filosofia da fragmentação, reduzindo o Universo a um agregado de entidades independentes, separadas, fechadas nelas mesmas, e, por conseguinte, incapazes de comunicação real: como se a Natureza fosse um gigantesco mecanismo submetido a forças cegas; como se, nela, o homem fosse privado de alma e significação. Ora, reduzido ao estado de autômato bioquímico, o homem não pode integrar-se à vida do Universo. O que seria uma enorme frustração... ' O espírito e o corpo não são realidades independentes, tampouco o pensamento e o sentimento. JAPIASSÚ, H., Ciência e destino humano: 185. 
Tanto quanto E=Mc².  Se colocarmos a inicial da alma,  fonte energética do ser humano,podemos constatar que ela migra a todo instante, em cada batida do coração - portanto, com nosso corpo, com nossas informações, nosso histórico. Com nosso DNA. Pronto.
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Matéria sem espírito não tem sentido.
Espírito sem matéria não é sentido.  
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Simples assim.
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1.* O “princípio da complementariedade” vem explicado no original por NIELS BOHR em Atomic Physics and Human Knowledge; Nova York, 1963. Existe uma tradução editada no Brasil.(Física atômica e conhecimento humano)  DAVID BOHM o interpreta em Wholeness and Implicate Order, London, 1980. A primeira apresentação pública da teoria foi em Como, IT., 1927. GERALD HOLTON tem publicado um texto na revista Humanidades, nº 9 (1984), pp. 49-71, da Universidade de Brasília, intitulado As Raízes da Complementaridade. Se você estiver dando os primeiros passos no fantástico mundo quântico:  http://www1.uol.com.br/vyaestelar/fisicaquantica_yin_yang.htm

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